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WhatsApp Image 2023 10 20 at 19.47.06Alexandre Medeiros e Ana Beatriz Magno

Michel Gherman, 48 anos, é um humanista contundente. Defende a paz no Oriente Médio com argumentos afiados que vão muito além de lugares comuns e imagens comoventes. Esperançoso, ele acredita que os conflitos chegaram a um limite de barbárie que podem obrigar o planeta a reconfigurar o tabuleiro político mundial. “Nunca estivemos tão longe e tão perto da paz”, diz o professor de Sociologia do IFCS e da Universidade de Jerusalém.
Filho de mãe libanesa, Michel viveu em Israel mais de dez anos e chama Gaza de prisão. “Gaza é uma prisão a céu aberto, que tem como carcereiro o Hamas”, define o docente, insone desde 7 de outubro, quando os ataques terroristas do Hamas mataram mais de mil pessoas em Israel e desencadearam uma ofensiva desumana do exército de Benjamin Netanyahu.
“Bibi Netanyahu e Hamas são produtores de uma dança macabra. Eles são a garantia absoluta de que não haverá Estado Palestino, não haverá a paz e nem haverá um acordo. Eles dançaram juntos durante 14 anos, produzindo aqui e ali bombardeios e mortes calculados de lado a lado. Agora o Hamas pisou no pé do Netanyahu e fez a música desafinar”, analisa o professor que, além de conviver com a dor de perder amigos em Israel e na Palestina, enfrenta também a intolerância da extrema direita bolsonarista.
O último ataque odioso ocorreu na PUC, na terça-feira, durante um debate sobre a guerra. A violência foi tamanha que Michel se retirou da reunião sob os gritos e urros de bolsonaristas que o xingavam de antissemita. “Sou mais judeu que tudo. Tenho vínculo religioso com o judaísmo. Sou mais judeu que flamenguista, mais judeu que carioca. Só não sou mais judeu que professor”.

Jornal da AdUFRJ: Por que o senhor decidiu se retirar do debate na PUC?
Michel Gherman: Porque percebi um simulacro, uma mimetização da academia. Um debate supostamente aberto, onde todos podem falar, perguntar, responder. A direita chama isso de apresentação do contraditório, que é um termo que tem sua origem na polícia. Não há contraditório na universidade, há reflexão. Contraditório é quando há duas versões sobre um fato e você tem que apurar qual é a verdadeira. Mas isso se faz na delegacia, não na universidade. Na verdade, eu fui ao debate numa perspectiva mimetizada de universidade, mas que na verdade reproduzia a dimensão da delegacia. Havia lá alunos pró-palestinos que não gostaram de minha apresentação inicial e não me atacaram por isso. Fizeram até perguntas que eu tentei responder e não me deixaram sequer responder. Quem fez isso foram alunos de extrema direita que chegaram lá com a tarefa clara de não escutar. Quando eu percebi que não tinha mais com quem falar e que o objetivo lá era produzir uma manchete para bolsonaristas, me transformando num apoiador do Hamas, eu levantei e fui embora. Foi uma tentativa de criminalização dos professores.

Benjamin Netanyahu é uma referência dessa extrema direita e o Hamas pode ser uma referência no campo oposto, sustentando um ao outro?
Eu os chamo de produtores de uma dança macabra. Eles são a garantia absoluta de que não haverá Estado Palestino, não haverá a paz e nem haverá um acordo. Eles dançaram juntos durante 14 anos, produzindo aqui e ali bombardeios e mortes calculados de lado a lado. Agora o Hamas pisou no pé do Netanyahu e fez a música desafinar. Essa dança quer silenciar os setores mais progressistas de lado a lado. “Bibi” Netanyahu quase matou a esquerda israelense e o Hamas, com a ajuda de Netanyahu, desqualificou a Autoridade Nacional Palestina (ANP).

