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WhatsApp Image 2024 07 15 at 13.15.37 3Vinícius Liebel, do Instituto de História (IH), e Fernando Brancoli, do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID) - Fotos: Acervo pessoalNo domingo retrasado (7), o mundo assistiu a uma das maiores viradas eleitorais dos últimos tempos. Quase 34 milhões de franceses foram às urnas em segundo turno — cerca de 60% do eleitorado, algo que não ocorria há mais de 40 anos — para consagrar a vitória da Nova Frente Popular (NFP), um bloco de esquerda formado, majoritariamente, por socialistas, comunistas e verdes. Essa aliança derrotou a ameaça de vitória da extrema direita de Marine Le Pen, que terminou o primeiro turno na frente e chegou ao final da segunda volta em terceiro lugar, atrás também da coligação de centro-direita do presidente francês Emmanuel Macron, que fechou em segundo. Para analisar os resultados da eleição francesa e seus reflexos no mundo — e no Brasil, em particular —, o Jornal da AdUFRJ convidou os professores Vinícius Liebel, do Instituto de História (IH), e Fernando Brancoli, do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID).

Jornal da AdUFRJ — Ao dissolver o parlamento em junho e convocar novas eleições, o presidente francês, Emmanuel Macron, argumentou que o país precisava de “uma maioria clara para agir com serenidade”. A extrema direita foi derrotada, mas o partido de Macron saiu da eleição com menos cadeiras e agora o Parlamento está dividido em três blocos, sendo que nenhum deles tem maioria. Na sua visão, Macron saiu vitorioso da eleição? Ou ele perdeu a aposta?

Vinícius Liebel, professor de História Contemporânea (IH/UFRJ) — A imagem de Macron sai fortalecida, ele fez uma aposta que deu certo. Sua proposta primária era barrar a ascensão da extrema direita após as eleições ao Parlamento Europeu. É preciso lembrar ainda que quando anunciou a convocação de novas eleições, a maior parte dos analistas julgou aquilo um erro. Nesse sentido, ele sai fortalecido. Essa imagem será colocada à prova agora, pois ele precisará negociar e buscar composições diversas em busca de governabilidade.

Fernando Brancoli, professor de Segurança Internacional e Geopolítica (IRID/UFRJ) — A dissolução do Parlamento e a convocação de novas eleições por Emmanuel Macron resultaram em uma perda de cadeiras para seu partido. Embora tenha evitado uma vitória da extrema direita, Macron agora enfrenta um Parlamento dividido em três blocos sem maioria clara. Portanto, ele não pode ser considerado completamente vitorioso, pois perdeu terreno político significativo e a capacidade de governar com serenidade.

O atual primeiro-ministro, Gabriel Attal, se manterá no cargo, ao menos por enquanto. Estima-se que ele fique ao menos até o fim das Olimpíadas, em meados de agosto. Como será a composição política, na sua avaliação, para a escolha do primeiro-ministro?

Vinícius Liebel —
Esse é o grande mistério. Não se sabe quem pode ser indicado, pois a composição feita pelo bloco de esquerda agrupa vários partidos, cada um querendo emplacar o seu nome. Mas provavelmente o nome será alguém de centro-esquerda que possa, de alguma forma, dialogar com os diferentes partidos.

Fernando Brancoli — Gabriel Attal deve continuar como primeiro-ministro até o fim das Olimpíadas, em agosto. A escolha de um novo primeiro-ministro exigirá negociações complexas entre os blocos fragmentados do Parlamento. Macron precisará formar alianças e fazer concessões para garantir apoio suficiente para aprovar suas políticas.

Há também grande expectativa pela governabilidade. O novo Parlamento tem três blocos de dimensões comparáveis: o da a esquerda, com 182 cadeiras, o de centro-direita do presidente Macron, com 168, e o da extrema direita de Marine Le Pen, com 143. O senhor vê alguma possibilidade de um governo de coalizão?

Vinícius Liebel — Não haverá harmonia completa, mesmo dentro do bloco de esquerda existem tensões permanentes, mas essa articulação que foi feita para barrar a extrema direita precisará mostrar resultados. Se o governo ficar paralisado, se não houver alguma composição, a direita vai sair fortalecida. Em compensação, se o governo conseguir promover o diálogo e entregar resultados com isso, a tendência é a extrema direita perder visibilidade.

