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ENTREVISTA I Edson Mello, diretor do Instituto de Geociências da UFRJ
No último dia 12, o governo publicou um decreto presidencial alterando as regras para construção em regiões de cavernas. O novo texto fragilizava a política de preservação das formações naturais e revogava a proibição de que as cavernas que tenham o grau de relevância máximo sofram impactos negativos irreversíveis. Esta semana, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu parte do decreto. Para entender os impactos que a decisão de Bolsonaro pode ter para a sociedade, o Jornal da AdUFRJ conversou com o professor Edson Mello, diretor do Instituto de Geociências da UFRJ.
Mello trabalhou no Ministério de Minas e Energia entre 2008 e 2016, nos cargos de coordenador-geral de Economia Mineral, até 2009, e diretor de Desenvolvimento Sustentável na Mineração, entre 2010 e 2016. Para ele, o decreto presidencial foi um retrocesso nas políticas de preservação das cavernas e na discussão sobre exploração sustentável dos espaços que elas ocupam. “Quando saí do ministério, essa discussão estava posta. Ela não progrediu e Bolsonaro jogou tudo fora”, disse.
Na conversa, o professor explicou a importância das cavernas, propôs um debate sobre o modelo de mineração que o país precisa — debate mais que oportuno depois do estado de insegurança criado em Minas Gerais com as chuvas em dezembro e janeiro, e na semana em que o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho completou três anos — e defendeu o papel da regulação na mineração.
Jornal da AdUFRJ — Qual é a importância da preservação de cavernas?
Edson Mello — Em um primeiro momento, você não tem como dizer se em uma cavidade existem artefatos. Mas se nessas cavidades tiverem inscrições rupestres ou utensílios, mostrando que elas podem ter sido habitadas, temporariamente habitadas ou não habitadas, mas que foram um local onde temporariamente os primitivos fizeram as suas inscrições, há um valor cultural ali. Esse é um ponto. Há uma outra questão que os biólogos advogam, e aí já não é mais a questão do fator cultural, mas sim o bioma relacionado às cavernas. Há animais e algumas espécies vegetais que vivem só nesse ambiente. Então, do ponto de vista biológico, há a necessidade de preservação dessa fauna e flora. Essa é uma polêmica que bate de frente com os interesses das mineradoras. Eu trabalhei nessa questão quando estive lá na no Ministério de Minas e Energia. Foi naquela ocasião, em 2013, que esse assunto estava em pauta.
Como essa questão conflita com os interesses das mineradoras?
Eu vou te responder com dados de uma apresentação feita pela própria Vale, em 2013. De um total de 16,032 milhões de toneladas em reservas minerais da empresa, 13,618 milhões estão restritas por cavidades ou bloqueios ambientais. Entendeu o tamanho da preocupação deles? Temos dois lados: um que vai dizer taxativamente que deve ser preservado: e o setor produtivo, que questiona se, face aos interesses econômicos, é relevante que se preserve isso ou aquilo. Quando falamos de cavidades em minério de ferro — porque o que impacta as mineradoras são as cavidades em minério de ferro —, elas podem não ser como aquelas cavernas clássicas que conhecemos, salões enormes com estalagmites e estalactites. As cavidades em minério de ferro são menores. Algumas são até razoavelmente grandes, mas é comum você encontrar pequenas cavidades. E mesmo essas menores estavam protegidas. E esse era o ponto que as mineradoras colocavam, que era preciso distinguir o que pode e o que não pode, o que deve ser preservado e que pode não ser preservado. Esse é o embate. E há uma defesa, que é legítima, sobre a importância das cavidades. O decreto que protege as cavernas é de 1990, era ele que estava em discussão naquela época.
E como a mineração pode ser sustentável?
