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Atenção, professores! A prévia do contracheque está aparecendo com um desconto maior para a AdUFRJ. Não se trata de aumento da contribuição sindical. O valor está maior em função do desconto sobre o 13º salário dos filiados, como acontece todos os anos. Depois, a contribuição voltará ao normal.
Foto: Alessandro CostaRenomados cientistas que atuam no estado do Rio de Janeiro se reuniram no último sábado, 1º de novembro, na UFRJ, para formar uma rede de pesquisadores contra a violência. A tese dos estudiosos é que a crise de segurança que assola o Rio de Janeiro não é um problema isolado e só poderá ser resolvida com políticas baseadas em evidências científicas.
O encontro foi organizado em resposta à chacina que vitimou pelo menos 121 pessoas no final de outubro. O plano de ação inclui, ainda, pressionar instituições financiadoras, como Capes, CNPq e BNDES, a abrirem editais de fomento específicos para pesquisas que discutam e proponham soluções para a segurança pública.
Mais de 80 pesquisadores de diferentes instituições do Rio de Janeiro, além de parlamentares e lideranças comunitárias, participaram do encontro. A ADUFRJ foi uma das organizadoras. “A ideia é que tenhamos recursos para que essa rede tenha condições de se estabelecer”, explicou a presidenta do sindicato, professora Ligia Bahia. “Nós precisamos intervir no debate público sobre segurança, mas também atuar na defesa dos direitos sociais”, resumiu.
Michel Gherman, 2º vice-presidente do sindicato, defendeu a importância de articular teoria e prática para combater a barbárie. “Nossa intenção é constituir um fórum de pesquisa, de política e de ação”, complementou.
Considerado um dos maiores especialistas em segurança pública do país, o antropólogo Luiz Eduardo Soares criticou duramente a operação realizada nos complexos do Alemão e da Penha. “Não é crível, não é verossímel, que alguém responsável possa acreditar que uma operação dessas tenha algum impacto além das mortes”, disse. “Portanto, trata-se de uma mudança de agenda pública. A soberania nacional estava ganhando cada vez mais espaço e, mais uma vez, o ‘coelho na cartola’ foi a carnificina, o banho de sangue”, concluiu.
EXTERMÍNIO
O sociólogo Ignácio Cano, professor do Instituto de Ciências Sociais da Uerj, apresentou indicadores de uma pesquisa realizada por seu grupo de estudo, que analisa o uso da força letal policial em nove países da América Latina. Um desses indicadores mede o número de mortos e o número de feridos numa ação. “Normalmente, em qualquer ação de conflito armado há um número maior de feridos do que de mortos, 1x3, 1x4”, disse. “Quando você tem mais mortos do que feridos, isso indica abuso da força letal e intenção de matar”, explicou. “Nesse massacre, eu não encontrei um suspeito ferido que sobreviveu. Temos 117 mortes de um lado e zero feridos. É muito exemplificador do grau de extermínio desse massacre”.
Para o professor João Trajano, do Instituto de Ciências Sociais da Uerj, a defesa da ciência tem relação direta com a defesa da democracia. “Eu tenho a impressão de que temos um Estado Democrático de Direito circunscrito a determinados espaços da cidade e um Estado de Exceção permanente (nos territórios de favela). É isso que estamos vivendo e eu não sei como a gente sai disso”, desabafou o professor. “Do ponto de vista da comunicação, nós estamos perdendo essa disputa”.
REAÇÃO CONJUNTA
Além da ADUFRJ, outras instituições fizeram parte da organização do encontro, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Ana Tereza Vasconcelos, diretora da SBPC, leu trecho da nota assinada pelas direções da SBPC e ABC (Academia Brasileira de Ciências). “É urgente a revisão da política de segurança pública, substituindo a lógica de guerra pela da prevenção e da cidadania, bem como o acesso público a informações e pesquisas sobre a letalidade policial, condição essencial para um debate democrático e para a formulação de políticas baseadas em evidências”.
João Paulo Sinnecker, vice-diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), outra instituição organizadora do encontro, considera que o grande desafio é o diálogo constante entre a academia e a sociedade. “Como estabelecer esse diálogo, de forma a trazer evidências científicas concretas dos caminhos que a gente pode seguir?”, questionou. “O CBPF se coloca à disposição para contribuir para dialogar com a sociedade e com quem está do lado oposto a nós”.