O senhor vê perspectiva de convivência, de encontro entre esses dois campos, cada um com seu lugar?
A experiência que eu tenho me leva a crer na possibilidade de encontro, de superposição de identidades. Sou judeu filho de uma mãe que nasceu no Líbano, a língua árabe não me é estranha. A história do sofrimento palestino lembra a da minha mãe no Líbano. Eu acredito profundamente na coexistência. Quando a existência está garantida, é possível falar em coexistência. Enquanto tiver ocupação dos territórios palestinos por Israel, não tem existência garantida para os palestinos. Se não tiver garantia da existência de um grupo específico, a coexistência é balela. Pego um carro e vou a Ramala, na Cisjordânia, visitar amigos. Mas eles não podem ir até Jerusalém me visitar. A primeira etapa para essa coexistência é a garantia de liberdade e de dignidade para aqueles que estão sob ocupação militar.

Dos territórios ocupados, a pior situação é a da Faixa de Gaza. Como o senhor a descreveria?
Gaza é uma prisão a céu aberto, que tem como carcereiro o Hamas. O Hamas funcionou como carcereiro de Netanyahu durante 14 anos. Está havendo neste momento um deslocamento compulsório da população de Gaza em direção ao sul, e isso é um crime de guerra. Pode ser que isso seja de fato uma tentativa de esvaziamento populacional do norte de Gaza e de reocupação do território por Israel, o que é uma tragédia. O Egito já avisou que não vai receber esses refugiados, alegando que esse é um problema que tem que ser resolvido por Israel e pela Palestina. O presidente egípcio sugeriu abrir um espaço no Deserto de Negev, ao lado de Gaza, para abrigar os civis palestinos em fuga.WhatsApp Image 2023 10 20 at 19.47.08 2

Diante desse cenário, o senhor vê a possibilidade de acordo?
A solução não pode ser militar, tem que ser política. Não é com ataques militares que o Hamas vai sair do poder. O nível de barbárie do ataque terrorista que o Hamas produziu dentro de Israel tira do Hamas qualquer legitimidade política dentro dessa região. Mas há possibilidade de acordos com outros atores, como a Autoridade Nacional Palestina. Há caminhos como a Iniciativa de Genebra, produzida pela esquerda israelense e pela esquerda palestina, que prevê um programa completo com três etapas: a saída dos territórios, com troca eventual de territórios se for preciso, a construção de um Estado Palestino ao lado de Israel e o reconhecimento mútuo das nacionalidades e das tragédias coletivas de parte a parte. Isso tudo é possível.

Mesmo com a extrema direita no poder em Israel e a expansão das colônias?
Hoje, 86% dos israelenses são a favor da saída de Netanyahu e 56% são a favor da saída dele durante a guerra. A percepção que se tem é que “Bibi” é um cachorro morto, um cadáver político. Esse governo de Israel deu espaço de expansão para a utopia reacionária de uma extrema direita pró-colonos que estabelece atitudes como a de concretar nascentes de água em algumas regiões para expulsar as pessoas e avançar com as colônias. Não é uma política pública, mas tem o consentimento do governo. É que vemos na Cisjordânia. Há violência deliberada contra palestinos dentro de cidades palestinas, com os chamados pogroms, feitos por colonos. Uma das consequências dessa violência é a percepção de que os lugares sagrados muçulmanos e as aldeias palestinas estão sob risco pelos extremistas judeus. Há a percepção de que há uma guerra religiosa em andamento. E essa guerra produz reações. O Hamas usou essa narrativa em Gaza para mobilizar a população. E não há colonos em Gaza. Mas isso só reforça minha percepção de que esse governo de Israel é muito prejudicial não só à imagem de Israel no mundo, mas para a paz na região.