Em tese, podemos dizer que a mineração, por definição, é insustentável. Entretanto, a sociedade não vive sem recurso mineral, ela necessita dele para tudo. A questão passa a ser como nós vamos fazer a extração e o uso do material. O que está posto na mesa é uma discussão que diz, de um lado, “esse modelo de desenvolvimento onde a financeirização está à frente de qualquer coisa, é assim que deve ser a mineração”; e, do outro, diz “temos que fazer a mineração, ou retirar aquilo que de fato nós precisamos?”. Nós estamos tirando ferro para atender o mercado externo. Existe uma lógica financeira do capitalismo que governa isso.
Então havia um debate sobre mineração sustentável dentro do governo?
Sim. E não era uma discussão fácil dentro do próprio governo. Especificamente na questão das cavidades, havia realmente um embate interno muito duro. Havia até propostas interessantes, uma rotina de critérios que foi estabelecida que pontuava o grau de relevância dessas cavidades. Havia o embate entre os ambientalistas e as mineradoras, e aí é que residia a nossa questão, ser o fiel da balança da sustentabilidade. Era uma questão de calibrar os critérios, é aí que estava a questão, essa calibragem. Eu saí no momento em que essa discussão estava posta e eu não vi o resultado. O que eu sei é que ela não progrediu, e estamos vendo agora o que Bolsonaro está fazendo. Ele simplesmente jogou tudo fora e falou “acabou, não tem conversa, vai ser assim, está tudo liberado”. Eu sou totalmente contrário à liberação. Isso que está posto aí é uma imoralidade.
Então o caminho é aprimorar a regulamentação e a fiscalização?
Sem dúvida. Nós não damos bola para alguns instrumentos que existem, como o projeto de fechamento de minas por exemplo. É um projeto que todo empreendimento mineiro deveria ter. Ele diz quando e como vai começar, o que vai acontecer durante as operações, como vai terminar e o que ele precisa fazer em todo esse processo em termos de impactos de diversas formas, ambientais e econômicos. E esse projeto necessariamente tem que ser construído com as partes interessadas. Agora mesmo, no norte de Minas Gerais, empresas chinesas estão se instalando aparentemente sem um projeto de fechamento de minas, em uma região de ferro de baixo teor. O que eles deveriam fazer é informar à comunidade o que pretendem fazer durante o processo, os impactos que serão gerados e que medidas são necessárias para minimizar riscos.
E o papel do governo seria fiscalizar e cobrar que essas empreses apresentassem projetos de fechamento?
Sim, sem dúvida. O Estado não pode ser omisso, ele tem um papel extremamente relevante. Ele tem que estar vigilante quanto ao bioma, ao ecossistema, aos impactos socioeconômicos e à questão da produção. Mas os governos tendem a se alinhar ao poder econômico.
Até os anos 1990, a mineração era um indutor da economia e controlada pelo Estado. Isso muda com as privatizações daquela década. Ficou mais difícil fazer a regulamentação da mineração com a entrada dos agentes privados? Seria mais fácil regular e fiscalizar se as empresas de mineração fossem controladas pelo governo?
Você vai encontrar defensores árduos dos dois lados dessa discussão. Há quem diga que se você tiver a grande mineração controlada pelo Estado, você, em tese, teria também como controlar o processo produtivo, já que a fiscalização ficaria dentro do governo. Mas se uma empresa estatal for conduzida como uma empresa privada, eu acho que não teremos essa garantia. Nós temos hoje órgãos de comando e controle que são do Estado. Ibama, ICMBio, Agência Nacional de Mineração, Agência Nacional de Águas, Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais. Mas quem são os dirigentes que são postos lá? Eles entram de acordo com os matizes dos governos, respondem a um alinhamento com aquele governo. Hoje temos um governo como esse que está aí. Ele vai colocar em cada agência dessas um diretor que é alinhado com a sua visão. O que eu quero dizer é que você pode instrumentalizar essas agências de modo tal que elas estejam respondendo às orientações de um governo. Ora, as empresas estatais seriam diferentes? Não. Se a Vale hoje estivesse sob o comando do Bolsonaro, ele estaria com a faca, o queijo e tudo o mais na mão.
