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WhatsApp Image 2021 03 19 at 17.25.572Giuliana Franco Leal
Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Campus Macaé)

 

Cinco horas da manhã de uma segunda-feira normal de outubro de 2020. Minha jornada de trabalho profissional começa cedo e termina tarde. No meio dela, tem um longo turno de trabalho não remunerado, em que faço comida, limpo a casa e cuido dos meus filhos. Hoje preciso terminar o parecer de um artigo antes que as crianças acordem, o prazo está no fim. Sem creche, sem rede de apoio, o jeito é torcer para que elas durmam até o parecer estar pronto. Não foi desta vez. Bom dia, meninos, vamos tomar café da manhã?

Enquanto assistem ao desenho, termino de escrever.  Entre limpar um bumbum e separar uma briga de irmãos, preparo slides para a aula da tarde e também o almoço. Pelo whtasapp, vejo as últimas atualizações de um grupo de muitas mães e alguns pais professores da UFRJ. Discute-se como conciliar trabalho docente e cuidados com filhos ou com familiares doentes, idosos ou com deficiências. A universidade precisa estar atenta para que essas diferenças entre seus servidores não se transformem em desigualdades; o sindicato também.  

Depois de almoçar, lavar a louça e escovar várias fileiras de dentes, sento com as crianças no chão para montar quebra-cabeças. Enquanto inventamos histórias de piratas, esqueço por um tempo os milhares de mortos da pandemia. Depois do banho nas crianças, as deixo com o pai. Começa meu turno dedicado exclusivamente ao trabalho profissional. Preparo o material de apoio da aula e paro para ler notícias. Desanimadoras. Não vou nem comentá-las na aula. Com os alunos, discuto problemas sociais e seus reflexos na área profissional deles e os incito a pensar alternativas. Muitas câmeras fechadas, mensagens no chat, alguns se arriscam no microfone. Conversamos sobre como ser profissionais melhores. Ao fim da aula, uma aluna diz que a quarentena está difícil, mas que nossa aula de segunda-feira tem sido um dos alívios. Sorrio. O dia ainda vai longe, mas já trouxe algumas alegrias no meio do caos. Estamos sobrevivendo, estamos na luta.

WhatsApp Image 2021 03 19 at 17.25.571Elaine Sobral da Costa
Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG)

 

Desde março de 2020 eu vinha trabalhando como voluntária no Centro de Triagem Diagnóstica de covid-19 da UFRJ, o CTD ou Bloco N. Foi uma experiência dura, alguns dias coletando swabs de 8h às 16h sem beber água, sem ir ao banheiro, sem comer. Ao mesmo tempo, foi incrível porque trabalhei lado a lado com os nossos alunos e outros docentes, sob o comando da professora Terezinha Marta, assistindo a profissionais de saúde e segurança de todo o Rio de Janeiro.

Até o final de julho, fiquei separada de meu filho e de meu marido. Só via meu filho no quintal. Em agosto, deixei o CTD, tive minha família reunida e começava a nova etapa de aulas online. Eu coordeno a disciplina Clínica Pediátrica II, junto com a professora Fernanda Mariz, no 8º período de graduação em Medicina. Tivemos que nos virar para aprender a manejar as ferramentas, e a dar suporte para outros professores que atuam na disciplina. Anteriormente à pandemia, eu vinha colocando material bibliográfico, questões e casos clínicos no AVA (Ambiente Virtual de Aprendizagem). Mas daí a ter o curso inteiro virtual, foi um grande salto.

Os alunos voltaram com muita garra para aprender. Houve uma clara perda, porque as atividades práticas só voltaram para os internos. A nossa disciplina perdeu as práticas ao vivo. Houve também ganhos que eu não imaginava. Nós deixamos as aulas teóricas gravadas, para serem assistidas em casa em qualquer momento, e utilizamos o horário dessas aulas para discussão de casos clínicos. Essas discussões foram riquíssimas. Fizemos também algumas atividades integradas com mais de um professor de diferentes áreas. Em todo esse tempo eu segui trabalhando presencialmente no Instituto de Pediatria, o IPPMG, ou Ipepê como a gente gosta de chamar. Tinha uma certa correria, às vezes entrava online ainda de máscara, tensa se a internet estaria funcionando, às vezes corria para casa para poder entrar com uma rede mais estável. Tudo isso sem o olho no olho, ou até sem a voz dos alunos, que usam muito o chat para se comunicar. E por ora seguimos assim...