Fernando Brancoli — A formação de um governo de coalizão é uma possibilidade real, dada a divisão equilibrada entre os blocos de esquerda, centro e extrema direita. No entanto, a concretização dessa coalizão dependerá de concessões significativas e da disposição dos partidos em colaborar para garantir a governabilidade.

Uma possibilidade aventada por especialistas é a nomeação de um primeiro-ministro e de ministros “técnicos” para implantar reformas consensuais, com o apoio, em função da medida, de diferentes blocos do Parlamento. Há paralelos, por exemplo, na Itália, que teve recentemente governos técnicos em tempos de crise, mas não por um longo período. Acha essa possibilidade viável?

Vinícius Liebel — É possível, mas improvável. Um gabinete de técnicos acena para uma “neutralidade” política, para um distanciamento da composição política. Nesse momento é justamente a composição e o diálogo político que precisam ser fortalecidos.

Fernando Brancoli — A nomeação de um primeiro-ministro e ministros “técnicos” para implementar reformas consensuais é uma solução viável em tempos de crise. Exemplos na Itália mostram que governos técnicos podem ser eficazes, embora geralmente de curta duração. Essa abordagem pode ser uma saída para o impasse político atual na França.

O bloco de esquerda que se formou no segundo turno conseguiu derrotar a extrema direita, mas está longe de ser homogêneo. Dois dos principais líderes do bloco — Jean-Luc Mélenchon, da França Insubmissa, e Olivier Faure, do Partido Socialista — já deram declarações rejeitando a coalizão. Como vê esse dilema da esquerda francesa, que foi a mais votada mas não tem maioria para governar sozinha?

Vinícius Liebel — É verdade, mas também é verdade que ninguém tem maioria para governar sozinho na situação atual. A grande vantagem da esquerda é que ganhou peso, se hoje ela não pode governar sozinha, ninguém pode governar sem ela. E esse é um trunfo que deve fazer a política francesa mudar nos próximos meses.

Fernando Brancoli — A esquerda francesa enfrenta um dilema significativo. Apesar de ter derrotado a extrema direita, o bloco de esquerda é heterogêneo, com líderes como Jean-Luc Mélenchon e Olivier Faure rejeitando a coalizão. Essa falta de coesão interna pode dificultar a capacidade do bloco de governar de forma eficaz.

A que o senhor credita a derrocada da extrema direita, que venceu no primeiro turno mas ficou longe das projetadas 300 cadeiras no Parlamento, terminando como a terceira força, com 143 assentos? É possível acreditar que a vitória dos conservadores foi apenas adiada para 2027, como afirmou Marine Le Pen após o segundo turno?

Vinícius Liebel — Existem duas formas de ver a situação atual: a primeira é entender que a direita avançou e que ameaça valores republicanos e democráticos na França, que os franceses estão normalizando discursos xenófobos e extremistas. A segunda é perceber que mais de dois terços dos franceses optaram por barrar a extrema direita, e que um acordo republicano é possível. Mas será possível repetir esse cenário nas próximas eleições caso a política fique paralisada na França nos próximos meses? Quantas vezes os eleitores vão aceitar esse acordo se ele não trouxer também os avanços políticos que promete?

Fernando Brancoli — A extrema direita, apesar de ter vencido no primeiro turno, não alcançou as 300 cadeiras projetadas e ficou como a terceira força com 143 assentos. Marine Le Pen acredita que a vitória dos conservadores foi adiada para 2027, e o crescimento da extrema direita é evidente, indicando que ela continua sendo uma força significativa.

Para conseguir a reviravolta do segundo turno, a NFP usou a estratégia de apoiar os candidatos mais bem posicionados do bloco em cada distrito do país. Com isso, pulverizou a divisão de votos que poderia beneficiar o adversário comum da direita. Como viu essa estratégia? E que reflexos ela poderá gerar no novo Parlamento?

Vinícius Liebel — A estratégia foi vitoriosa, de fato ela isolou a direita e produziu uma polarização que surtiu efeito no eleitorado. Mas passadas as eleições, a grande questão que se abre não é mais sobre o isolamento da extrema direita, mas sim sobre as múltiplas visões que os diferentes partidos envolvidos nessa estratégia vão levar para o Parlamento. Caso não haja acordos costurados ou diálogos francos, existe o perigo da política nacional francesa ficar paralisada. Nesse cenário, a direita deverá ganhar força.