Um sorteio público marcado para a próxima sexta-feira (dia 4), no auditório do Centro de Tecnologia, vai entrar para a história dos concursos docentes da UFRJ. Pela primeira vez, a universidade vai aplicar as regras aprovadas no Consuni em 2020 para efetivar as cotas para negros (20%) e para pessoas com deficiência (mínimo de 5% e máximo de 20%).
No edital, com publicação prevista para março, serão oferecidas 49 vagas para diferentes unidades, para o Centro Multidisciplinar de Macaé e para o campus Caxias. Sobre este total, o sorteio vai definir as 13 que serão destinadas às políticas afirmativas — 10 para candidatos negros e três para candidatos com deficiência. “Preciso publicar o edital já informando quais são as vagas destinadas às cotas”, explica o pró-reitor de Pessoal, professor Alexandre Brasil.
Até agora, as cotas praticamente não eram aplicadas em concursos para professores da UFRJ. Criada em 2014, a lei que reserva vagas aos negros em concursos públicos prescreve que a ação afirmativa só existe onde há disputa por três vagas ou mais. No caso das pessoas com deficiência, a jurisprudência aponta a obrigatoriedade da cota em concursos com cinco vagas ou mais. Mas, na UFRJ, o cálculo era feito por cada local — e raramente uma unidade oferecia mais de três oportunidades por edital. A partir de agora, o cálculo passa a ser feito sobre o número total de vagas.
Na resolução que criou as novas regras, o Consuni também definiu que as unidades e departamentos que apresentarem a menor proporção destes grupos terão prioridade nas cotas. Mas o levantamento, sob responsabilidade da pró-reitoria de Pessoal, ainda não está pronto. A expectativa é concluir a tarefa ainda em 2022, informa Alexandre Brasil. Enquanto isso, será realizado o sorteio, alternativa também prevista pelo Conselho Universitário.
Em um cenário de restrição fiscal, o pró-reitor explica que o edital será de reposição, seguindo o chamado “banco de professores equivalentes”. O dispositivo permite às universidades federais certa autonomia para fazer concursos em caso de vacâncias — ou seja, quando há aposentadorias, exonerações e falecimentos. “O governo vedou vagas novas”, afirma Alexandre.
O Instituto de Matemática será o local com mais vagas no concurso (seis), seguido do Centro Multidisciplinar de Macaé, da Escola Politécnica e da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis (cinco). Outras 14 unidades e o campus Caxias são contemplados (veja quadro). A maior parte da distribuição segue as diretrizes apontadas pela última Comissão Temporária de Alocação de Vagas (Cotav), de 2019, e aprovadas no Consuni. “Com este edital, a gente zera a Cotav de 2019”, completa o pró-reitor de Pessoal. Além de 36 vagas referentes à Cotav anterior, o edital contém oito vagas republicadas de concursos anteriores não concluídos, três redistribuições (quando um docente vai para outra universidade) e duas vagas da reserva técnica da reitoria.
INSTITUTO DE COMPUTAÇÃO RECEBE TRÊS VAGAS
Criado no final de 2020, o Instituto de Computação é contemplado com três vagas neste próximo concurso. Vice-diretora pro tempore, a professora Carla Delgado explica como cada uma delas é importante para a unidade. “É o momento que o instituto está se consolidando. Precisamos de gente”, diz. “E também é uma oportunidade para quem entrar em um local em construção e quer deixar sua marca”, completa.
Reitora da UFRJ, a professora Denise Pires de Carvalho também destaca as vagas destinadas ao instituto. “É fundamental fortalecermos e renovarmos o corpo docente deste importante instituto, que é responsável por curso pioneiro de graduação nesta área do conhecimento. Pretende-se que haja avanços também na área de extensão e pós-graduação”, observa.