Outros países teriam interesse em uma mudança de cenário na região?
É tudo muito complexo. Há um projeto alternativo de hegemonia na região que envolve o Hezbollah, o Hamas e o Irã, que tem interesse na guerra. E há outro projeto mais amplo que envolve a normalização das relações de Israel com Arábia Saudita e avanços de negociação com a China. E não necessariamente esses projetos são contraditórios. O Irã e a Arábia Saudita têm feito aproximações, chegaram a ter troca de representação diplomática. É uma fase de mudança nas peças do tabuleiro político internacional. Estamos no meio das trevas no Oriente Médio, mas se podem produzir alternativas concretas de hegemonia na região.

Que alternativas seriam essas?
Se você exclui o Hamas, e essa é a tarefa que o Biden está tendo, e retira a extrema direita do governo israelense, a gente abre portas para dois elementos importantes: os progressistas israelenses e a Autoridade Nacional Palestina. Pode ter algum arranjo político que faça o Estado Palestino ser viável e legítimo em breve, o que levaria a uma normalização das relações dos países árabes com Israel e ao enfraquecimento desse eixo de hegemonia que envolve o Hamas e o Hezbollah. É uma situação muito interessante, com a construção de um novo Oriente Médio, com menor participação dos Estados Unidos e maior participação da China.

Então a China pode surgir como uma potência de influência na região?
A coisa que a China menos quer é uma guerra no Oriente Médio agora. Um elemento crucial dessa história é a China. Podemos ver a China exercer um papel de superpotência no Oriente Médio a partir de suas negociações na região. Se a gente não tem uma guerra total agora no Oriente Médio isso tem a ver com a influência da China nos bastidores.

Como o senhor tem visto a atuação do Brasil nesse processo, já que o país ocupa a presidência do Conselho de Segurança da ONU neste momento?
Poucas vezes o Lula esteve numa posição estratégica tão confortável. Está na presidência do Conselho, tem bons contatos tanto com os israelenses quanto com os palestinos da Cisjordânia, a Autoridade Nacional Palestina, tem uma relação positiva com setores internacionais envolvidos nessa história. E Lula segue a gramática proposta pelas Nações Unidas, resgata sua tradição diplomática que vem desde o século XIX. Poucas vezes o Brasil teve tantas oportunidades de ser protagonista de fato na busca da paz, do término de um conflito como o que estamos vendo agora. É impressionante o que o Lula tem feito.

Apesar de terem opiniões divergentes sobre o conflito, o senhor e o jornalista Breno Altman figuram neste momento como “traidores da causa sionista” por grupos radicais de extrema direita. O senhor teve que abandonar um debate na PUC-Rio há alguns dias e o Altman vem sendo ameaçado nas redes sociais com retaliações físicas. Como o senhor se vê nessa situação?
Cheguei à conclusão de que a extrema direita é profundamente inepta. Há uma dimensão histórica dessa extrema direita que diz que a esquerda é muito influenciada por ideologia. A direita, ao contrário, lidaria com questões técnicas. Os dois elementos centrais da extrema direita são segurança e amor à Pátria. Esses dois elementos centrais implodiram. Aqui no Brasil, o relatório final da CPMI dos atos golpistas de janeiro fala de traição à Pátria, com a participação dos militares. Benjamin “Bibi” Netanyahu também falava de segurança e amor à Pátria e produziu a maior matança que Israel já teve em sua história. Segurança? Ele não conseguiu defender seus concidadãos. A extrema direita só vê a sua perspectiva, tem uma incapacidade absoluta de olhar o outro. Eu e Breno Altman estamos em lados opostos numa percepção de mundo. Certa vez, ele me chamou de rato sionista. Não há concordância entre nós em nenhum campo. E o que a extrema direita fez? Nessa sua incompetência de ver o mundo, essa extrema direita colocou a mim e ao Bruno Altman no mesmo lugar.

