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Por Silvana Sá e Liz Mota Almeida

 

Os setores estratégicos para o desenvolvimento do Brasil passam por um momento dramático de cortes e desmonte de conquistas históricas. A situação da Ciência é WhatsApp Image 2021 08 06 at 21.53.19emblemática, com restrições orçamentárias severas e processos burocráticos kafkianos.

Em 2021, o governo federal liberou menos de um terço da cota de importação de insumos e equipamentos para pesquisa. O patamar histórico é da ordem de US$ 300 milhões, mas só houve aprovação de US$ 93 milhões. Esta cota permite que pesquisadores brasileiros importem materiais necessários às suas investigações livres do imposto, uma economia que pode superar os 60%.

“Em geral, os insumos e equipamentos de ponta vêm de fora porque não são produzidos em território nacional. É uma necessidade real, já que estamos desindustrializados”, aponta o professor Fernando Peregrino, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) e diretor executivo da Fundação Coppetec. “Reduzir a cota em 70% é uma maldade, sobretudo para quem não tem dinheiro. E a pesquisa nacional não tem recursos”, protesta. As fundações ligadas às universidades respondem por até 80% de todas as importações do Brasil para a pesquisa. Noventa delas são afiliadas ao Confies.

A cota para importações, usando a Lei 8010, de 1990, foi esgotada em maio sem conseguir atender à maior parte da demanda. São necessidades diversas: compras de insumos, de equipamentos, peças para reparo e manutenção de máquinas de ponta. “Eu ganhei uma verba de emenda parlamentar para montar um laboratório novo na Coppe, mas a cota de importação já esgotou e eu não consegui nem começar o projeto”, afirma o professor Luciano Menegaldo, do Programa de Engenharia Biomédica da Coppe. “O primeiro passo era fazer a importação dos equipamentos e essas importações estão paradas. São equipamentos mais modernos que vão também atender aos pacientes da pediatria do IPPMG”, conta.

Laboratórios experimentais de diferentes áreas enfrentam problemas. “Estou com um processo de importação parado desde janeiro deste ano. Entramos com outro processo no mês passado e também não temos nenhuma previsão”, relata o professor Angelo Márcio de Souza Gomes, do Laboratório de Baixas Temperaturas, do Instituto de Física. O primeiro processo busca a importação de um porta amostras para medidas magnéticas. O segundo, um equipamento de ponta para o laboratório. “Hoje nós só temos um porta amostras que, se parar, não temos o que fazer. O laboratório fecha”. Os produtos vêm dos Estados Unidos e da China.

Outro obstáculo é a flutuação do dólar. O processo é enviado para análise do CNPq com um orçamento baseado no câmbio daquele momento. Quanto mais lenta é a avaliação e a liberação do processo, mais dinheiro pode ser perdido com o aumento do dólar. “Há casos em que o pesquisador não consegue mais importar, porque o orçamento inicial não dá conta dessa alteração do câmbio. Deixa de ser suficiente”, afirma o professor Angelo. “Além disso, ainda há a questão da prestação de contas do projeto. Se não gastamos o recurso no prazo, precisamos devolver o dinheiro ou pedir extensão do tempo”.

Levantamento realizado pelo Confies em junho deste ano já indicava que apenas cinco fundações filiadas já acumulavam 45 importações paradas por falta de cota. Uma média de nove materiais por fundação. De lá para cá, esse número só cresceu. “Há inúmeros projetos parados por falta de dinheiro. A última notícia que tivemos era de que o (ministro da Ecoonomia) Paulo Guedes liberaria US$ 100 milhões agora e depois outros US$ 107 milhões, perfazendo, assim, o total de US$ 300 milhões”, conta Fernando Peregrino. “Mas, até, agora, nada disso se confirmou”, afirma.

Uma solução seria utilizar os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A comunidade científica se mobilizou para tornar os recursos do fundo incontingenciáveis. O PLC 135/2020 foi aprovado e tornado Lei Complementar 177/2021. O presidente Jair Bolsonaro chegou a vetar artigos para desfigurar a lei, mas o Congresso rejeitou os vetos. “Tudo certo, tudo aprovado, mas Bolsonaro e Paulo Guedes não cumprem a lei. Aqueles que têm uma visão equivocada da economia não sabem o mal que estão fazendo ao país”, analisa Peregrino.

FACADA NO PEITO DOS CIENTISTAS
Denise Freire, pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa, considera que o corte da cota de importação abala também a internacionalização da universidade. “Temos muitos projetos internacionais, contamos com a tecnologia importada. Quando se corta isso, agrega-se um valor a mais para os projetos que a gente não pode honrar. Isso afeta os projetos acadêmicos, de mestrado e doutorado, mas também projetos com a indústria”, pontua a dirigente. “Vários projetos inovadores, como por exemplo, a nossa vacina, estão ameaçados. É uma facada no peito de que a gente não precisava”.

Os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Economia foram procurados pela reportagem. O MCTI não retornou às tentativas de contato. Já o Ministério da Economia informou, por sua assessoria, que não iria comentar nem sobre o corte da cota de importação, nem se Paulo Guedes vai mesmo liberar os US$ 100 milhões prometidos.

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