Para se desenvolver, o instituto também vai precisar de mais técnicos-administrativos. Hoje, somente um está vinculado diretamente à unidade. A vice-diretora está na expectativa de receber novos funcionários no próximo concurso. “Atualmente, a gente ainda usa a secretaria acadêmica do Instituto de Matemática”, exemplifica. Além das 49 vagas docentes, a UFRJ vai oferecer 102 vagas de nível médio e 91 vagas de nível superior. Todas também vão passar pela primeira etapa, de sorteio público, para aplicação das cotas.
Diretoria da AdUFRJ“Não basta as pessoas entrarem no ensino superior. Elas têm que entrar e sair”. A avaliação é do professor Flávio Carvalhaes, do IFCS, coorientador de um estudo inédito sobre evasão estudantil na UFRJ, tema de nossa matéria de capa, na página 4. De acordo com o estudo, feito pela doutoranda em Educação pela UFRJ Melina Klitzke, de todos os estudantes que ingressaram na graduação da UFRJ no início de 2014, 32% abandonaram o curso até o quinto período. Feito com os dados mais recentes disponíveis — ainda não há dados consolidados do período da pandemia —, o estudo registra o problema e já há na UFRJ alguns debates importantes sobre o tema, como a adoção de um sistema de reconhecimento e valorização da atividade de ensinar nos cursos de graduação e a necessidade de revisão dos conteúdos curriculares.
Se quase um terço dos estudantes que entram na UFRJ abandonam a universidade sem completar seus cursos, há um robusto percentual que espera, ansioso, pelo retorno às atividades presenciais. Mesmo com o avanço exponencial da variante ômicron, a reitoria da UFRJ, com base em parecer do GT Coronavírus, recomendou esta semana a retomada presencial das atividades de 2021.2, que haviam sido suspensas. Estudantes de fora do estado do Rio de Janeiro, que retornaram às suas casas no ensino remoto, vivem a expectativa — e a incerteza — dessa retomada. Esse complexo contexto, que mobiliza toda a comunidade acadêmica, é o tema de nossa matéria da página 5.
E por falar em mobilização, os professores da UFRJ têm um encontro marcado no dia 11 de fevereiro, às 9h30: a primeira assembleia da AdUFRJ de 2022 (veja quadro abaixo). Ela dará o pontapé inicial nas discussões sobre a conjuntura nacional, com enfrentamentos que vão desde a luta contra a reforma administrativa e a mobilização por reajustes dos servidores públicos federais. A assembleia vai também eleger a delegação da AdUFRJ ao 40º Congresso do Andes, que terá como tema “A vida acima dos lucros: Andes-SN 40 anos de luta”, e será realizado entre os dias 27 de março e 1º de abril, em Porto Alegre, de forma presencial e cercado de todos os cuidados sanitários contra a covid-19. Certamente um dos temas da assembleia e do congresso será o orçamento 2022, sancionado por Bolsonaro — adivinhe? — com novos cortes nas áreas de Ciência e Educação. Veja mais informações em nossa matéria da página 3.
O projeto de destruição de Bolsonaro segue seu curso nefasto em todas as áreas. Em entrevista na página 8, o diretor do Instituto de Geociências da UFRJ, Edson Mello, mostra o que está por trás do decreto presidencial que alterou as regras para contruções em regiões de cavernas. Interesses de grandes mineradoras, riscos a santuários únicos de fauna e flora, desprezo ao valor cultural de registros de povos ancestrais, tudo isso está em jogo. Mesmo com a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, de derrubar parte do decreto, o perigo continua. Já na página 7, o professor Diego Malagueta, do Instituto Politécnico do Centro Multidisciplinar UFRJ-Macaé, mostra como é possível reduzir a conta de luz aderindo a uma das modalidades de geração de energia solar disponíveis no mercado.
