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WhatsApp Image 2022 10 14 at 22.07.401Alexandre Medeiros e Júlia Fernandes

‘Eu trabalho de dez a doze horas por dia, só paro à noite quando a minha pálpebra está baixando. Não tenho tempo para fazer a tarefa de militância, mas preciso arrumar. E acho que isso vale para todos nós”. O relato do professor Pedro Lagerblad, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ e ex-diretor da AdUFRJ, mostra que o 15 de outubro, Dia do Professor, adquire este ano um novo sentido. Diante de um momento crítico, em que a Educação respira por aparelhos, a sala de aula se ressignifica e a rua se torna o cenário da mobilização. “A gente tem que aproveitar todo momento para fazer campanha e quebrar essa ideia de que política é coisa dos políticos. Ela faz muita diferença na vida de todo cidadão”.
Para o docente, a mobilização, seja como for, é necessária. “Muitos professores estão me procurando para saber como eles podem ajudar e contribuir. Botar adesivo, distribuir panfleto, qualquer coisa ajuda. Criar um clima é fundamental para que a população veja que eles (os bolsonaristas) não são a maioria, e que tem muita gente do outro lado também”, acrescenta Lagerblad.
Em sua obra “A Educação na Cidade”, de 1991, Paulo Freire já alertava: “O trabalhador do ensino, enquanto tal é um político, independentemente de se é, ou não, consciente disto. Daí que me pareça fundamental que todo trabalhador de ensino, todo educador ou educadora, tão rápido quanto possível, assuma a natureza política de sua prática”.

ENGAJAMENTO
Para o presidente da AdUFRJ, professor João Torres, os docentes devem neste momento priorizar a campanha para eleger Lula presidente. “Eu acho que esse 15 de outubro é muito emblemático para os professores que se posicionam claramente contra o governo Bolsonaro”, diz ele. Para João, além dos cortes orçamentários que atingiram drasticamente as universidades, a própria sobrevivência das instituições públicas de ensino está em risco: “Nós temos uma avaliação que o governo Bolsonaro não é apenas um adversário político. Ele é uma possibilidade real da destruição da universidade”.
Nesse contexto, o 15 de outubro se reveste de um papel decisivo em defesa da educação como instrumento de construção da democracia. É o que avalia o decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFRJ, professor Vantuil Pereira: “A escola é o espaço por excelência de formação da perspectiva democrática e da cidadania. Nesse cenário tão turbulento, onde graves ameaças estão colocadas para a universidade, nós professores cumprimos um papel fundamental na luta contra o fascismo. Não existe educação em sociedades autoritárias. Não existe liberdade de cátedra sem sociedade democrática. Temos um compromisso histórico de reafirmar neste 15 de outubro os valores democráticos que a educação traz”.
A necessidade de mobilização surge em um momento que pode se tornar irreversível para a educação pública. “O tempo foi passando e vemos o quadro atual com falta de políticas públicas para a valorização da profissão”, afirma Nedir do Espirito Santo, professora do Instituto de Matemática e diretora da AdUFRJ. Para ela, apesar da crescente onda depreciativa, o profissional da Educação ainda tem o seu lugar de respeito. “Ainda vemos brotar da boca do povo a expressão ‘professor’ para indicar que uma pessoa tem expertise em determinado assunto. Isto significa que, por mais que haja movimento contrário à valorização docente, cada indivíduo reconhece a importância desse profissional na sua trajetória de vida”, diz.
A professora Mayra Goulart, do IFCS e vice-presidente da AdUFRJ, concorda. “Todas as outras profissões precisam de um professor”, lembra Mayra. “A escola é a porta de entrada de todo mundo para o universo do espaço público. Até chegar a uma sala de aula, a criança só conhece o espaço privado”, afirma a professora, para quem a educação é alicerce de todo indivíduo.
REFLEXÃO
Ao lado da mobilização nas ruas, o professor Felipe Rosa, do Instituto de Física e ex-vice-presidente da AdUFRJ, acredita que o 15 de outubro deva também ser um momento de reflexão. “A educação tem um papel mais de longo prazo. O que significa, em pleno século XXI, muita gente achar que a Terra pode ser plana? E são pessoas que estudaram, passaram por escolas. Qual o papel da educação formal para que a gente consiga sair dessa espécie de medievalismo em que estamos inseridos? Chegar às crianças, aos adolescentes e incutir uma cultura científica, de busca do conhecimento, contra a desinformação e o obscurantismo. Temos que pensar sobre isso”, avalia Felipe.
Para a professora Eleonora Ziller, da Faculdade de Letras e ex-presidente da AdUFRJ, a reflexão é pertinente e deve estar inserida em um momento de reconstrução da educação básica, pós-vitória de Lula em 30 de outubro. “Espero que esse mês do professor seja o mês da esperança, e de a gente reiniciar um longo processo de reconstrução. Vivi o fim da ditadura e o que chamamos de remoção do entulho autoritário, foi um processo bastante difícil. Mas eu acho que não se compara ao que enfrentamos hoje, que é muito mais complexo e se instaura dentro das contradições do processo democrático, justamente para questioná-lo e colocá-lo em crise”, crê Eleonora.
Mesmo diante das dificuldades, os professores seguem sendo sinônimo de esperança e de resistência.