WhatsApp Image 2021 03 19 at 17.25.562Alberto Pucheu
Faculdade de Letras

 

Março de 2020 inauguraria bons acontecimentos. Começaria um pós-doutorado para concluir o livro de minha pesquisa. Eu também comprara passagens para participar do lançamento do livro de Carlos de Assumpção, por mim organizado, e assistir à estreia da peça Na Boca do Vulcão, da Companhia Polifônica, que encenaria meu poema “Para que poetas em tempos de terrorismos?”. Havia, ainda, sido convidado para a Feira Panamazônica de Literatura, que homenagearia Vicente Cecim, sobre quem eu fizera um filme. Estenderia a viagem para filmar Márcia Kambeba, Elizeu Braga e outros poetas amazônicos.

Subitamente, tomamos consciência da devastação da pandemia estimulada pelo governo que nos assola. Tudo foi cancelado, menos o pós-doutorado. Dediquei-me a concluir o livro Espantografias: entre poesia, filosofia e política e a resgatar um poema escrito na semana anterior ao segundo turno de 2018, para estendê-lo, acompanhando o que acontecia. Publicado em 2020 no livro vidas rasteiras (Ed. Cult), “Poema para a catástrofe do nosso tempo”, terminado em 11 de maio de 2020, abre com os versos de 2018, que prenunciava o que viria:


Amanhã não será um dia melhor
do que hoje, que não é um dia
melhor do que ontem. Há um
sentimento fúnebre no ar,
de quem tem vivenciado
uma morte após a outra,
de quem tem vivenciado,
antecipadamente, mais uma
morte, a última delas, a morte
após a própria morte, a morte
da qual não se tem retorno,
a morte da qual os mortos
não voltam dela para a vida,
a morte a que apenas os vivos
se encaminham para ela
sem jamais poder voltar,
a morte da qual não se tem
poemas para se fazer,
não a morte simbólica,
mas a outra, a real,
a experiência final da morte
em vida, da qual sobrevivemos,
se tanto, ainda que neste mundo,
enquanto fantasmas desossados,
descarnados, desfigurados,
que berram na tentativa de evitar
a morte e de evitar, a todo custo,
a morte em vida. Berramos em vão.
Não assustamos mais ninguém
com nossos berros. São eles, antes,
os inassustáveis, que no
s assustam.
[...]

 

 

WhatsApp Image 2021 03 19 at 17.25.57Andrea Da Poian
Instituto de Bioquímica Médica (IBqM)

 

Vou optar por abordar duas experiências positivas durante esse ano de pandemia: minhas atuações na pesquisa e no Prof Bio, um mestrado profissional. Vou começar pela pesquisa porque tem a ver com a covid-19. Fui chamada, no início da pandemia, para participar de um estudo internacional sobre a estrutura das proteínas do Sars-CoV-2. E foi um desafio voltar ao laboratório em segurança para fazer parte desse consórcio internacional, estudando uma das proteínas que participa do processo de replicação do coronavírus. Convidei duas alunas minhas de doutorado para participar do projeto. Nesse mesmo momento, o IBqM criou um grupo de trabalho para discutir nossas ações em várias frentes e uma delas foi estabelecer protocolos de segurança para o trabalho nos laboratórios. No início era um grupo pequeno. Mas, gradualmente, outros alunos foram voltando também. Temos uma escala que permite no máximo oito pessoas por dia, e ainda assim em horários alternados. Nosso trabalho é muito experimental, tem que ser feito no laboratório.

Não ficamos imobilizados na pandemia, as pesquisas não pararam. Como reflexo daquele consórcio internacional, desenvolvemos um ensaio próprio, aprovado em setembro no Comitê de Ética, usando a proteína que estávamos estudando para fazer a testagem de todo o IBqM. Fizemos uma primeira coleta de todo mundo, levantando um panorama de quem teve ou não contato com o vírus. E estamos na segunda fase, testando todos de novo para ver se alguém teve contato com o vírus nesse meio-tempo. Com isso a gente mede quantos assintomáticos existem, quantos tiveram sintomas, vai atrás dos contactantes de quem testou positivo para ver a cadeia de transmissão. E, no caso dos positivos, estamos observando a duração das respostas do organismo ao longo do tempo, se os anticorpos diminuem ou se mantêm, se outros tipos de anticorpos surgem. São 250 pessoas envolvidas nesse ensaio. Agora, com os primeiros vacinados, estamos vendo também a resposta à vacina. Os dados do ensaio podem gerar em breve um artigo científico. Isso é animador.