Em termos de destruição, marca do (des)governo Bolsonaro, a Capes é uma das instituições federais mais atacadas. Após a recente renúncia de vários coordenadores de área, com críticas e pleitos não respondidos pela direção da entidade, o Conselho Superior da Capes aprovou na última semana os nomes de cinco novos coordenadores. Eles serão responsáveis pela Avaliação Quadrienal 2017-2020, com divulgação de resultados suspensa pela Justiça. A escolha, contudo, não encerra a crise em um dos órgãos mais nevrálgicos para o ensino universitário do país: não se sabe o que será da Avaliação Quadrienal, fundamental para a aferição de qualidade dos cursos de pós-graduação no país. Confira na matéria da página 6.
Também na página 6, uma boa notícia. No concurso que será aberto com 242 vagas — sendo 49 para docentes —, a UFRJ vai aplicar, pela primeira vez, as regras aprovadas no Consuni em 2020 para efetivar as cotas para negros (20%) e para pessoas com deficiência (mínimo de 5% e máximo de 20%). Os editais estão previstos para março. Com isso, as políticas afirmativas entram para valer como critérios de acesso de novos professores e servidores na UFRJ. Em meio a tanto retrocesso, é um avanço a ser comemorado.
Boa leitura!
A UFRJ vai retomar na próxima segunda-feira (31) as atividades presenciais de 2021.2 que estavam em curso no começo de janeiro e foram interrompidas, ou transferidas para o remoto, em função do aumento de casos causado pela variante ômicron. A recomendaçao foi anunciada por meio de nota publicada pela reitoria, e confirmada pelo vice-reitor, professor Carlos Frederico Leão Rocha, ao Jornal da AdUFRJ. O encerramento das atividades de 2021.2 está previsto para março.
“A reitoria vai recomendar o retorno e vai retomar a programação para a volta das aulas presenciais no próximo semestre letivo, em abril”, explicou o vice-reitor. A decisão parece controversa, em um momento em que a taxa de transmissão da covid-19 na cidade do Rio de Janeiro chega a 2,61, segundo dados do Covídimetro, instrumento elaborado pelo GT Coronavírus para monitorar os índices da pandemia e orientar as decisões da reitoria. “Na conversa que tivemos com o GT, eles nos mostraram que a taxa de letalidade da doença para pessoas entre 19 e 59 anos foi zero em dezembro e janeiro”, explicou o professor. Os servidores com mais de 60 anos estão liberados por uma resolução do Consuni para continuar em atividade remota.
Carlos Frederico defendeu a interrupção feita em janeiro, e afirmou que a universidade está caminhando no sentido de retomar todas as atividades presenciais, desde que não haja nenhuma mudança significativa no cenário epidemiológico. “O passo atrás dado em janeiro foi diante de um risco, e diante do risco nós sempre vamos poder recuar. Com a informação que tínhamos na época, tomamos a decisão de preservar a comunidade”, explicou o professor, que ainda reiterou que a comprovação do esquema vacinal completo continua sendo obrigatória para quem acessar a universidade.
Em entrevista ao Conexão UFRJ, o professor da Coppe Guilherme Horta Travassos, vice-coordenador do GT Coronavírus, explicou que é preciso observar outros índices além da taxa de transmissão, como a ocupação hospitalar, o número de casos por 100 mil habitantes e a cobertura vacinal. “Diferentes indicadores podem e devem ser utilizados para avaliar a evolução da pandemia e, com eles, apoiar uma tomada de decisão baseada em evidência”.
Esta semana, o Covidímetro foi objeto de polêmica. Com a divulgação da alta taxa de transmissão aferida pelo instrumento, a imprensa noticiou que a UFRJ recomendava a adoção de lockdown na cidade. O GT se manifestou por meio da assessoria da universidade, esclarecendo que não foi feita a recomendação de lockdown. “Não existe recomendação imediata de lockdown por parte da universidade. Há consenso, entretanto, de que, quando o “R” está muito alto (acima de 2 – atualmente o índice é 2,6), medidas são necessárias visando à redução da taxa de transmissão do coronavírus: usar máscaras, evitar aglomerações, higienizar as mãos e ter o esquema vacinal completo, por exemplo”, dizia um trecho da nota.