ATAQUES EM SÉRIE

1º/1/2019
Em seu discurso de posse no Congresso Nacional, Bolsonaro diz que foi eleito por aqueles que desejam “preparar seus filhos para o mercado de trabalho, e não para a militância política” e destaca que, entre os objetivos de seu governo na área de Educação, vai “combater a ideologia de gênero e as amarras ideológicas”.

13/3/2019
Governo publica decreto extinguindo 21 mil cargos, funções comissionadas e gratificações no Serviço Público Federal. O decreto teve como alvo prioritário as universidades federais, que perderam 13.710 das 21 mil vagas eliminadas (65% do total), entre cargos de direção, coordenação de cursos e gratificações de professores.

30/4/2019
O ministro da Educação, Abraham Weintraub, corta verbas de três universidades federais — UnB, UFF e UFBA — com a seguinte alegação: “Universidades que, em vez de procurar melhorar o desempenho acadêmico, estiverem fazendo balbúrdia, terão verbas reduzidas”.

11/6/2019
Em sua primeira intervenção na escolha de dirigentes de instituições federais de ensino superior, o governo Bolsonaro nomeia uma reitora pró-tempore para a Universidade Federal da Grande Dourados, em Mato Grosso do Sul, em desrespeito ao reitor escolhido em consulta prévia à comunidade acadêmica. Segundo o Andes/SN, até junho deste ano, 23 instituições haviam sofrido intervenção na escolha de reitores.

22/11/2019
Em entrevista ao Jornal da Cidade, o ministro Abraham Weintraub diz que as universidades são “madraças de doutrinação” e têm “plantações extensivas de maconha”. Diz ainda que os laboratórios de química se dedicam à produção “de droga sintética, de metanfetamina”.

17/9/2020
Em live nas redes sociais, em plena pandemia, Bolsonaro desqualifica os profissionais de ensino, afirmando que eles “ficam em casa e não trabalham” e que pretendem “que a garotada não aprenda mais coisas, não volte a se instruir”. Ataca, ainda, os sindicatos da categoria, por exigirem condições sanitárias adequadas para o retorno às aulas presenciais.

24/9/2020
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro da Educação, o pastor Milton Ribeiro, afirma que “hoje ser professor é ter quase uma declaração de que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa”.

29/1/2021
A pedido do presidente da República, a Polícia Federal abre inquérito para apurar supostos crimes contra a honra de Bolsonaro por causa de outdoors com críticas ao governo durante a pandemia. O principal alvo da investigação é a professora Erika Suruagy, então presidente da Aduferpe, uma das entidades que promoveram a campanha de outdoors “Inimigo da educação e do povo”.

2/3/2021
O ex-reitor da UFPel, Pedro Hallal, e o pró-reitor de Extensão e Cultura da universidade, Eraldo Pinheiro, assinam termo de ajustamento de conduta (TAC) após críticas a Bolsonaro em uma live e pressionados por um processo disciplinar aberto contra ambos pela CGU. Hallal, que é epidemiologista, é um dos principais críticos às posturas negacionistas de Bolsonaro durante a pandemia.

9/8/2021
Em entrevista à TV Brasil, o ministro Milton Ribeiro diz que “universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil à sociedade” e que acredita que as “verdadeiras vedetes do futuro sejam os institutos federais, capazes de formar técnicos”.

22/11/2021
Ao criticar pressão da oposição contra a PEC dos Precatórios, Bolsonaro ataca os professores, falando a apoiadores no cercadinho do Palácio da Alvorada: “Olha só o que a esquerda faz. ‘Ah, ele não quer pagar a dívida da professorinha de 20 anos atrás’. É verdade que é o dinheiro da professorinha de 20 anos atrás. Por que o Lula não pagou?”.

16/5/2022
O Observatório do Conhecimento divulga o Balanço Anual do Orçamento do Conhecimento 2021, mostrando que as perdas acumuladas com cortes de verbas de universidades e das áreas de Pesquisa, Ciência e Tecnologia chegaram a R$ 83 bilhões no período 2015-2021. Segundo o estudo, com os recursos previstos na Lei de Orçamento Anual (LOA) para 2022, o total de perdas pode chegar a R$ 100 bilhões.

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