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WhatsApp Image 2024 07 01 at 17.28.25 9Foto: Alessandro CostaEm 13 de maio de 1976, um jovem argentino chegou ao bloco G do Centro de Ciências da Saúde com apenas 57 dólares no bolso. Fugia da ditadura recém-implantada no país natal e buscava emprego no Instituto de Biofísica (IBCCF). Conseguiu. Quarenta e oito anos depois, dirigentes, colegas e ex-alunos se reuniram para reverenciar a vida e a obra do hoje professor emérito Adalberto Ramon Vieyra, em um lotado auditório do mesmo bloco.
A solenidade, realizada na quarta-feira (26), comemorou os 80 anos do homenageado, completados três dias antes. “Inegavelmente, um exemplo para todos nós. Quem conhece o professor sabe da sua dedicação, da sua competência, do seu compromisso”, afirmou o reitor Roberto Medronho. O dirigente contou que Adalberto comparecia à universidade mesmo durante os tempos mais agudos da pandemia de coronavírus. “Embora estivéssemos em isolamento social, o professor vinha aqui diariamente, saindo às nove ou dez horas da noite”.
Estar a serviço da Ciência todos os dias é uma característica da trajetória do mestre. Com uma extensa e ainda ativa produção acadêmica — a última atualização do currículo Lattes aconteceu no dia 11 de junho —, Adalberto formou gerações de pesquisadores.
Entre eles, o atual presidente da Faperj, professor Jerson Lima. “Há 45 anos, conheci o professor Adalberto, como aluno. Nunca faltei a uma aula dele. Entendi logo que esse era um mestre a seguir”, disse. Jerson também chamou atenção para o poder de convencimento do homenageado, que o levou para a agência de fomento à pesquisa no estado. “É como um anjo que vai, silenciosamente, influenciando. Ir para a Faperj abriu minha visão para outros saberes. Nada disso teria acontecido se não fosse o Adalberto”, completou.
A professora Tatiana Sampaio, do Instituto de Ciências Biomédicas, foi a primeira aluna a defender o doutorado sob orientação de Adalberto. “Eu lembro que, no meu primeiro dia no laboratório, com 18 anos, já tinha o protocolo pronto na bancada, com a letra lindíssima que ele tem. E que ficou ao meu lado para me explicar como as coisas seriam feitas”, disse.
Durante a solenidade, não foram poucas as brincadeiras dos ex-discípulos sobre o lado exigente do professor. Havia cobrança, mas muito carinho também. “Sempre foi uma pessoa muito acolhedora, mas o fundamental era que dava muita segurança para a gente: dizia que você pode arriscar, que você pode fazer mais do que você pensa que é capaz e que vai dar certo. Mas vai precisar trabalhar duro pra isso”, contou Tatiana.
Tinha tanta confiança nos estudantes a ponto de passar cheque em branco para eles. Literalmente. Ex-aluno do curso de Ciências Biológicas (modalidade médica) e diretor da AdUFRJ, o professor Rodrigo Nunes da Fonseca contou uma passagem do período em que Adalberto dirigiu o Instituto de Ciências Biomédicas (1998 a 2007). “Foi quando criamos a Semana de Biomedicina. O professor Adalberto nos proporcionou isso”, afirmou Rodrigo, hoje atuando no NUPEM-Macaé. Mas para um destes eventos, que teria um convidado importante da USP, estava faltando um datashow. “Ele nos deu um cheque em branco. Disse que, se a gente não conseguisse emprestado, era para alugar”.
Enquanto os colegas celebravam a oportunidade de desfrutar a orientação do mestre por alguns anos, a professora Claudia Dick, da Biofísica, ganhou o privilégio desta influência desde a infância. Adalberto era amigo de seu pai e se tornou seu padrinho. “Essa convivência foi essencial. Aquela menina pobre foi bastante estimulada para estudar. Recebia muitos livros. Antes de qualquer passeio para cinema ou museu, a gente tinha que passar primeiro no laboratório, todo sábado”, disse. “O amor do professor Adalberto pela Ciência e, principalmente, pela universidade foi contagiante para mim”.

CAPES
Um amor que não cabe apenas na UFRJ. O mestre coordenou a área de Ciências Biológicas II junto à Capes de 2005 a 2011 e de 2014 a 2018. “De forma sintética, posso afirmar que suas contribuições fizeram das Ciências Biológicas II uma das áreas mais pujantes da Capes. Uma área aberta ao novo”, elogiou a professora Débora Foguel, titular do Instituto de Bioquímica Médica.
Foguel citou a criação de dois programas multicêntricos que existem no sistema nacional de pós-graduação. “Talvez uma das melhores, quiçá a melhor forma, de se construir programas de pós-graduação em rede e solidários que se tem conhecimento”. A professora também destacou a valorização de iniciativas dos programas de pós junto à educação básica e a extrema preocupação do mestre com a integridade e ética na pesquisa.

DESPRENDIMENTO
Além de resultados científicos, o emérito sempre cultivou amizades. Na parte final da homenagem, o professor José Roberto Meyer, titular do IBqM, comoveu o auditório ao contar uma história de véspera de carnaval, de muitos anos atrás. A única televisão da casa havia quebrado e sua mãe e sua avó perderiam o tão aguardado desfile das escolas de samba.
Na sexta-feira antes do carnaval, Adalberto lhe deu a costumeira carona, mas não parou na Leopoldina como sempre fazia. “Eu morava na Tijuca. Mas fomos até a casa dele, em Copacabana. Pegou a única televisão que tinha em casa, botou dentro do fusquinha dele, me levou até a Tijuca e disse ‘agora elas vão assistir ao desfile das escolas de samba’”, encerrou, emocionado.
Este desprendimento apareceu de novo quando o próprio Adalberto fez uma breve apresentação de sua biografia. Não citou sequer uma vez os prêmios recebidos ou algum trabalho científico de sua autoria. Pelo contrário, valorizou as conexões criadas ao longo de 50 anos de vida acadêmica, a começar pelo saudoso professor Leopoldo de Meis — a primeira pessoa que conheceu na UFRJ —, que dá nome ao Instituto de Bioquímica Médica.
O compromisso de uma vida inteira resumiu no slide final da apresentação. Na imagem, segurava a faixa durante um ato na praça Mauá, antes da pandemia. “Nós manifestamos, com força, a convicção de que um país sem ciência e tecnologia é um país sem futuro”, concluiu, sob aplausos.
Ao final das homenagens, questionado se teria mais algo a dizer, Adalberto, muito simples, limitou-se a falar: “Muito obrigado, amigos”.
Nós que agradecemos, professor.

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