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Alexandre Medeiros e Lucas Abreu

 

Tão atacada e menosprezada pelo governo Bolsonaro, a carreira docente foi o tema central de duas mesas de debates promovidas pela AdUFRJ na sexta-feira passada (27), no Palácio Universitário, no campus da Praia Vermelha, com a participação de professores de várias instituições federais de ensino de todo o país. O mote para o ciclo de debates — intitulado Desafios da Carreira Docente — foi o décimo aniversário da Lei nº 12.772, de 28 de dezembro de 2012, que estruturou o Plano de Carreiras e Cargos do Magistério Federal, seus impactos na atividade acadêmica e as transformações por ela impostas, sobretudo no atual governo, em que são nítidos os retrocessos políticos e a perda de direitos dos servidores públicos federais.

As professoras Ana Lúcia Fernandes e Mayra Goulart, diretoras da AdUFRJ, mediaram as mesas que contaram com as participações de Elisa Guaraná (UFRRJ), Luiz Rojo (UFF), Maria Carlotto (UFABC), Mariuza Guimarães (UFMS), Ari Loureiro (UFPA), Andrea Stinghen (UFPR), Eleonora Ziller (UFRJ) e Luís Antonio Pasquetti (UnB). Os dilemas do retorno presencial pós-pandemia, a convivência entre a pesquisa acadêmica e a militância sindical e os desafios para os jovens docentes foram alguns dos temas abordados. “A AdUFRJ está de parabéns por ter nos proporcionado esse momento de reflexão, essa troca de ideias em torno de nossa carreira”, comentou a professora Andréa Stinghen ao final do encontro. Veja a seguir um resumo dos debates.

 

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Elisa Guaraná (UFRRJ)

“A campanha salarial é a ponta do iceberg. Por trás dela está uma discussão sobre o que é a educação pública e qual o papel das instituições de ensino superior”, avaliou a professora Elisa Guaraná, presidente da ADUR, na sua apresentação no ciclo de debates. Ela atribuiu ao movimento sindical um papel fundamental nessa reflexão, já que a trajetória das associações docentes está relacionada com a redemocratização e a luta por outro Estado, que foi defendido na Constituição de 1988. “Nós temos projetos em disputa sobre o Estado brasileiro, e nós fazemos parte dessa disputa”, disse.

Para Elisa, é fundamental ver a história dos ataques à carreira docente desde a redemocratização, e as vitórias conquistadas graças à luta sindical. Com essa avaliação feita, o diálogo com os docentes vai ser mais rico e propositivo, e com potencial maior de mobilização. “A última campanha salarial séria que tivemos foi em 2015, mas tivemos uma greve muito complicada. Parte dos servidores não estava entendendo que ali estava se formando um golpe. Isso resultou em fratura no nosso movimento sindical. Foi uma greve de desmobilização”, avaliou Elisa. Ela conta que, desde então, o Andes anunciou duas campanhas salariais vagas, em 2018 e 2019, que não mobilizaram a categoria. “Precisamos refletir sobre isso”, ponderou Elisa.


Luiz Rojo (UFF)

Como conciliar os compromissos da carreira docente com a atividade sindical? O professor Luiz Rojo, da Universidade Federal Fluminense (UFF) tentou responder a esta pergunta partindo de uma provocação. “Precisamos começar a discutir ensino, pesquisa, extensão e gestão. Porque se defendemos tanto a autonomia universitária, que nossos gestores sejam eleitos por nós, significa que uma parcela razoável da comunidade vai estar ocupada com a gestão”.

A ironia é que, na avaliação de Rojo, o atual momento de cortes no financiamento da pesquisa coincide com a necessidade de um movimento sindical mais ativo. “O risco de não fazer essa articulação entre a carreira profissional e atividade sindical é que, em algum momento, a nossa extensão, pesquisa e autonomia universitárias são impactadas”, avaliou.

Para ele, a mobilização da categoria é uma saída. Quanto maior a participação dos professores no sindicato, mais fácil vai ser fazer a divisão do trabalho. “Temos que buscar reformular as estruturas do movimento sindical para que as pessoas possam entender que elas podem contribuir de alguma forma”, defendeu.


Maria Carlotto (UFABC)

A Universidade Federal do ABC tem apenas 15 anos de criação. Em sua apresentação, a professora Maria Carlotto, ex-presidente da ADUFABC, detalhou o perfil dos jovens docentes da instituição. “São 814 docentes, uma universidade pequena, mas com muitos desafios”, disse. Ela apontou que apenas 2% dos docentes são titulares, número considerado muito baixo.

