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WhatsApp Image 2023 06 01 at 20.15.50 1Fotos: CNTc/HUCFFDois recomeços emocionantes marcaram o 27 de maio na história do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. Naquele sábado, às seis da manhã, o HU voltou a fazer um transplante de fígado, depois de oito anos. Às 11h30, o paciente de 46 anos que sofria de cirrose avançada por hepatite C saiu do centro cirúrgico com um sorriso no rosto, esperançoso por dias melhores — o hospital não revela o nome em respeito à legislação vigente.

Foi a primeira operação realizada pela nova equipe do Centro Nacional de Transplantes Complexos (CNTc), instalada no HU com recursos do Ministério da Saúde. “É uma prova para a sociedade de que a UFRJ voltou com força para protagonizar o maior centro de transplantes dos hospitais universitários do Brasil”, comemorou o professor Eduardo Fernandes, coordenador do CNTc.

O centro, que ainda está em um estágio inicial, poderá realizar transplantes combinados de coração, pulmão, rim, pâncreas e fígado. Tudo pelo Sistema Único de Saúde. “O governo percebeu que precisava reativar este tipo de transplante, que custa muito caro. E o ministério escolheu a UFRJ para o começo do sistema”, afirmou Eduardo.

Além de começar um sistema, a iniciativa pode ajudar a reconstruir a saúde pública do país. O coordenador acredita que o CNTc servirá para impulsionar a retomada de mais centros de transplante nas outras federais. “O mesmo desmonte dos transplantes que aconteceu na UFRJ aconteceu em outras universidades”.

Por enquanto, a nova equipe atenderá às demandas de operações no Centro Cirúrgico da unidade, no 12º andar. A ala F do sétimo andar será adequada para abrigar o CNTc, a partir de doações da Rede Dasa. Mas ainda não há previsão para as obras. O certo é que haverá, pelo menos, seis leitos para o Centro de Terapia Intensiva e oito de enfermaria.WhatsApp Image 2023 06 01 at 20.15.51 3

O transplante de sábado passado, por outro lado, mostrou que a equipe não vai esperar até as instalações ficarem prontas “Estamos com o programa aberto. Todos os dias, estamos avaliando novos pacientes. Não só para o transplante do fígado, mas para o transplante de pâncreas, de pulmão, de coração”, disse Eduardo. “Começou uma corrida. Não dá mais para voltar atrás”, completou.

Com uma carreira vinculada ao hospital desde a residência médica, Eduardo não escondeu a felicidade pela retomada dos transplantes de fígado. “Fiquei muito emocionado de poder estar retribuindo para o hospital tudo que o hospital fez por mim”, disse. O atual coordenador do CNTc trabalhou por muitos anos com o professor Joaquim Ribeiro Filho, pioneiro dos transplantes no HU. “Depois de muitos anos, saí. Voltei como professor em 2011. Espero poder retribuir muito mais. Foi um momento muito especial. Não posso deixar de agradecer por fazer este recomeço”.

INVESTIMENTO VALE A PENA
Diretor do hospital, o professor Marcos Freire também celebrou o transplante recém-realizado pela nova equipe. “É uma emoção para nós. Espero que este centro de transplantes seja um símbolo para colocar a UFRJ no seu devido lugar como formadora de profissionais de excelência e de pesquisadores”, disse.

O gestor destacou que a falta de recursos humanos é o grande problema do HU. E que o investimento vale a pena para a sociedade. “Se você colocar aqui 900 profissionais, eu abro 140 leitos. A estrutura está pronta, com leitos reformados, com colchões novos, com equipamento”, afirmou, em referência às melhorias realizadas no prédio, durante o período da pandemia. “Nós mostramos o que o hospital é capaz de produzir. Chegamos a ter 320 leitos. E o recurso humano também saiu daqui treinado” — no fim de 2021, foram encerrados os contratos da força de trabalho temporária. Hoje, o hospital conta com apenas 180 leitos abertos.

FORMAÇÃO AMPLIADA
O funcionamento do CNTc também agrega qualidade à formação de profissionais pelo Clementino Fraga Filho. A médica hepatologista Samanta Basto, que trabalha com pacientes de transplante há mais de 20 anos em diferentes unidades de saúde, não tem dúvida disso. “O transplante faz parte desse projeto de ensino e pesquisa. Foi bonito de ver a equipe cirúrgica mais os residentes lá”, diz. “Será muito bom para o hospital, seus alunos e pacientes, contar com essa equipe diferenciada”, completa.

