facebook 19
twitter 19
andes3
 

filiados

WhatsApp Image 2023 01 27 at 20.18.54 4ENTREVISTA I Francisco Carlos Teixeira, Professor de história moderna e contemporânea da UFRJ

"O fascismo não se dissolve assim, como leite em pó na água"

A crise militar que paira sobre o governo Lula em seu primeiro mês de vida não tem hora para acabar. É o que avalia um dos principais pensadores brasileiros em assuntos militares, o historiador Francisco Carlos Teixeira, professor titular aposentado de História Moderna e Contemporânea da UFRJ e professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme). Segundo ele, os militares não cogitam aceitar um eventual julgamento do tenente-coronel Mauro Cesar Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, pivô da queda do ex-comandante do Exército Júlio César Arruda, demitido no último sábado e substituído pelo general Tomás Paiva. “O que os militares neste momento não aceitam é que ele vá a julgamento. Isso não está de maneira alguma pacificado”, avalia o professor.
Nesta entrevista, Teixeira acentua que punir os militares envolvidos na tentativa de golpe de 8 de janeiro é a única forma de o governo Lula deixar claro para as Forças Armadas que os militares não podem se envolver em política. Por outro lado, ele pondera, ignorar a participação militar na tentativa de golpe é fomentar ainda mais a politização das tropas, uma marca do governo Bolsonaro. “Militares não têm que ser a favor nem contra. Eles não têm que dar opinião”, diz ele.

Jornal da AdUFRJ — O senhor considera que, com a troca do comando do Exército, a crise militar foi debelada?
Francisco Carlos Teixeira —
O próprio governo está dividido em relação a isso. O ministro da Defesa (José Múcio Monteiro), o ministro-chefe do GSI (general Gonçalves Dias) e o ministro das Relações Exteriores (Mauro Vieira) são a favor de que agora se dê um freio e se deixe só a Justiça avançar nessa questão. Já o ministro da Justiça (Flavio Dino) e o advogado-geral da União (Jorge Messias), com o apoio do STF, querem aprofundar as investigações e ver as conexões dos militares com os episódios de 8 de janeiro.

O senhor avalia que é certa a participação de militares na tentativa de golpe de Estado?
O 8 de janeiro foi montado, não foi fruto de meia dúzia de comerciantes de São Paulo, do Paraná ou de Mato Grosso. Houve inteligência por trás. E mais do que isso: as pessoas não estão associando os atos em Brasília aos ataques às torres de energia no Paraná, em Rondônia e em Mato Grosso e nem às tentativas de invasão a refinarias no próprio dia 8 e na madrugada de 9 de janeiro. Quando você derruba com bombas 11 torres de energia, o que é isso? É terrorismo.

Então a participação de militares na empreitada não se deu só por omissão ou leniência?
Circunscrever os acontecimentos a Brasília é perder a dimensão do que aconteceu. Havia inteligência no plano. Enquanto estavam ocorrendo os ataques em Brasília, a ideia é que o país ficasse às escuras e sem combustível. Isso é terrorismo, não há a menor dúvida nesse sentido. O próprio presidente Lula já declarou que foi golpe de Estado, que abriram as portas do Palácio do Planalto, que foi coisa de gente de dentro em que ele não confia. E nem pode confiar. Na verdade é o Lula que unifica as divergências de seu governo. Ele não exonerou Múcio nem Gonçalves Dias, mas os faz cumprir uma agenda de busca dos responsáveis.

Um dos militares investigados é o tenente-coronel Mauro Cid, que ganhou de presente um comando em Goiânia e foi pivô da queda do general Arruda...
Toda essa questão se galvaniza em torno dele. Ele foi meu aluno na Eceme, um brilhante aluno. Muito inteligente e competente, é filho do general Lorena Cid. Mas não é nada democrata. Inclusive as discussões em sala de aula já mostravam isso. Se ele for punido, surge uma questão clara. Os militares não aceitavam sequer a exoneração dele. Foi designado para comandar o único batalhão do Exército de rápido deslocamento (1º Batalhão de Ações e Comandos, unidade de Operações Especiais, em Goiânia), que pode estar, ou se negar a estar, em qualquer ação necessária. Um comando estratégico que não poderia ser dado na mão de alguém que cuidava até das contas privadas do casal Bolsonaro.

Ele também é alvo de um processo no STF...
Sim, ele ganhou um prêmio mesmo indiciado no processo de atividades antidemocráticas. É norma clara no Exército e nas Forças Armadas que você não pode promover nem nomear para comandos
os oficiais que estejam sub judice. Então, ao nomeá-lo, Bolsonaro quebrou as regras, a cultura e a disciplina militares. Ele foi exonerado, mas a questão é: ele vai ser julgado? E se for julgado, será por um tribunal militar ou pela Justiça civil?

