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WhatsApp Image 2022 04 20 at 15.45.20Ciência: Luta de Mulher enfrenta o desafio de mostrar a diversidade brasileira na produção científica. Para isso, as idealizadoras do projeto atravessaram o país e encontraram personagens que retratam essa virtuosa pluralidade. “Queríamos que o filme refletisse diferentes perfis de trajetórias pregressas”, conta Mayra Goulart, vice-presidente da AdUFRJ e uma das participantes de todas as etapas da produção. A seguir, a professora de Ciência Política da UFRJ detalha a história do documentário que será lançado dia 26, em Brasília, e dia 29, no Rio, às 18h, no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ.

Jornal da AdUFRJ - Como surgiu a ideia do documentário “Ciência: luta de mulher”?
Mayra Goulart - Esta temática já estava no planejamento do Observatório quando eu ingressei na diretoria da AdUFRJ. A proposta já estava presente no calendário das atividades para o mês das mulheres. O calendário foi definido em diálogo com outras entidades que trouxeram propostas para destacar o papel das mulheres na Ciência. Daí surgiu a ideia do documentário.

Na sua avaliação, qual é a importância de jogar luz sobre a presença das mulheres na Ciência?
Eu estudo representação política de mulheres na Câmara dos Deputados, acompanhando as deputadas eleitas em 2018, e mapeando as suas trajetórias prévias e performances atuais no Parlamento. Tenho interesse particular nessa área de representação de mulheres, e a Ciência, assim como a Política, é um campo de histórica sub-representação de mulheres. Outro ponto importante, que conecta minha trajetória pessoal com a concepção do documentário, é a ênfase na ideia de interseccionalidade, uma vez que vem a corroborar uma série de leituras acerca do tema, além das vivências dentro do campo. Faço essa associação a partir de leituras sobre feminismos que reforçam a ideia de que as opressões são interseccionais, ou seja, elas se acumulam, se multiplicam e têm interseções.

E como essa interseccionalidade influenciou a concepção do filme?
Achamos interessante mudar um pouco o enfoque do documentário, porque seria um documentário clássico abordando as carreiras de mulheres cientistas que têm contribuições mais renomadas. Eu quis mudar um pouco esse enfoque para não ser sobre a perspectiva de quem já chegou, mas de quem quer chegar ou de quem pode chegar.

Como assim?
Em vez de ser concebido para premiar ou ressaltar mulheres que são grandes cientistas, mostrando que o sucesso na carreira foi possível para algumas mulheres, o enfoque passa a ser outro: encorajar jovens mulheres que não se veem representadas, necessariamente, nesses grandes exemplos. Daí a ideia de escolher personagens que conseguiram furar as barreiras, transcender os diferentes obstáculos que permeiam esse campo da Ciência, ou seja, a ideia foi mostrar, a partir de trajetórias que refletem esse campo da interseccionalidade das opressões, que os obstáculos são possíveis de serem transpostos. E uma outra questão, paralela a essa, foi mostrar a diversidade de fazeres de mulheres na Ciência, a diversidade de perfis, de fazeres. Ou seja, mulheres diferentes, com perfis diferentes, fazendo coisas diferentes.

E isso estabeleceu os critérios para buscar as personagens para o documentário? Como vocês escolheram as personagens?
Foi a partir do critério da diversidade. Queríamos exatamente isso que eu acabei de te falar: que o filme refletisse diferentes perfis de trajetórias pregressas e diferentes fazeres que podem ser entendidos como Ciência. Foi a partir do critério da diversidade que escolhemos essas quatro mulheres.
E veio daí a ideia de não falar de mulheres cientistas que atuam nas maiores universidades do Brasil, como, por exemplo, a UFRJ, a USP ou a Unicamp?
Exatamente. Foi fazer uma coisa que fugisse desse esquema mais tradicional. Por acreditar que isso já existe. É importantíssimo, não vou tirar o mérito desse discurso, ele é muito importante. Mas já tem bastante. Já tem filme na Netflix sobre Marie Curie, já existe uma série excepcional da Fiocruz sobre o tema. Por isso a proposta de contribuir de modo diferente, encorajando aquelas mulheres que não veem nessas trajetórias consolidadas um lugar de reconhecimento.

E quando você fala que já existe bastante material contando a história de mulheres nessas que são as maiores universidades, significa que a discussão sobre a presença feminina já está mais avançada em lugares como a UFRJ, a USP ou a Unicamp?
De modo algum. É que já existem alguns documentários sobre as mulheres na Ciência que apresentam a proposta de um trabalho muito bom nesse sentido. De falar de grandes mulheres cientistas. Nós sabemos que mulheres podem ser grandes cientistas, então não precisávamos provar isso no filme. Nossa intenção é dialogar com as diversidades. O documentário vem como um incentivo para que as mulheres, em toda a sua diversidade, continuem nessa luta. Queremos atingir um público jovem, esperando que o filme funcione como um incentivo para eles, reconhecendo esses obstáculos e não fazendo vista grossa, e mostrar que é possível ter estratégias de superação. Queremos falar com mulheres que já estão no processo, mas que estão se sentindo desestimuladas a atravessar os obstáculos da vida acadêmica. Por isso o nome “Ciência: luta de mulher”.

Estamos em um cenário de ataque à Ciência e ao seu financiamento. Como este momento político aparece no filme?
Nós procuramos abordar o contexto político de maneira colateral. Ele aparece, mas não é o mote do nosso documentário, exatamente porque a gente acha que esse é um contexto que pode ser superado, e vai ser superado. E nem por isso a vida das mulheres vai se tornar mais fácil, já que os obstáculos que elas encontram para serem reconhecidas como cientistas transcendem o bolsonarismo, o que não significa negar seu caráter intrinsecamente misógino. Não é tanto falar de rupturas, mas da importância da continuidade, de continuar a nossa luta pela Ciência.

E essa é uma das lutas que devem ser travadas por cientistas no Brasil hoje?
Exatamente. É uma das lutas. Vamos ter que disputar dentro do campo com os homens, e vamos ter que disputar fora do campo junto com os homens. São lutas que se sobrepõem.

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