Com um quadro jovem em uma universidade nova, os desafios para o movimento sindical aumentam. Segundo Maria Carlotto, a ADUFABC, criada em 2011, tem estrutura mínima e precária, que nunca contou com o desconto em folha. “Quando a UFABC surgiu, o governo já não aprovava mais o desconto em folha. E depois do governo Temer isso ficou absolutamente inviabilizado”, contou. Aproximadamente 20% dos docentes são sindicalizados, jovens em sua maioria, e fazem a contribuição de maneira voluntária. “Nunca tivemos a possibilidade de associar sindicalização e benefícios, como plano de saúde, por exemplo, porque isso já estava centralizado no Ministério da Economia. Os associados contribuem por consciência política”, explicou.

A ADUFABC surgiu em um momento em que a expansão do sistema superior de ensino era muito grande. De acordo com a professora, a percepção dos professores da universidade é que havia valorização da carreira, com reposição de salários, concursos e investimento em infraestrutura. “Por conta disso, as nossas pautas e cultura sindicais são muito particulares. Para vocês terem uma ideia, a ADUFABC foi a seção sindical que mais votou, proporcionalmente, na oposição ao grupo político que dirige o Andes”, contou.


Mariuza Guimarães (UFMS)

A professora Mariuza Guimarães, vice-presidente da ADUFMS, explicou como a Lei 12.772, que reestruturou a carreira docente como ela é hoje, impactou a universidade e os professores. “Temos um grupo de docentes muito jovem na universidade, que não conhece os processos vivenciados pela universidade brasileira, é importante termos este debate”, defendeu a professora. “A Lei 12.772 vai fazer um ajustamento aos moldes neoliberais. Então é preciso ter uma discussão com o próximo governo para sanar uma série de questões”, apontou a professora.

Segundo Mariuza, a categoria agora não pode pensar apenas em reajuste, mesmo considerando as perdas salariais, mas também na estrutura da carreira. E listou pontos importantes que devem ser defendidos pelos docentes: a retomada da carreira única docente, a valorização salarial e o incentivo à formação continuada, a reposição das perdas salariais, as mudanças nas estratégias de comunicação com os novos professores. “Nós entramos na universidade para fazer pesquisa, extensão, levar conhecimento para a população. Uma perspectiva política da profissão. Para esses novos docentes, a lógica de estar na universidade é fazer uma carreira, uma coisa voltada para si mesma. Precisamos descobrir como vamos dialogar com esses professores, inclusive para que eles se filiem ao sindicato”, explicou.

 

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Ari Loureiro (UFPA)

A pandemia expôs os dilemas e os limites entre a vida profissional e a vida familiar de docentes de todo o país, e os impactos dessa exposição ainda não foram totalmente mensurados. Esse foi um dos aspectos abordados pelo professor Ari Loureiro, da Universidade Federal do Pará (UFPA), em sua palestra sobre os problemas do retorno presencial pós-pandemia nas instituições federais de ensino superior do país. Segundo ele, um dos aspectos preocupantes observados na UFPA é o aumento do afastamento de docentes por problemas psiquiátricos.

“Durante a pandemia, muitos professores enfrentaram dificuldades de adaptação ao ambiente virtual de trabalho. O próprio acesso às ferramentas tecnológicas de ensino remoto foi problemático, as universidades não estavam preparadas para isso. Foi um processo muito desgastante e que impactou nossa dinâmica familiar também”, observou Loureiro. Para ele, os docentes perderam, durante a pandemia, a necessária separação entre o trabalho e a vida em família. “Não tínhamos mais limites para nossas jornadas de trabalho e isso se confundiu com o tempo dedicado à vida social e familiar. O trabalho invadiu nossa dinâmica pessoal de uma forma que ainda não podemos mensurar”.

Para o professor, com o retorno às atividades presenciais, é necessário um diálogo sobre os efeitos do trabalho docente durante pandemia para que se construam políticas públicas no ensino superior brasileiro que contemplem situações como essa. “Não vejo ainda esse diálogo acontecer com organismos do governo federal, no sentido de construção de um plano de apoio à carreira docente diante de um quadro de pandemia, ou mesmo de ações concretas de reparação de danos que nos foram impostos nesse período”.


Andréa Stinghen (UFPR)

Única debatedora a participar de forma virtual do encontro — foi diagnosticada com covid-19 —, a farmacêutica e bioquímica Andréa Stinghen, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), centrou sua palestra em um problema que vem afligindo docentes de todo o país e que é particularmente sensível na UFRJ: o pagamento dos adicionais de insalubridade. Vice-presidente da Associação dos Professores da UFPR (APUFPR), Andréa disse que a entidade sindical tem conseguido vitórias expressivas na Justiça para garantir o pagamento dos adicionais. Ela falou também sobre os impasses administrativos para as progressões de carreira.