O senhor acha que os comandantes militares aceitariam isso?
O que os militares neste momento não aceitam é que ele vá a julgamento. Isso não está de maneira alguma pacificado. Tenho conversado com vários oficiais, inclusive oficiais em comando de regiões militares, e eles dizem que já acham ruim ele ser exonerado, e não aceitam o julgamento. Acham que seria imiscuir política nas Forças Armadas, o que na verdade quem fez foram Bolsonaro e eles (os oficiais militares) mesmos. O que o governo está tentando fazer agora é tirar a política. Mas eles não têm essa visão.

Há resistências também em outras frentes?
Temos a figura do coronel Fernandes da Hora, que é o comandante da Guarda Presidencial, de proteção do Palácio do Planalto. E vimos que a Guarda nem preveniu, nem protegeu. Ao contrário: o vídeo que circula é ele em um bate-boca com um tenente da PM tentando tirar os infiltrados dele do meio dos presos. Essa Guarda Presidencial tem algo como 960 homens à disposição e esses homens não estavam lá. E também tem inteligência, o que não se viu. O batalhão, por sinal, se chama Duque de Caxias. O que é uma ironia, porque Duque de Caxias ficou na história como um militar que cumpria seus deveres rigorosamente. E tudo o que o batalhão Duque de Caxias não fez foi cumprir seus deveres.

Além do coronel Fernandes da Hora, que outros nomes em cargos militares não inspiram confiança?
Há o general Dutra (Gustavo Henrique Dutra), o comandante militar do Planalto. Ele e o Fernandes da Hora têm que acompanhar o tenente-coronel Cid, porque a confiança neles é zero. Hoje (terça-feira, 24) está sendo feita a mudança do pessoal do GSI. Estão saindo os militares nomeados por Bolsonaro e está entrando a nova leva. Mas por que tanto tempo para fazer essas mudanças? O general Gonçalves Dias, amigo pessoal do Lula, já tinha que ter em 1º de janeiro os nomes de quem ia nomear. Levamos do dia 1º ao dia 24 para fazer essas nomeações de pessoas que devem prever os riscos institucionais. E aqui temos outra dimensão desse problema.

Qual dimensão?
Falamos muito do governador do DF, Ibaneis Rocha, de seu secretário de Segurança, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, e do comandante da PM de Brasília. Não resta dúvida de que foram coniventes, e desde 12 de dezembro, quando houve quebra-quebra e tentativa de invasão à sede da Polícia Federal. Mas há outro lado, o lado federal. Nem a Abin, nem o GSI, nem o batalhão Duque de Caxias, nem o Comando Militar do Planalto fizeram nada para prevenir a invasão dos Três Poderes. A dúvida é: vamos só punir o lado do governo do Distrito Federal e virar a página? Fazer o que se faz sempre, a conciliação e o esquecimento para não cutucar os militares? Ou vamos tomar de vez uma decisão de que os militares não podem se envolver na política? E a forma de fazer isso é a punição aos responsáveis.

Nesse sentido, como o senhor viu o posicionamento do general Mourão, de que Lula criou “um desgaste desnecessário” com a troca de comando do Exército?
O Alto Comando do Exército assumiu uma posição legalista. Mas isso não quer dizer que ele é pró-Lula, ou que os generais são democratas desde criancinhas. Eles só fazem uma avaliação política realista de que não vale a pena se envolver nessas aventuras agora. O próprio general Tomás era chefe de gabinete do Villas Bôas (general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército), participou ativamente do impeachment da Dilma em 2016. Essa “turbo conversão” dele à democracia é estranha. Mas militares não têm que ser nem a favor nem contra. Eles não têm que dar opinião. Eu não quero um general que seja democrata, quero um general que seja profissional. Generais não deveriam ter lado, esse é o ponto central.

Mas parece que atualmente eles têm...
Comemorar, como estamos comemorando, um general democrata, é um erro. Porque algum dia o outro lado pode comemorar um general fascista. Neste momento, o que se vê é que os generais não vão aceitar passivamente outros aprofundamentos para julgar pessoas. Se isso ocorrer, a situação pode ficar mais complexa.

Então a crise continua?
Do lado dos militares não há nenhum ímpeto de achar que a crise está resolvida. Nada pacificado. Inclusive o próprio general Tomás não é nenhuma unanimidade. Ao contrário, ele tem poucas bases dentro do Exército neste momento. Não é uma figura que possa ser considerada pacificadora de todas as correntes ali dentro. A ideia de que Lula não foi absolvido, mas sim descondenado por ação política do STF, muito difundida nas Forças Armadas por Sergio Moro, é dominante no meio militar. E no lado do governo, houve uma falsa percepção de que os acampamentos golpistas se dissolveriam por si sós. E isso não era verdade. O fascismo não se dissolve assim, como leite em pó na água. Veja: mesmo que a figura do Bolsonaro venha a se tornar tóxica e ele se torne inelegível, nós já temos hoje ao menos dois candidatos à sucessão dele. Um é o Mourão, com essas frases que vocalizam as Forças Armadas, e outro é o governador Romeu Zema, de Minas Gerais, com uma atitude extremamente agressiva em relação às investigações dos atos. É possível que continuemos a ter bolsonarismo sem Bolsonaro.

Topo