O ensino do que ocorre antes e depois dos transplantes de fígado ficou preservado graças a um ambulatório muito ativo, mesmo nos oito anos sem cirurgia no hospital. “As pessoas tendem a achar que o transplante é somente a cirurgia. E, de fato, é uma das cirurgias mais complexas da Medicina, que exige cirurgiões muito habilidosos e experientes. Porém o transplante também vai muito além”, explica Samanta.

O CNTC reúne no HU um time multidisciplinar de enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, assistentes sociais, entre outros profissionais. Fora os diversos especialistas voltados especificamente para o transplante, como médicos intensivistas, hemoterapeutas, infectologistas e radiologistas. “E o acompanhamento continua depois. Durante o resto da vida, os pacientes precisarão de cuidados médicos em função da imunossupressão”.

Estes pacientes, ressalta a médica, são muito desafiadores do ponto de vista acadêmico, em função da gravidade das doenças que acometem o fígado. “Eles ensinam para a gente o tempo todo. Não só no momento da cirurgia, mas ao longo do acompanhamento”, afirma.

Uma das “lições” que os transplantados passam todas as vezes é a da emoção. A médica, que é clínica, não participou do transplante do dia 27, mas acompanhou a saída do paciente do centro cirúrgico. “Ele estava muito grato. Chorou com a equipe médica. E saiu sorrindo. Foi, de fato, emocionante. E é sempre emocionante, mesmo a gente trabalhando há tantos anos com isso”.

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WhatsApp Image 2023 06 01 at 20.15.51 4DEPOIMENTO
Igor Vieira,
Estagiário de Jornalismo da AdUFRJ

Fui diagnosticado com colangite esclerosante primária (CEP) aos três anos de idade. É uma doença complexa, autoimune, que afeta o meu corpo inteiro, como o baço e o esôfago, mas principalmente, o fígado, que estava muito necrosado. Eu era muito ictérico, sentia muita coceira — especialmente ao comer algo gorduroso —, e muita fadiga. Não tinha energia para nada. Meu corpo era muito frágil e eu não podia nem praticar esportes. Sou um brasileiro que nunca jogou bola.

A necessidade de tratamento me fez viajar seguidas vezes para me consultar com a Dra. Gilda Porta, em São Paulo, referência na área — obrigado, pai e mãe, por todo aquele apoio, de esforço físico ao financeiro! Consegui conviver com a doença até os 18 anos, mas depois de muitas intercorrências — hemorragia, coma, além de meses no hospital para fazer exames e cirurgias menores — precisei de um transplante.

Apesar da cirurgia apenas aos 18, sempre houve a expectativa: desde cedo, era o único entre meus amigos a ter um CPF, obrigatório para entrar na “fila” do sistema. Não ocorreu antes, porque, lembro bem das palavras da minha médica, “um transplante é uma cirurgia muito séria, ainda não há necessidade de passar por esse risco. Apenas se houver piora”. Mas estávamos sempre alertas.

Em 2016, tive um infarto esplênico, ou seja, no baço, segundo órgão mais afetado pela minha doença. Foi horrível, senti dor por meses, mas quando entrei no consultório da médica em São Paulo, já sabia que ela iria falar “é hora do transplante”. Meu irmão, Ivan Marcos — valeu, Marquinhos! —, se prontificou a doar 70% do fígado dele, um órgão que se regenera, para mim.

Não sou de rezar, mas refleti bastante, e na véspera da cirurgia, no dia 29 de agosto de 2016, pensei: “Pode dar errado, posso cair e morrer. Mas também pode dar certo, e posso voar. Minha vida será outra”.

Deu tudo certo. Eu e meu irmão nos recuperamos completamente — obrigado, doutora Gilda Porta, e toda a equipe do Hospital A.C Camargo. Ainda hoje, toda vez que vejo uma campanha ou uma notícia sobre transplante, como a do HU da UFRJ, fico emocionado.

Quer dizer, nenhum transplantado de fígado fica 100% curado. O corpo sempre vai rejeitar um órgão que não é meu. E é por isso que até hoje preciso tomar imunossupressores para diminuir a capacidade de ataque do meu sistema imunológico. Os remédios são fornecidos gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde — eu sou “viva o SUS” e “viva a Ciência” bem antes da pandemia!

Graças à família, aos profissionais de saúde, à Ciência e ao SUS, estou vivo, terminei a escola, fui para faculdade, estou estagiando e quase me formando na UFRJ. Graças a essas oportunidades, estou aqui para escrever este depoimento repleto de gratidão. Obrigado, colegas do Jornal da AdUFRJ.

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