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WhatsApp Image 2022 02 25 at 22.40.47FIORI: “EUROPEUS E OTAN NÃO TÊM FORÇA PARA ENFRENTAR A RÚSSIA NO MOMENTO”

“Depois que uma guerra começa é muito difícil prever até onde irá e quando terminará, a menos que exista um perdedor claro. Neste caso, dependerá muito da velocidade da operação militar russa e, portanto, dos seus objetivos imediatos”, analisa José Luís Fiori, professor titular de Economia Política da UFRJ e observador atento da guerra que, desde terça-feira, atormenta o mundo, ceifa vidas na Ucrânia e desafia os analistas internacionais.

Autor de O Poder Global e a Nova Geopolítica das Nações (Boitempo, 2007), Fiori não acredita que a invasão da Ucrânia detone uma guerra mundial nos moldes clássicos, como as que ocorreram na primeira metade do século XX, mas acha que o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, não seguirá no cargo por muito tempo. “Ele será substituído de qualquer maneira”, diz. “No momento, parece pouco provável uma guerra mundial aberta. Os europeus e a Otan não têm força para enfrentar a Rússia agora. Os Estados Unidos estão muito divididos e fragilizados pela sua recente humilhação militar no Afeganistão, e pelo fracasso político de suas intervenções militares para mudar os governos ou regimes da Líbia, do Iraque, da Síria, do Iêmen, e do próprio Afeganistão”.

Fiori ressalta que, para entender as raízes do conflito, é importante recuperar a relação umbilical e histórica entre Rússia e Ucrânia. “A história da Rússia começa em Kiev por volta de 800 D.C., e nestes longos séculos o território atual da Ucrânia pertenceu a vários países e finalmente à Rússia e à URSS no século XX”, lembra o docente, detalhando em seguida o momento em que a Ucrânia conquista a independência. “Na verdade, a Ucrânia só se transforma num estado nacional autônomo em 1991, como parte da “punição” imposta à Rússia depois da derrota soviética na Guerra Fria. Agora os russos estão se propondo a modificar os termos deste “acordo de paz” que lhe foi imposto no inicio dos anos 1990. De certa forma, se poderia dizer que, em termos históricos seculares, o território ucraniano pertenceria mais à Rússia do que o de Taiwan à China”.

Isso significa que Putin queira reincorporar a Ucrânia à Rússia? Fiori responde: “Não creio que a Rússia queira anexar a Ucrânia, mas com certeza querem desmilitarizá-la ou ‘finlandizá-la’, como propôs que fosse feito por Henry Kissinger há uns sete anos”.



WhatsApp Image 2022 02 25 at 22.37.07ZHEBIT: "SOU RUSSO E SOU BRASILEIRO NATURALIZADO. EU ME SINTO TRISTE”

Além de José Luís Fiori, o Jornal da AdUFRJ convidou o professor Alexander Zhebit para interpretar a crise que ocupou o noticiário mundial na última semana. Fundador do curso de Relações Internacionais da UFRJ, Zhebit, de 70 anos, está há quatro décadas no Brasil, e enxerga o conflito no Leste Europeu não apenas com o olhar de pesquisador. Zhebit é russo e, claramente, um defensor da perspectiva russa do confronto. Nascido na cidade de Brest, na Bielorrússia, ele nos concedeu a seguinte entrevista.

- Jornal da AdUFRJ - O senhor é russo. Como foi receber a notícia do começo da guerra?
Alexander Zhebit - Sou russo e sou brasileiro naturalizado. Eu me sinto triste e revoltado com qualquer guerra, que deve ser banida da sociedade.  Esta que começou é a continuação da guerra que já dura mais de oito anos em Donbass. É uma guerra fratricida entre irmãos, porque russos e ucranianos são povos irmãos, ligados étnica, cultural, linguisticamente. Espero que o conflito termine o mais rápido possível, resultando numa solução pacífica e negociada com a participação ampla da comunidade internacional em que as ameaças à segurança de ambos os lados sejam enfrentadas e eliminadas, com base na reconfiguração do sistema de segurança na Europa, deixando o espírito da Guerra Fria e a existência da Otan no passado.

- O senhor acha que a guerra vai escalar a níveis mundiais?
A guerra começa e ninguém sabe como termina. Porém, este conflito não vai evoluir para um conflito mundial, justamente porque a Ucrânia, graças a Deus, ainda não é país-membro da Otan. Portanto, os Estados Unidos e os outros 29 países não poderão intervir. Mas as intenções deste bloco militar remanescente da Guerra Fria estão claras e foram percebidas pela Rússia.