Alessandro Jatobá, coordenador adjunto do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, entidade também organizadora do evento, alertou para o impacto do negacionismo científico na formulação de políticas de segurança. “Esse cenário é especialmente estarrecedor, mas não surpreendente. As evidências científicas são constantemente ignoradas na formulação de políticas públicas e há enormes críticas à atuação dos cientistas, como se a ciência não detivesse os métodos para compreender as realidades das comunidades brasileiras”, disse. “Precisamos combater de forma consistente esse discurso negacionista sobre o papel da ciência no desenvolvimento de políticas públicas”.
Diretor do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, o professor Marcelo Burgos comentou a pesquisa de opinião que revelou que 90% dos moradores de favelas são a favor de operações policiais. “Vai nos dando uma sensação de impotência, mas preciso lembrar que num país moldado pela escravidão, o que é novo é a luta por direitos. A necropolítica tem raízes fundas nesse país”, disse.
Veja abaixo o documento síntese do encontro. Uma reunião da rede está programada para o dia 17 de novembro, no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ.
A CIÊNCIA POR UMA SEGURANÇA PÚBLICA SEM BARBÁRIE
Informe sobre reunião A Ciência por uma Segurança Pública sem Barbárie,
realizada no dia 01 de novembro de 2025, no Auditório Pedro Calmon, na UFRJ
1. A operação reitera a percepção de que a democracia no Brasil segue incompleta.
2. Os preceitos previstos na Constituição de 1988 não chegaram à segurança pública e aos membros das camadas pobres da população brasileira.
3. Os pesquisadores entendem que o apoio de parcelas da população a ações como a ocorrida expressa o sentimento de desamparo frente ao controle territorial armado de grupos criminosos e a sensação de inexistência de alternativas públicas que lhes garantam os direitos previstos numa ordem democrática.
4. Há consenso sobre a natureza política e não policial da barbárie, atestada pelo apoio acrítico à chacina, declarado por governadores de oposição ao governo federal e alinhados ideologicamente ao governador fluminense.
5. Há o entendimento de que a ação contra o CV deve ser posta na perspectiva da exploração econômica dos territórios, praticada também por outros grupos armados.
6. Os resultados da operação, mensurados pela proporção entre número de feridos x mortos (poucos feridos) e número de mortes de “suspeitos” x policiais (32/1), atestam inequivocamente o uso abusivo da força pelas corporações policiais.
7. Há a admissão de que políticas sociais são fundamentais e necessárias, mas não suficientes. É necessário reconstruir as bases de uma política de segurança pública que respeite os preceitos da Constituição em vigor. Para isso, entende-se que a ADPF 635 deve ser encarada como um ponto de partida importante, incluindo a exigência de que o Ministério Público desempenhe com rigor seu papel de fiscal externo das atividades policiais.
8. Houve indicação quanto à necessidade de se refletir (autocrítica) em relação às virtudes de experiências anteriores, como as UPP’s, alternativas à lógica das operações armadas e voltadas à redução da letalidade.
9. O carimbo “defensores de bandidos” aplicado às esquerdas é sim um problema. Pesquisadores não concordam com esse tipo de caracterização, enfatizando que, em geral, o campo da esquerda está preocupado com os direitos da população, frequentemente violados por operações policiais que não respeitam os moradores.
10. Os pesquisadores enfatizam sua preocupação com os policiais, que também são expostos por operações que, na prática, também os consideram “matáveis”.
11. Os pesquisadores rejeitam uso do termo “narcoterrorismo”, considerando-o completamente inadequado para definir organizações como o CV. Esse deslizamento semântico denota a clara intenção de criar um discurso favorável à internacionalização da segurança pública no Brasil, colocando-a no radar dos EUA.
12. Nesse momento parlamentares estão apoiando parentes das vítimas (possivelmente tal como as Mães de Acari, haverá desdobramentos).
13. Os parlamentares presentes no encontro manifestaram sua grande preocupação com a forma como está sendo feita a perícia dos corpos no IML, sem seguir protocolos técnicos, sem autonomia em face da polícia.
14. Reconheceu-se a importância de se investir em mais pesquisas, que qualifiquem os dados trazidos pelos grandes institutos, que tendem a sugerir um apoio sem crítica da população ao massacre realizado no Alemão.
15. As entidades organizadoras do encontro, e outras que o apoiaram, têm a intenção de captar recursos para financiar um fórum de estudos sobre segurança pública, a partir de uma compreensão de que ela precisa ser articulada com as pautas relacionadas à questão tributária, educação, saúde.