Fernando Brancoli — A estratégia do bloco de esquerda de apoiar candidatos mais bem posicionados em cada distrito foi eficaz para evitar a divisão de votos e vencer a extrema direita no segundo turno. Essa abordagem pode levar a uma dinâmica mais colaborativa no novo Parlamento, embora complexa.

Há algum paralelo entre as eleições francesas e o processo eleitoral que resultou na vitória do presidente Lula em segundo turno no pleito contra Bolsonaro em 2022?

Vinícius Liebel — Não vejo muitos paralelos. A natureza das eleições é diferente, não houve um acordo, um “bloco republicano” de fato, a direita brasileira tem mais capilaridade do que a direita francesa, os extremismos vêm sendo mais normalizados, os partidos de centro brasileiros navegam conforme o vento. O Congresso brasileiro formado depois das eleições não tem uma maioria contrária à extrema direita. O paralelo de que houve apoios democráticos à candidatura do presidente Lula no segundo turno é circunstancial, fruto da natureza de nossas eleições. E é preciso lembrar que esse apoio não foi geral e irrestrito, mas veio praticamente apenas de uma das candidatas derrotadas no primeiro turno, que foi a Simone Tebet. Um paralelo real existiria se todas as candidaturas no primeiro turno tivessem sido retiradas em apoio à candidatura petista. Não tivemos nada nem perto disso.

Fernando Brancoli — Há paralelos significativos entre as eleições francesas e brasileiras, especialmente na formação de alianças estratégicas para derrotar candidatos de extrema direita. Em ambos os casos, a união de diferentes forças políticas foi crucial para assegurar a vitória.

O senhor enxerga algum reflexo das eleições francesas na disputa eleitoral norte-americana, sobretudo com o fraco desempenho do democrata Joe Biden nas últimas semanas? A derrota da direita francesa poderá arrefecer o ímpeto da campanha de Trump? E como uma eventual vitória de Trump poderá estimular candidaturas de extrema direita mundo afora?

Vinícius Liebel — Não creio em uma influência determinante dos resultados na França nas eleições norte-americanas. Lá, as visões em conflito são diferentes. É um sistema bipartidário, também muito diferente daquele da França. Não acredito que pessoas saiam para votar pelo exemplo francês, inspiradas no sentimento republicano, visando barrar o trumpismo. Mas sim, uma vitória de Trump colocaria em evidência mais uma vez uma visão de mundo de direita, a normalização das fake news, a negação da Ciência, o populismo e todo aquele cenário que tínhamos há quatro anos.

Fernando Brancoli — As eleições francesas podem influenciar o cenário político dos EUA. A derrota da extrema direita na França pode enfraquecer movimentos similares, incluindo a campanha de Trump. Uma possível vitória de Trump, por outro lado, pode encorajar candidaturas de extrema direita ao redor do mundo.

Assim como foi no Brasil, na Argentina e na França, e como se desenha ser nos EUA, a polarização entre democracia e autoritarismo parece ser a principal tendência da política nos continentes europeu e americano. Em todos os pleitos, os eleitores têm ido às urnas para decidir entre esses dois caminhos opostos. Como enxerga esse cenário?

Vinícius Liebel — Vejo como uma regressão da ideia de republicanismo. A ideia de coisa pública perde espaço e os indivíduos buscam resoluções práticas e unilaterais de seus problemas, a imposição de suas ideias e de suas visões. Outra ideia que vem regredindo é a de responsabilidade, tanto a individual quanto a coletiva. São valores historicamente ligados à democracia, à ideia de direitos humanos, que também vêm sendo atacados e descartados por parte da população. Os exemplos históricos de autoritarismo caem em ouvidos moucos e, em algumas bolhas, vêm sendo mesmo exaltados diante das incertezas e das flutuações que os desafios globais atuais apresentam. É um cenário que dificilmente mudará no curto prazo sem um investimento maciço na educação, na conscientização política e na memória dos eventos autoritários.

Fernando Brancoli — A polarização entre democracia e autoritarismo é uma tendência crescente nas políticas europeias e americanas. Eleitores em diversos países têm escolhido entre esses caminhos opostos, refletindo divisões sociais mais amplas. Esse cenário provavelmente continuará a influenciar eleições futuras em várias regiões.

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