IDAS E VINDAS PREJUDICAM ESTUDANTES QUE MORAM EM OUTROS ESTADOS
No fim do ano passado, com a recomendação do retorno facultativo de algumas atividades presenciais na UFRJ, Ana Raquel Rodrigues, que é natural de Manaus e estudante do Bacharelado em Física Médica, tomou a decisão de aderir ao retorno e se inscreveu em um laboratório que seria ministrado presencialmente. “Eu moro no Amazonas e vir para o Rio é atravessar o Brasil inteiro, então é muito complicado. É um custo alto: teve viagem, teve o aluguel, tive que consertar a mala”, conta a estudante. No início deste mês, a reitoria recomendou a suspensão das atividades presenciais, e Ana Raquel está cursando a disciplina remotamente, mas agora instalada no Rio de Janeiro: “Eu voltei exclusivamente por causa dessa matéria, que eu pensei que seria presencial, mas acabou que voltaram atrás e suspenderam. Fiquei até um pouco chateada mesmo entendendo a situação, que a pandemia ainda não acabou e os casos começaram a crescer de novo. Enfim, todo esse agravamento me prejudicou”.
Ludmila Rancan é estudante de Jornalismo e veio de Guarulhos (SP) para o Rio no final do ano passado. Ela não chegou a se inscrever em atividades presenciais da universidade, mas voltou para se preparar caso as aulas retornem. “Eu acabei ficando desempregada no meio da pandemia e para eu voltar ao Rio para estudar, no semestre que vai começar em abril deste ano, eu necessariamente precisava de um estágio. E consegui”, conta ela. “Ainda estou me organizando aqui no Rio de Janeiro. Desde que eu voltei, estou na casa de um amigo”.
O pró-reitor de Políticas Estudantis (PR-7), Roberto Vieira, explica que há um programa de retorno ao Rio para os moradores da Residência Estudantil: “Bancamos as despesas de retorno para a casa deles em outras cidades e estados e, quando eles retornarem, se quiserem fazer uma disciplina presencialmente, vamos custear o retorno deles para a residência se eles aderirem ao programa”. Ele também conta que esse é um número menor de estudantes, já que a maioria optou por permanecer no Rio, na Residência Estudantil. “Certamente vamos ter estudantes com vulnerabilidade socioeconômica que não aderiram ao auxílio, alguns podem ter dificuldades de voltar. Se isso acontecer, pode ser que um ou outro entre com pedido de auxílio”, completa. (Estela Magalhães)
NO TABULEIRO Os doutorandos Daniela Rodrigues e Pedro Henrique jogam o ScreenerÉ por meio do Screener que o professor François Noël, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-UFRJ), leciona para seus doutorandos da pós-graduação em Farmacologia e Química Medicinal sobre a descoberta de novos fármacos. Produto de um time multidisciplinar da UFRJ, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e pela Fiocruz, o Screener é um jogo de tabuleiro chancelado pela Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental (SBFTE). Seu objetivo é facilitar o aprendizado do complexo processo de desenvolvimento de novos fármacos. A ideia veio de um antigo jogo de tabuleiro, recebido por François de uma colega australiana.
“É um guia de aula”, descreve o professor Geraldo Xexéo, coordenador do Laboratório de Ludologia, Engenharia e Simulação (Ludes) da Coppe-UFRJ e desenvolvedor do Screener. Depois de ordenar rigidamente as etapas, o jogo foi elaborado para garantir ao aluno autonomia no aprendizado e engajamento nas aulas. Todas as cartas de tarefa, por exemplo, contam com um QR Code que possibilita o acesso a informações complementares. “Essa foi a grande sacada de ter descoberto o Xexéo dentro da Coppe”, brinca o professor François, que organizou todo o conteúdo técnico do jogo. “Tirar a necessidade de um professor para comentar todas as etapas do processo”.