ENTREVISTA I ALEXANDRE WERNECK, COORDENADOR DO NÚCLEO DE ESTUDOS DE CIDADANIA, CONFLITO E VIOLÊNCIA URBANA DA UFRJ
Foto: arquivo pessoalNesta semana, favelas da Zona Sudoeste da cidade foram alvos de operações policiais. Só que desta vez, sem corpos, sem feridos, sem intenso tiroteio, sem grande aparato policial. Cenário bem diferente de duas semanas atrás, quando a megaoperação policial dos complexos do Alemão e da Penha gerou a maior chacina do país.
Para entender o contraste entre as operações e a escalada do conflito urbano, o Jornal da AdUFRJ ouviu o professor Alexandre Werneck, coordenador do Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ. Werneck foi orientando do professor Michel Misse, um dos maiores nomes em segurança pública do Brasil (falecido em agosto), e é herdeiro de seu legado intelectual. Werneck analisa, nesta entrevista, as relações entre crime e Estado e nos dá pistas sobre como a academia pode intervir no debate público sobre segurança.
Jornal da AdUFRJ - O que leva uma operação ter a ação de uma só força policial, sem trocas de tiros e mortes; e outra contar com expressivo aparato e vasto número de mortes?
Werneck - Evidentemente, a gente está falando como observador externo e uma resposta do tipo “justificativa” para uma diferença entre uma operação e outra deveria vir do governo. Eles certamente terão argumentos supostamente técnicos. Falo “supostamente”, porque vários dos argumentos utilizados para o massacre do Alemão e da Penha foram também supostamente técnicos. Havia um discurso de responder a minúcias da ADPF para justificar a ação.
Há uma especificidade daquela operação do ponto de vista de seus objetivos. O resultado dela, sabemos: os mandados de prisão não foram cumpridos de fato, o grande manancial de corpos produzidos pela operação não foi responsável por uma neutralização do Comando Vermelho. Há certo consenso de que essa operação tinha muito mais o sentido de fazer uma declaração de força e de tentativa de deslocar o debate público do país para a discussão da segurança pública. O que está colocado é centrado não em soluções sociais, de segurança no sentido humanista, de gestão da cidadania. O que está posto é um projeto em favor de soluções econômicas, de investimento/resultado.
E eu preciso falar o óbvio: o Brasil não conta em seu arcabouço jurídico com a pena capital. A eliminação definitiva de um sujeito, seja ele criminoso ou não, não pode ser o resultado ou o fim de uma operação. O Estado não pode fazer isso. Aquela operação parece ter sido pensada para ser um recado público. Acabar com o crime eliminando criminosos é ineficaz. Repensar a própria ideia de segurança, garantindo cidadania, direitos, isso, sim, é política de segurança.
Há uma aceitação social que permite execuções em certos pontos da cidade?
Certamente há uma aceitação social. Há um apelo à raiva que leva as pessoas a adesões simplistas. As pesquisas de etnografias e observações diretas nas favelas expressam esse tipo de apoio a essas medidas. A raiva é constantemente mobilizada.
Todas as pessoas têm medo de morrer, mas umas estão mais expostas a essa possibilidade do que outras. O que pauta a sensação de segurança de boa parte das pessoas é o medo de perder o celular, não um risco concreto de morte. Quem corre risco concreto de homicídio hoje é, prioritariamente, o morador de favela. O perigo propriamente existencial é circunscrito a determinadas parcelas da população, enquanto o perigo patrimonial é circunscrito a outras. Isto no aspecto racional.
Do ponto de vista simbólico, isso é trabalhado de outra maneira. A raiva é mais mobilizadora que o medo. O medo é utilizado como argumento racional, mas a raiva é o sentimento efetivamente mobilizado. Quando alguém diz “matou pouco”, como vemos em redes sociais, isso é expressão da raiva. Se a gente não debelar esse mecanismo de injeção de raiva no debate público, a gente não vai conseguir fazer um debate sério sobre segurança cidadã.
Muitos desses locais da Zona Sudoeste são de domínio da milícia ou de recente ocupação do CV. O senhor acredita que isso poderia explicar em parte essa ausência de letalidade e de conflito armado?