Outra experiência positiva foi o mestrado profissional em ensino de Biologia. Ele é feito em rede nacional, englobando 20 instituições, e é destinado a professores de Biologia do Ensino Médio da rede pública. E eu tive de adaptar uma das disciplinas, que eu coordeno, que engloba a parte molecular. A ideia é mostrar aos professores das escolas como foram construídos os conceitos básicos da Biologia, para que eles dominem esses conceitos e possam aprimorar a forma como são dadas as aulas em suas turmas. Nós conseguimos transformar o roteiro original do mestrado, onde há muitas atividades em laboratório, para um modelo que pudesse ser eficiente remotamente. E, incrivelmente, deu muito certo, com participação maciça e aulas muito legais. Foi uma experiência altamente produtiva.

WhatsApp Image 2021 03 19 at 17.25.561JOSÉ ROBERTO LAPA E SILVA
Faculdade de Medicina

 

A pandemia pegou a todos nós de forma radical, nos forçando a adaptações difíceis. Ainda mais para quem, como eu, é da velha guarda. Tenho 45 anos de docência. Em março de 2020, eu completei com minha turma de faculdade 52 anos de entrada na UFRJ. Meu forte hoje é a pós-graduação e a pesquisa. Mas sempre fui ativo, e sou até hoje, na graduação. E é sobre ela que vou falar. Passar do ensino presencial para o remoto foi como trocar o pneu com o carro em movimento. Entrei em isolamento no dia 12 de março, fiquei apenas uma ou duas semanas com minha turma de graduação de forma presencial. Vim com minha esposa para uma casa de praia que temos em Barra de São João (RJ), onde estamos até hoje.

A atividade de graduação no ensino da Medicina é fortemente tutorial. Sou docente de uma disciplina do sexto período, Medicina Interna 2, em que os alunos rodam pela minha especialidade, que é a Pneumologia. Ela tem que ser cara a cara, beira de leito. A parte prática é a mais importante para o treinamento dos alunos. Ela é dada na enfermaria, junto ao paciente e ao staff médico, e minha função é dar o suporte acadêmico aos alunos, ensinando a colher uma história, a fazer um exame físico, discutindo os exames, propondo a conduta para cada caso. Em tempos normais, pelo menos duas vezes por semana eu estou na enfermaria com eles. Sempre fui de sala de aula e beira de leito. Mas, sem esse contato direto, o que fizemos? Criamos um grupo de WhatsApp e passamos a conversar também via Discord, uma plataforma digital que funciona muito bem por celular, por sugestão dos próprios alunos. E uma vez por semana, entre março e junho, fizemos sessões de discussão sobre casos clínicos de várias áreas. Foi uma atividade possível sem contato com o paciente e na qual os alunos puderam aprofundar alguns conteúdos importantes, como a arquitetura das entrevistas e a natureza das doenças. Foi muito produtivo, até do ponto de vista emocional, para que os alunos não ficassem desmotivados.

Já a partir de julho, os alunos de internato, nos dois últimos anos do curso, onde as aulas são basicamente práticas, voltaram a ter atividades presenciais. E eles tinham que estar na linha de frente naquele momento, que era o pior da pandemia até então. É impossível ensinar Medicina só virtualmente. Se eles não estiverem na beira do leito, não vão aprender. Não é uma questão meramente cognitiva ou intelectual. É um treinamento emocional pelo qual eles precisam passar para exercer a profissão. Para mim, isso se traduz em uma angústia profunda. Com o cenário que temos hoje da pandemia, eu não tenho a menor ideia de quando é que vamos poder voltar de fato às aulas presenciais. E isso é extremamente angustiante, sobretudo para os alunos que estão sendo diretamente impactados pela ausência da prática.

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