- Qual o objetivo real de Putin? É apenas conter a Otan, mas também retomar, de alguma forma, o poder soviético?  Nesse caso, a guerra real seria para anexar a Ucrânia?
O objetivo da Rússia consiste em proteger a sua segurança, ameaçada pela Otan e pelos Estados Unidos, o líder inquestionável da política antirrussa na Europa e no mundo. Os Estados Unidos declararam a Rússia e a China, na sequência da Nova Guerra Fria, como seus principais adversários. A Otan se expandiu militarmente depois da Guerra Fria, desde 1997, de 16 a 30 países-membros, invadindo a Europa Central e Oriental, assim como declarou a intenção de engolir as repúblicas da antiga União Soviética e chegar às fronteiras da Rússia, com mísseis e armamentos nucleares. Isto representa a maior ameaça à existência da Rússia desde a Segunda Guerra. A Ucrânia se propôs a entrar na Otan depois do golpe de Estado de 2014, que trouxe ao poder um governo nacionalista, radical e antirusso, apoiado por movimentos neonazistas ucranianos, e, sobretudo, pelos Estados Unidos e pela Otan. Assim, ela começou a ser usada como testa de ferro na política de deslocamento e da estrangulação econômica e política da Rússia. Em 2014, devido ao assalto armado pelo governo de Kiev às comunidades russas na Ucrânia, estas regiões tiveram que resistir e proclamar a independência. As repúblicas separatistas foram transformadas em enclaves de genocídio da população russa, deixadas sem alimentos, sem remédios, sem aposentadoria, sem serviços sociais, odiadas pelo governo da Ucrânia porque eram russas que queriam falar a sua língua, manter a sua cultura e ser respeitadas. Você pergunta se a Rússia quer anexar a Ucrânia e restaurar a União Soviética? O messianismo soviético ficou no passado e acabou com a fim da União Soviética. A Rússia não pretende anexar a Ucrânia, porque a Rússia vai cuidando da sua segurança nas condições em que a Ucrânia se candidata a membro da Otan e a Rússia leva a sério a pretensão da Ucrânia de se tornar um país-detentor de armas nucleares, o que o governo ucraniano declarou publicamente.

- Quem é o presidente ucraniano? Qual o peso da ultra-direita nazista em seu governo?
Quanto ao presidente da Ucrânia, diz-se que é um judeu e em tese não pode favorecer grupos nazistas. Seria bom se fosse assim. Mas a realidade demonstra o contrário. O governo dele estabeleceu símbolos, feriados dos partidos e dos líderes nazistas, chamados pudicamente nacionalistas, e que serviam à Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial. A russofobia se desenvolve na Ucrânia porque o peso da ideologia nacional-socialista na política ucraniana é grande. O partido comunista e outros partidos que representam províncias russas foram proibidos na Ucrânia. Aconteceu a lustração do país. A língua russa foi proibida na comunicação social e nas escolas e nas universidades. A etnia russa deixou de fazer parte dos principais povos radicados na Ucrânia, nem é mencionada na legislação respectiva. A perseguição, tortura, humilhação e assassinatos de antigos deputados, de políticos, de servidores, de jornalistas, de simpatizantes do governo russo, de ativistas de direitos humanos, tornaram-se práticas cotidianas, apoiadas pela Justiça do país. O assassinato bárbaro de 47 ativistas antigoverno em Odessa (em maio de 2014), que foram queimados vivos pelos grupos da extrema-direita, continua impune. Os tiroteios que provocaram a morte de mais de cem participantes dos protestos no Maidan em fevereiro de 2014 não tiveram investigação conclusiva. A corrupção continua assolando o país, outrora rico e agora um dos menos desenvolvidos na Europa. É assim que funciona a democracia ucraniana.

- O senhor faz uma avaliação minuciosa do presidente da Ucrânia, do ponto de vista do  desrespeito sistemático aos direitos humanos e à democracia. Mas qual sua avaliação sobre Putin sob essa mesma perspectiva?
A democracia russa é nova e vai evoluindo, se erigindo desde os anos 1980, com a transformação democrática que aconteceu nos anos finais da União Soviética, antes da desintegração, e que se baseia no Estado de Direito, mas é suscetível às influências culturais, religiosas e históricas de um país sofrido por duas Guerras Mundiais, por regimes tanto opressores, como stalinismo, quanto autoritários do período comunista. Ela viveu lições históricas da violência das revoluções, das guerras mundiais e civis, do terrorismo e do separatismo, aprendendo que elas não deveriam se repetir na vida da geração presente e das gerações vindouras.

- Mas o senhor não falou sobre Putin...
Putin é seguidor das tradições russas e das normas internacionais em direitos humanos. Tem sido considerado autoritário no Ocidente, principalmente por sua oposição feroz ao terrorismo, particularmente durante a Guerra da Chechênia, ou então pela suposta perseguição de oponentes políticos, como Navalny, este último um opositor brandido com um apoio ocidental bem amplo.

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