Mas ambos são vítimas de intolerância, não? No seu caso, dentro de uma universidade, que deveria ser um lugar de diálogo.
Aqui cabe darmos mil vivas à universidade pública e gratuita. Isso não aconteceu na UFRJ, na UFF ou na Uerj. E não é casual. A relação direta entre consumo e prestação de serviços é reproduzida nas universidades particulares a partir de uma perspectiva liberal. Na universidade pública, a relação é de ensino, pesquisa e extensão. Quem dá aula e faz pesquisa, como eu, não está aqui para representar os outros. Não sou político, não trabalho em cartório, não quero representar ninguém. Minha função é produzir reflexão que incomode, que suscite outras reflexões. Meu maior prazer é quando um aluno meu desenvolve uma perspectiva independente da minha, quando ele não me representa. Por isso a gente tem que defender a universidade pública e gratuita, para a gente não se contaminar com essa relação entre consumo e prestação de serviços. O que aconteceu na PUC foi uma tentativa de silenciamento baseada numa dimensão liberal de prestação de serviços e pode servir como uma defesa histórica das universidades públicas no Brasil. Foi muito grave, eu fui acusado de ser antissemita e apoiador do Hamas. Mas recebi a solidariedade de entidades do Brasil e do exterior comprometidas com a academia, entre elas a SBPC e a AdUFRJ.

O Fórum de Ciência e Cultura recebeu, na noite de 16 de outubro, a assembleia de posse da diretoria e do Conselho de Representantes da AdUFRJ para o biênio 2023-2025. A nova presidenta, professora Mayra Goulart, afirmou que a desburocratização dos processos funcionais e a melhoria das condições de trabalho na UFRJ serão prioridades do mandato.
Fotos: Fernando Souza

Confira a matéria completa na próxima edição do jornal do sindicato.

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 edificio sede da capes1509201616Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Entidades da comunidade científica enviaram uma carta ao Ministério da Educação no dia 13 para criticar os recentes cortes na Capes. Nos últimos dois meses, a Capes sofreu um contingenciamento de R$ 66 milhões e um corte de R$ 50 milhões. A “tesourada” atinge bolsas, programas de formação de professores da educação básica e recursos da Diretoria de Relações Internacionais da agência de fomento. 

No documento, SBPC, Academia Brasileira de Ciências e Andifes, entre outras entidades, alertam que “nos últimos anos, especialmente no governo anterior, a supressão de bolsas de estudos do Sistema Nacional de Pós-Graduação (SNPG) atingiu um nível extraordinário, provocando a desistência de estudantes dos cursos de mestrado e doutorado e influenciou, diretamente, na inédita queda da produção científica brasileira em 2022, visto que mais de 90% dela é oriunda do nosso SNPG”.

O documento conclui que “com os recentes bloqueios, cortes e uma perspectiva muito desfavorável no Projeto de Lei Orçamentária 2024 para a Capes, fica difícil acreditar no lema “A Ciência voltou”, pois é justamente no SNPG onde se encontra o esteio central do desenvolvimento científico e tecnológico brasileiro”.

Outro grupo que se manifestou contra os cortes foi o Colégio de Pró-reitores de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação. Em nota, os pró-reitores brasileiros afirmam que o cenário de déficit de R$ 200 milhões no orçamento da Capes para o ano que vem é "preocupante" e que "programas estratégicos da agência podem ser comprometidos".

Os pró-reitores citam, ainda, os mais de 300 novos cursos de pós-graduação que serão iniciados em 2024 e que precisarão de suporte e financiamento. A carta termina exigindo a recomposição orçamentária da Capes e ampliação dos recursos destinados à Ciência e Tecnologia. "Um governo que tem como discurso que a aplicação de recursos em educação, ciência e tecnologia não é gasto, mas sim investimento, não pode sinalizar com este grau de restrição orçamentária".

Pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da UFRJ, o professor João Torres reforça o sentimento da comunidade acadêmica. "Estamos muito preocupados com os cortes na Capes. Precisamos de ações políticas de pressão no governo pela academia; especialmente em temas orçamentários", afirma.