Desenvolvido durante a pandemia e lançado no Congresso da SBFTE, em 17 de novembro passado, o Screener levou um ano e meio para ficar pronto. “Deu tempo de amadurecer os detalhes”, defende François. Cada um desses detalhes foi pensado para agregar significado e conhecimento aos alunos. Não há lacunas para interpretações erradas, já que sua construção “não pôde ter licença poética”, segundo Xexéo. A meta é levar o jogo para além dos muros da UFRJ: 45 caixas serão doadas para programas nacionais de pós-graduação em Farmacologia e áreas afins que demonstraram interesse.
MULTIDISCIPLINARIEDADE
O Screener é produto de esforço multidisciplinar da UFRJ. Trabalharam nele três unidades: a Coppe, o Instituto de Ciências Biomédicas e a Escola de Belas Artes (EBA). Para o professor Geraldo Xexéo, isso representa uma integração horizontal e vertical da universidade. “Temos nós, professores, temos alunos de doutorado, mestrado e da graduação. Quando nos sentamos pra conversar, um fica ensinando ao outro”, conta, orgulhoso. “Isso mostra que a UFRJ pode fazer coisas em conjunto, cada um com seu conhecimento”.
A pluralidade se reflete no jogo. “Homem branco vemos em todos os lugares”, explica Aimêe Mothé, autora de todas as artes do Screener. Foi ela quem idealizou as características dos personagens nas cartas de poder. “Eu queria fazer pessoas diferentes, com etnias diferentes, para mostrar diversidade”, frisa a estudante de Comunicação Visual, que pensou em dar protagonismo a mulheres e a pessoas não brancas. “Na carta de espionagem, eu queria fugir do padrão de homem TI (técnico em informática), e na do investidor coloquei um homem negro”, exemplifica.
“Não estamos forçando a barra. As mulheres que estão no jogo são Prêmio Nobel”, reconhece o professor François, apontando para as cientistas Gertrude Belle Elion e Youyou Tu, ilustradas nas cédulas. Elion e Tu contam com um pequeno resumo de suas pesquisas e conquistas no livro-guia do Screener. Bioquímica norte-americana, Elion conquistou o Nobel de Medicina de 1988 pelo desenvolvimento de medicamentos para doenças como a gota e a leucemia. Já a farmacóloga chinesa Youyou Tu foi agraciada com o Nobel de Medicina de 2015 por seu trabalho no combate à malária.
Para além da pluralidade de seus personagens, o jogo busca também acessibilidade para seus jogadores. “Nada se apoia somente nas cores. Criei símbolos, grafismos e desenhos em cada carta para facilitar a identificação”, comenta Aimêe, que pensou nos possíveis jogadores com daltonismo. “A paleta de cores também é tratada para resolver a maioria dos problemas de uma pessoa daltônica”, conclui o professor Geraldo Xexéo.
AS EXPERIÊNCIAS DE QUEM JOGOU
“Perdi feio, feio. Fui a que mais perdi”, brinca a doutoranda Daniela Rodrigues, uma das alunas que participou de um jogo-teste, ainda em preto e branco, realizado em maio do ano passado. Depois da aferição da temperatura, munidos de máscara e face shield, seis estudantes sentaram em círculo para jogar o Screener. “É uma forma gostosa de assimilar conhecimento. Não é porque você perde que você deixa de ganhar pela experiência”, completa. A doutoranda já vinha de um curso da Fiocruz de Pesquisa Clínica e garante que a nova dinâmica fez diferença: “Alguns dos conhecimentos que adquiri nesse curso foram reforçados pela disciplina”.
“Surpreendente” foi a palavra escolhida pelo estudante Pedro Henrique para resumir a experiência em sala. Ele conta que estranhou no começo a ideia de ter um jogo de tabuleiro como parte da disciplina. “Não imaginava porém que um jogo educativo pudesse se tornar, em pouco tempo, tão competitivo e divertido”, reconhece. Pedro, que é a favor de métodos “alternativos” para aprendizagem, relata que aprendeu muito com o jogo e com seus colegas de classe. As lacunas eram preenchidas pelo professor e pelos QR codes das cartas. E se para ser o ganhador era necessário coletar mais cartas de tarefas, Pedro conclui: “Consegui os dois”, brinca.
