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WEB menor 1125 p3Foto: Arquivo Biblioteca NacionalCidades vazias, pessoas nas ruas com medo de uma doença respiratória que subitamente tomou o planeta, milhares de mortos. A descrição poderia ser atual, mas é de 1918, quando a gripe espanhola se tornou uma pandemia, a primeira e mais mortal do século XX. O mundo hoje é muito diferente, mas existe espaço para comparar as reações e os efeitos da crise gerada pela influenza no Brasil em 1918 com o cenário que o país atravessa hoje.
A gripe espanhola chegou ao Brasil em setembro de 1918, em um navio inglês que aportou em Recife, Salvador e Rio de Janeiro, cidades que junto com São Paulo foram as mais afetadas pela doença. “Naquela época a circulação de pessoas era muito menor, o que manteve a doença restrita aos principais centros no primeiro momento”, explicou Stefan Cunha Ujvari, infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, e autor do livro “Pandemias - a humanidade em risco”. “No Rio de Janeiro, que tinha 1 milhão de habitantes, morreram por volta de 15 mil pessoas, 1,5% da população”, contou.
O vírus, do tipo H1N1, muito comum em aves, fez sua primeira vítima no estado norte-americano do Kansas, onde havia bases militares. Os soldados infectados levaram a doença para as trincheiras da Primeira Guerra, onde ela se espalhou. As estimativas são de que a gripe espanhola matou entre 20 milhões e 50 milhões de pessoas no mundo todo.WEB menor 1125 p3aFoto: Arquivo Biblioteca Nacional
No Brasil foram aproximadamente 35 mil mortos entre os meses de setembro e novembro de 1918. “No Brasil a doença teve um ciclo de 6 semanas”, contou Ujvari. “Provavelmente houve subnotificação de casos, mas acredita-se que em cidades como Rio de Janeiro e São Paulo 76% da população ficou doente”, afirmou. Isso explicaria o período curto da epidemia no Brasil. “A duração bate com a nossa expectativa de que as pessoas foram ficando imunes à gripe, então o vírus não encontrou mais gente suscetível”, o que quer dizer que atingimos a chamada imunidade de rebanho. Mas o médico ressalta que, dado o número de mortes,  foi “um preço altíssimo”.
Um dos fatores que acelerou o contágio foi a ignorância a respeito da doença. Com pouca informação, o governo e a sociedade não se prepararam para o pior. “Quando a doença chegou ao Rio que viram que ela tinha alastramento e letalidade enormes”, contou o médico. O que seguiu daí foram cenas terríveis. O precário serviço de saúde colapsou, e hospitais não davam conta de atender pacientes, os carros funerários não conseguiam recolher os mortos, e os cemitérios começaram a enterrar as pessoas em valas coletivas. “A quarentena foi muito mais uma consequência do que uma ação para evitar o contágio. O número de pessoas doentes era tamanho que as ruas começaram a ficar vazias, e quem não estava doente passou a ficar em casa com medo”.
WEB menor 1125 p3bFoto: Arquivo Biblioteca NacionalE qual foi o papel do poder público durante a pandemia? A professora Dilene Raimundo do Nascimento, do programa de pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Fiocruz explica que a primeira reação do governo foi não agir. “Eu diria que toda epidemia tem uma primeira fase de negação”, explicou. “O diretor geral de Saúde Pública, Carlos Seidl, tratava a doença como uma gripe comum”. Quando a pandemia começou a empilhar corpos pelas ruas, Seidl foi exonerado e o novo diretor geral, Theóphilo Torres, convidou o médico sanitarista Carlos Chagas, que  era diretor do Instituto Oswaldo Cruz (hoje a Fiocruz), para liderar os esforços contra gripe espanhola.
Chagas abriu hospitais de campanha no Rio e em São Paulo, fechou as escolas, proibiu eventos com aglomerações de pessoas e criou 27 postos de atendimento nas estações de trem do subúrbio do Rio de Janeiro, região mais afetada da cidade. “Naquela época não existia um equipamento público de saúde, só a Santa Casa, o São Sebastião e o Hospital de Jurujuba”, explicou. “Os esforços necessários para combater a gripe espanhola, e a comoção que ela causou nas pessoas, ajudaram a criar, em 1920, a Diretoria Nacional de Saúde” (o Ministério da Saúde seria criado apenas em 1930). “Hoje nós temos o SUS, e há quem ataque o sistema e lute pelo seu fim”, criticou. “Corremos o risco de repetirmos uma situação grave como a de 1918, porque existe uma chamada para romper com o isolamento”.
A historiadora e professora da UFRJ Marialva Barbosa destaca também o papel da imprensa durante a crise. “Com Chagas os jornais começam a publicar na primeira página os protocolos de cuidado, como lavar as mãos, não visitar outras pessoas e se alimentar bem”. Ela ressalta ainda que no debate público da época não houve tanto espaço para o falso dilema entre preservar vidas ou a economia. “Talvez estivéssemos em outro momento civilizatório. Hoje em dia o outro não importa muito, porque estamos muito envolvidos na individualidade, no consumismo e no próprio lucro, o que nos levou a uma insensibilidade que existe essa dicotomia”.

 

Carlos Chagas
Figura decisiva no combate à pandemia da gripe espanhola, Carlos Chagas é um dos maiores nomes da medicina brasileira. Médico sanitarista, infectologista e pesquisador, formou-se na Faculdade de Medicina (hoje parte da UFRJ) e foi aluno de Oswaldo Cruz no Instituto Soroterápico Federal, atual Fiocruz. Oswaldo Cruz morreu um ano antes da gripe espanhola, mas desde cedo despertou no aluno a paixão pela saúde pública. As pesquisas de Chagas sobre a malária e a descoberta da enfermidade que mais tarde ganhou seu nome - doença de chagas - o colocam entre os mais importantes pesquisadores da sua época no mundo. Seus dois filhos, Evandro e Carlos seguiram carreira na medicina e destacaram-se nos seus campos de pesquisa. Carlos Chagas Filho criou o Instituto de Biofísica da UFRJ, que hoje leva o seu nome.

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