Nesta terça, no Museu do Amanhã, a presidente da Capes, professora Mercedes Bustamante, falou sobre o assunto: “Às vezes, encontramos alguns percalços no caminho e nada mais”, disse, durante evento de comemoração dos 60 anos do Programa de Pós-graduação em Ciências Biológicas, do Instituto de Biofísica da UFRJ.

Presidenta da AdUFRJ, a professora Mayra Goulart lembra que o conhecimento foi muito atacado nos últimos anos e precisa de apoio para que as áreas sejam reconstruídas. "Nós, da diretoria da AdUFRJ, vemos com preocupação o cenário de contingenciamentos em áreas do conhecimento. Reconhecemos que o governo Lula está interrompendo um ciclo de cortes severos de gastos, mas essa interrupção, embora simbólica, não consegue operar uma efetiva recomposição do Orçamento do Conhecimento que tínhamos em 2015", ela aponta.

Em recente levantamento, o Observatório do Conhecimento mostrou que as áreas de educação, CT&I perderam recursos nos últimos anos na ordem de R$ 100 bilhões. "É necessário pressionarmos os tomadores de decisão para que setores tão estratégicos para o desenvolvimento do país sejam reconstruídos. Vamos apoiar iniciativas da comunidade científica nessa direção", conclui a dirigente.

WhatsApp Image 2023 10 12 at 00.08.39Fotos: Fernando SouzaAna Beatriz Magno e Silvana Sá

O Centro de Ciências da Saúde é o retrato do paradoxo: a estrutura degradada e insalubre de seu prédio principal é a mesma que abriga a excelência acadêmica que ajuda a maior universidade federal do Brasil ser também a mais ilustre. Apesar de seus cursos figurarem entre os melhores do país, gambiarras elétricas, goteiras, entulhos e equipamentos abandonados se multiplicam pelas salas, corredores e laboratórios. A biblioteca era enorme e está com 90% de sua área abandonada e fechada desde setembro de 2017 por contaminação por fungos. Maquinários caros correm risco diante de chuva. Os aparelhos de ar-condicionado se equilibram em janelas e suportes improvisados. O medo de incêndio, tragédia recorrente nos campi, ronda alunos, técnicos e docentes.
O edifício foi inaugurado em 1972, com a transferência da Faculdade de Medicina e do CCS da Praia Vermelha para o Fundão. Ao longo das décadas, mais unidades e cursos surgiram e a estrutura começou a ficar apertada para as atuais doze unidades e órgãos suplementares que funcionam no prédio. Mas faltou planejamento. “Cada unidade passou a tentar arrumar soluções para os seus problemas à sua maneira. Além disso, a rede elétrica se tornou insuficiente para a demanda. É subdimensionada”, observa o professor titular Pedro Lagerblad, do Instituto de Bioquímica Médica
Ex-diretor da AdUFRJ, respeitado pesquisador, Pedro é um incansável docente na luta por melhores condições de trabalho. “A gente tem dois tipos de insalubridade: a do direito trabalhista, porque manipulamos diferentes elementos, e a ambiental. Se houvesse manutenção e investimento adequados, o CCS seria muito menos insalubre”, destaca.WhatsApp Image 2023 10 12 at 00.08.39 1
João Victor Baptista, estudante de Biologia, ao ser perguntado sobre o que mais lhe causa angústia em relação às condições do prédio, faz um triste desabafo: “Eu acho que normalizei o caos”, diz. “Assim que entrei, ficava chocado com o banheiro alagado e totalmente insalubre, com a fiação exposta, o teto caindo, a janela sem vidro, a infestação de ratos”, detalha. “Depois, isso tudo passou a fazer parte da rotina. Acho que não é só uma questão de dinheiro. É um pouco de descaso também”.
Seu colega de curso, Alexandre Lima, completa: “Uma vez caiu um vidro da janela e ele fez aniversário encostado num canto da sala, podendo causar um acidente. Retirar aquele vidro do chão não era uma questão de dinheiro”, exemplifica.
Nessa e nas próximas páginas, as imagens falam por si. A reportagem faz parte da série do Jornal da AdUFRJ sobre condições de trabalho.
A diretoria da AdUFRJ compreende a urgência das demandas por infraestrutura e melhores condições de trabalho e estudo. Uma das ações em curso é a criação de uma petição on line exigindo mais orçamento para as universidades e para o reajuste dos servidores. O documento destaca que a Proposta de Lei Orçamentária Anual para 2024 prevê a metade dos recursos de dez anos atrás para universidades, institutos tecnológicos, agências de fomento e para a ciência e tecnologia. Outra iniciativa é uma solicitação de audiência feita à equipe do deputado Áureo Ribeiro (Solidariedade), coordenador da bancada do Rio de Janeiro no Congresso Nacional. Ambas foram definidas na última assembleia de professores, que debateu a campanha salarial.
WhatsApp Image 2023 10 12 at 00.08.39 3“A ideia é discutir o quadro de penúria das instituições de ensino e apresentar propostas que viabilizem o financiamento do conhecimento”, explica a professora Mayra Goulart, presidenta eleita da AdUFRJ. “Também queremos sensibilizar os parlamentares sobre a importância de valorizar os servidores que efetivamente colocam em prática as políticas públicas para a população”, afirma. “A gente entende que essas ações fazem parte desse novo sindicalismo que usa novas formas de luta para sensibilizar a sociedade civil e os tomadores de decisão”, conclui.
O decano do CCS, professor Luiz Eurico Nasciutti, foi procurado pela reportagem, mas não retornou até o fechamento desta edição.