OS PRÓXIMOS PASSOS
E se o conhecimento de desenvolvimento de novos fármacos saísse das salas da pós? Bom, o DiscoveriX pode ser a resposta. “Ele não é um jogo com o mesmo nível de profundidade do Screener”, salienta o professor François. Os professores explicam que o DiscoveriX, diferente do Screener, além de ser digital, teria uma linguagem mais simplificada, porque tem o público infanto-juvenil e pessoas leigas como alvo.
“Seriam as mesmas quantidades de etapas do jogo de tabuleiro”, observa o professor Xexéo. Ele explica que é difícil transformar um jogo educacional em um jogo de ação. “Não podemos correr o risco de, quando simplificar, algo ficar errado”, alerta. Ele conta que a animação para a continuidade do projeto veio após os debates das vacinas. “Tornou-se importante mostrar como essas pesquisas são feitas”, explica o professor da Coppe. O DiscoveriX está programado para sair em outubro desse ano, no Congresso SBGames.
Jogo de tabuleiro: até 6 jogadores
Mapa do Processo: indica quais são as sete etapas que compõem as fases do processo, que se iniciam a partir da eficiência do fármaco e terminam com a sua segurança. São 29 fases, representadas em cartas de tarefas, e duas cartas da FDA (Food And Drug Administration).
Cartas FDA/Início: São duas. Marcam a posição inicial dos jogadores. A carta FDA-IND (Investigational New Drug Application) deve ser buscada quando a última carta de tarefa da etapa 4 for comprada. A carta da FDA-NDA (New Drug Application) deve ser buscada quando a última carta de tarefa da etapa 7 for comprada.
Cartas de tarefa: São 29. Apresentam quatro cores e ícones diferentes: vermelho (segurança); azul (farmacocinética); amarelo (desenvolvimento farmacêutico); verde (eficácia). Indicam a tarefa que foi concluída e a qual etapa pertence no processo. Apresentam QR Code.
Carta de Bônus/Revés: São 58. Descrevem evento que ocorreu na etapa do processo. Indicam qual consequência o evento apresenta no jogo. São retiradas toda vez que o jogador tira o número 6 no dado.
Cartas de poder: São seis. Distribuídas de forma aleatória e sigilosa no início do jogo, uma por jogador. Podem ser usadas uma única vez. Os personagens são: Investidor, Espionagem Industrial, Advocacia-Patentes, Cientista excepcional, Rede de Contatos e Marketing.
Cédulas (ISBEF): Usadas para comprar as cartas de tarefas e indicar o ganhador, num possível empate. Estampadas por quatro grandes nomes da farmacologia: Sérgio Henrique Ferreira, Gertrude Belle Elion, Youyou Tu e Paul Ehrlich.
Chatons de acrílico: Indicam o número total de cartas adquiridas. São recebidos um por vez, quando um jogador adquire uma carta de tarefa. Fator determinante para indicar o ganhador.
COMO JOGAR:
Distribua as cartas de tarefas no tabuleiro com o verso para cima. O jogo começa na etapa 1. Lance o dado e ande a quantidade determinada, na vertical ou horizontal. Compre a carta determinada ou, caso não tenha dinheiro, fique uma rodada parado. Se parar numa carta de tarefa que não seja da vez, receber dinheiro do banco, como um investimento. Discuta a carta comprada com os jogadores e o professor.
Passe a vez para o próximo jogador.
Objetivo: ter o novo medicamento aprovado pela agência reguladora (Food and Drug Administration-FDA).
Para isso, ganhará o jogador que coletar mais cartas (de tarefa e/ou FDA) ou, em caso de empate, o jogador que tiver mais dinheiro. Fonte: Manual de Regras, Screener