“As universidades têm que entender que o adicional de insalubridade é uma compensação pela falta de condições ideais de trabalho de quem está exposto a agentes nocivos à saúde”, defendeu a professsora. Segundo ela, a APUFPR traçou como estratégia para contrapor a negativa de pagamento dos adicionais na UFPR a contratação de um engenheiro do trabalho para a confecção de laudos próprios. “Esses laudos contestaram os laudos feitos pela universidade e abriram caminho para vitórias na Justiça. Fizemos laudos para mais de 50 professores”, contou Andréa.

Também pela via judicial, a APUFPR conseguiu antecipar a aposentadoria de oito docentes, com a comprovação de que eles tiveram ao menos 25 anos ininterruptos de trabalho insalubre. “É preciso atentar para o fato de que docentes expostos podem antecipar a aposentadoria”, lembrou ela. Andréa ressaltou ainda que a APUFPR obteve ganho de causa na Justiça em uma ação coletiva impetrada para que fossem pagos os adicionais durante a pandemia — a universidade suspendera o pagamento. “É um caminho que outras entidades sindicais devem seguir”, orientou.


Eleonora Ziller (UFRJ)

Ex-presidente da AdUFRJ e professora da Faculdade de Letras, Eleonora Ziller traçou um sólido histórico sobre a evolução da carreira docente e da produção científica no Brasil para evidenciar a falta de um projeto de universidade pública e gratuita por parte do atual governo. “Até em um dos períodos mais duros da ditadura militar, em 1978, as universidades foram expandidas. Dentro de um projeto conservador, sim, mas foram introduzidas mudanças que desenharam a universidade tal como ela é hoje. Mesmo num quadro de ditadura e violência, e por mais que discordássemos dele, o Estado brasileiro tinha um projeto de universidade pública com um papel no desenvolvimento nacional”, recordou Eleonora.

Segundo a professora, o que se viu a partir de 2019 foi um quadro de destruição. “Foi um ataque frontal, e não contra o movimento docente, estudantil ou de servidores, mas sim de desmoralização, de desagregação da vida universitária. O melhor exemplo disso são as intervenções em várias universidades, com a nomeação do segundo ou do terceiro da lista apenas para desorganizar, desestruturar, dificultar o funcionamento da instituição. É um quadro que não tem paralelo na nossa história”, comparou ela.

Eleonora acredita que para retomar o debate da carreira docente é preciso mudar a forma de agir no meio sindical. Ela lembrou que, no final dos anos 1970, na fundação do Andes, não havia contraposição entre o mundo acadêmico e o mundo sindical. E que, ao longo da década de 1980, se construiu uma grande frente em defesa da universidade e da democracia, reunindo reitores, associações de docentes e entidades científicas. “Esse espírito precisa ser retomado. Tem que sentar comos reitores, com a SBPC e construir um consenso sobre a carreira docente, sobre os modos de avaliar a produção científica. É um esforço político consciente que os sindicatos precisam empreender”, concluiu.


Luís Antonio Pasquetti (UnB)

Os caminhos para a aposentadoria dos docentes do ensino superior foram esquadrinhados na palestra do professor Luís Antonio Pasquetti, da Universidade de Brasília (UnB). Ex-presidente da ADUnB, Pasquetti fez um histórico das lutas sindicais e populares desde a conquista da primeira legislação sobre o tema no país, em 26 de março de 1888, com a regulamentação do direito à aposentadoria dos empregados dos Correios do Império, assinada pela princesa Isabel menos de dois meses antes da Lei Áurea.

Pasquetti centrou suas principais observações em torno da criação da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo (Funpresp). Criada em 2012, a fundação tem, em números de abril deste ano, 90 mil participantes ativos, 185 patrocinadores e patrimônio estimado de R$ 5,4 bilhões. O professor explicou detalhadamente como são feitas as contribuições — que são complementares às feitas para o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) —, e as contrapartidas dos órgãos aos quais os servidores são vinculados. E suscitou pontos de reflexão sobre a migração ou adesão à Funpresp.

“É recomendável avaliar com calma a migração, pois o servidor, ao optar por ela, muda as regras da própria aposentadoria, que deixa de ser regida apenas pelo RPPS e passa a ser uma combinação do Regime de Previdência Complementar (RPC) com o RPPS”, alertou Pasquetti. Para ele, essa também é uma questão política, que deve envolver as entidades sindicais. “Temos que garantir o financiamento público das aposentadorias e precisamos de um sindicalismo que tenha capacidade de negociar, articular e mobilizar sua base em defesa dos serviços públicos e contra as políticas neo e ultraliberais”.

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