 

DEPOIMENTO I Pedro Lagerblad
Professor titular do Instituto
de Bioquímica Médica

WhatsApp Image 2023 10 12 at 00.08.39 4“A cultura do cuidado é um processo”

“Quando o CCS foi desenhado, lá nos anos 1970, cada corredor era ‘loteado’ para um catedrático. Os laboratórios e projetos de pesquisa tinham ‘dono’. A estrutura de pesquisa foi sendo desenvolvida ao longo dos anos pelas unidades, novos núcleos foram surgindo, institutos foram sendo criados, mas, sem recursos da universidade, somente às custas do dinheiro dos projetos de pesquisa e sem planejamento. Cada unidade passou a tentar arrumar soluções para os seus problemas à sua maneira.
Além disso, a rede elétrica se tornou insuficiente para a demanda. É subdimensionada. Há muitos equipamentos acoplados a geradores, mas muitos estão fora, porque não há capacidade energética para segurar todo mundo. Há problemas também de manutenção da rede elétrica.
No subsolo há alguns graves problemas. A circulação de ar é muito precária na maioria das salas e laboratórios. As saídas de esgoto estão nos corredores dos laboratórios. Quando chove muito, pode transbordar. Já ocorreu várias vezes, mas felizmente há algum tempo não acontece. Há pouquíssimos banheiros disponíveis e em boas condições de uso. Há aparelhos de ar-condicionado que jogam ar quente dos laboratórios para as áreas comuns nos corredores. É o jeito possível, o mais barato, mas totalmente inadequado. Há laboratórios que sofrem com infiltrações porque ficam embaixo de banheiros que alagam com certa frequência.
O telhado do prédio é outro problema. Quando chove, as pessoas botam lonas plásticas sobre os equipamentos mais caros para evitar que estraguem, porque chove dentro de vários laboratórios do segundo andar.
Também não temos um castelo d’água, nenhum reservatório que nos permita manter atividades quando falta água na cidade. Se acontece alguma situação de desabastecimento, a gente fica imediatamente sem água para lavar as mãos, para os banheiros, para beber.
A melhora nas condições de trabalho evitaria muitas questões insalubres. A gente tem dois tipos de insalubridade: a do direito trabalhista, porque manipulamos diferentes elementos, e a ambiental. Se houvesse manutenção e investimento adequados, o CCS seria muito menos insalubre. A cultura do cuidado é um processo.”

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