Ana Beatriz Magno e Kelvin Melo
Endividada até o pescoço e lutando para manter as portas abertas até o fim do ano, a UFRJ acaba de sofrer um contingenciamento de R$ 60 milhões nas receitas que sustentam o funcionamento básico da instituição.
Contingenciamentos de recursos têm sido utilizados de forma recorrente contra o orçamento das universidades, nos últimos anos, para atendimento das regras fiscais. A triste novidade de 2024 é que a medida de agora também atinge valores empenhados. Ou seja, dinheiro já reservado para o pagamento de determinadas despesas. Pelo menos no caso da maior federal do país. E não foi pouco, não: R$ 50,6 milhões. Ou 84,3% do total.
“Esse contingenciamento vai trazer uma dificuldade maior para o gerenciamento do dia a dia da universidade. Ter os fornecedores batendo na nossa porta quase que diariamente traz um estresse muito grande para o nosso corpo técnico-administrativo da PR-3 (Finanças) e da PR-6 (Governança)”, afirmou o reitor Roberto Medronho. “Algumas firmas são pequenas e, quando se atrasa um pouco o repasse, elas não têm volume de caixa para pagar seus funcionários”.
A administração central ainda estuda os empenhos que poderão ser cancelados neste momento. A orientação da reitoria é manter bolsas estudantis e o funcionamento dos restaurantes universitários.
Apesar do baque, o reitor está confiante no descontingenciamento dos R$ 60 milhões. “Tem previsão de liberação dos recursos em outubro e em dezembro”, disse. Além disso, o dirigente espera o repasse de novas receitas para a UFRJ. “Já pedimos uma suplementação orçamentária ao ministério de R$ 13,6 milhões para pagar faturas de luz e água. Já conversei com o ministro Camilo Santana e com o Alexandre Brasil (secretário de Educação Superior) pessoalmente e há uma disposição do MEC em repassar os recursos para a suplementação”, disse. “Nós vamos vencer essa etapa. A UFRJ não fechará, mas precisamos ter a suplementação orçamentária mínima”.
QUASE UM CORTE DA LUZ
A preocupação com as contas de energia elétrica e de água e esgoto se justifica. A Light iria cortar a luz da universidade — incluindo a de três hospitais (Clementino Fraga Filho, IPPMG e Maternidade Escola) nesta sexta-feira (9). A empresa notificou a UFRJ sobre a medida em 11 de julho, cobrando o pagamento de abril, maio e junho. As faturas somam aproximadamente R$ 15 milhões. Foi por pouco. A Procuradoria da UFRJ conseguiu uma decisão judicial dois dias antes que impediu o corte.
A reitoria estima que os serviços de água e energia custem aproximadamente R$ 138 milhões aos cofres da universidade em 2024 — o número inclui débitos de anos anteriores. Em ofício encaminhado na segunda-feira (5) aos decanos e diretores, a reitoria solicitou a adoção de medidas para a redução do consumo.
Já o diretor do Instituto de Economia e ex-reitor Carlos Frederico Leão Rocha não poupou críticas ao movimento do governo. “Alguém presta um serviço porque você tem o dinheiro na conta, você emite o cheque e, após a emissão, o governo pega o seu dinheiro. É uma espécie de roubo”, comparou.
“Aconteceu algo semelhante com a nossa gestão no final do governo Bolsonaro. E nós denunciamos o escândalo que era isso”, afirmou, em referência ao episódio de dezembro de 2022, quando R$ 16 milhões da universidade foram bloqueados. Na ocasião, estudantes ficaram sem bolsa; funcionários extraquadros dos hospitais, sem salários; e terceirizados, sem pagamento. Licitações pararam e houve redução do funcionamento do transporte interno na Cidade Universitária e dos bandejões, entre outros problemas. “O que está feito é um escândalo. O governo Lula está agindo igual ao governo Bolsonaro”.
ANDIFES PREOCUPADA
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) expressou preocupação com o contingenciamento. “Os bloqueios de orçamento e a reprogramação dos limites de empenho no Ministério da Educação (MEC) têm sido motivo de grande preocupação para as universidades federais, que enfrentam dificuldades orçamentárias consideráveis há vários anos e foram diretamente afetadas neste processo”, respondeu à reportagem, em nota.
A entidade afirma estar em “constante diálogo” com a Secretaria de Educação Superior (SESu) e a Subsecretaria de Planejamento e Orçamento (SPO) tanto em relação ao orçamento de 2024 quanto o do próximo ano.
A reportagem questionou o Ministério da Educação sobre o total do contingenciamento, em todas as universidades e em outras áreas da pasta. Também foi perguntada a justificativa para os 18% aplicados no orçamento discricionário das instituições de educação superior. E, além disso, se poderia haver suplementações para universidades em situação mais difícil, como a UFRJ, para evitar o risco de colapso do funcionamento. Até o fechamento desta edição, não houve retorno da assessoria de comunicação do MEC.
POR QUE R$ 60 MILHÕES?
O contingenciamento no orçamento da UFRJ é resultado do congelamento de R$ 15 bilhões nas contas públicas promovido pelo governo para atender ao novo arcabouço fiscal. Com exceção do Ministério do Meio Ambiente, todas as pastas foram atingidas. As universidades tiveram 18% dos recursos vindos do Tesouro “congelados”. Além disso, foram bloqueadas as emendas parlamentares classificadas como RP2 (voltadas para o orçamento discricionário) não empenhadas até 23 de julho. A UFRJ, no entanto, já havia utilizado R$ 16,5 milhões dessa parte dos recursos antes do prazo. Também são preservadas as receitas próprias — decorrentes de aluguéis de espaços da universidade, por exemplo —, hoje em R$ 70,3 milhões. Os R$ 60 milhões decorrem dos 18% aplicados sobre o orçamento de R$ 420,6 milhões menos estes dois itens, informou o superintendente geral de Orçamento da universidade, George Pereira.