É possível. Evidentemente, há um conteúdo de especulação aqui, mas raciocinemos. Milícia não é um tipo específico de quadrilha. A milícia é uma forma de atuar. O modus operandi básico é que agentes do Estado, dotados de monopólio conferido pelo Estado de mobilização de força, privatizam esses dispositivos para cobrança por produtos e serviços. É diferente de uma facção encastelada numa região da cidade para venda de um produto, a droga. A milícia tradicionalmente é um dispositivo de exploração de monopólio de mercado. Esse modus operandi depende de policiais, bombeiros etc.
A relação escusa do Estado com o tráfico está no pagamento do “arrego” para evitar as operações policiais. Na milícia, a relação escusa se dá entre PM negociando com PM. É possível, portanto, que isso module as relações entre os territórios e as forças de Estado. Mas isso só o detalhamento das tomadas de decisão por parte das forças policiais é capaz de explicitar. O que a gente pode fazer é entender o contexto. De todo modo, mesmo não tendo havido mortes nas operações desta semana, o tipo de ação continua sendo imediatista.
Nos seus 20 anos de pesquisas nesta área, o senhor percebe uma manutenção, melhora ou piora em relação aos conflitos urbanos e aos resultados de operações policiais? Há um “enxugar de gelo”?
Há duas questões em paralelo: a primeira delas é o problema do crime. A outra, é a solução imediatista, que é a violência de Estado. Do ponto de vista do crime, a gente vive uma espécie de sazonalidade ao sabor de inúmeros fatores que envolvem desde uma problemática fundamental de cidadania, até sabores eleitorais que se manifestam e a própria pauta da vida econômica do país. Momentos mais sérios de crise econômica produzem respostas diferentes. Esse é um pedaço da questão.
Foto: Tomaz Silva /agência Brasil
Agora, do ponto de vista da resposta do Estado, certamente piorou muito. Tanto piorou que a gente acabou de testemunhar a maior chacina do país, secundada por outra chacina recente que já tinha sido a maior do estado, quando 28 pessoas foram mortas. A escalada aí é muito perigosa de resposta ao crime, mas também de mudança qualitativa. Há recusa de cidadania, de direitos humanos, recusa da nossa própria ordem social.
A gente evidentemente tem um problema de crime que precisa ser resolvido com solução de inteligência, mas também com solução de cidadania. O “enxugar gelo”, como você diz, não é apenas uma contingência de políticas de segurança ineficientes, tornou-se um elemento das políticas de segurança. Elas são concebidas para serem imediatistas, pontuais. A vida das pessoas se tornou massa de manobra para esse tipo de movimentação imediatista.
Evidentemente que o crime é um problema concretamente experimentado, sobretudo pelas populações mais pobres, mas a classe média também experimenta o crime com seu celular furtado, com seu carro roubado etc. No entanto, a pauta nacional é mais ampla. A centralização dessa pauta apaga a capacidade de atenção das pessoas a outros problemas de igual ou maior monta.
Como a academia pode intervir nesta realidade? Como convencer os gestores a trabalharem com evidências científicas no combate ao crime organizado?
Não é uma tarefa simples nem fácil. A gente vive um momento muito difícil de obscurantismo em relação ao conhecimento em geral. Não nos esqueçamos que viemos de um governo central contrário a políticas de saúde com base científica, antivacina. Esse mesmo governo central fazia um discurso, na figura de seu ministro da Educação, afirmando serem as ciências humanas anedóticas, ’antro’ de posições políticas e não científicas. Esse obscurantismo irresponsável ajudou a construir um certo campo de tomada de decisão não baseada em evidências científicas.
A academia, a universidade pública, tem um mandato de responsabilidade na produção de conhecimento qualificado. Se ela fizer o que tem que fazer, como já faz, já está produzindo esse serviço para embasar políticas públicas. A academia também é centro de ensino e extensão, de conversa com a sociedade. A divulgação científica é um espaço importante de circulação desse conhecimento científico de alto nível para a população em geral. As descobertas das ciências sociais também necessitam ser traduzidas para o público. Precisamos explicar os nossos achados e precisamos dos meios de comunicação dispostos a isso.
Foto: Acervo pessoalA extrema direita fez novo alvo na academia. Depois de conceder entrevistas críticas ao resultado da megaoperação que matou ao menos 121 pessoas nos complexos do Alemão e da Penha, a professora Jacqueline Muniz, especialista em segurança pública, passou a ser hostilizada e ameaçada por perfis ligados ao bolsonarismo. “Sofri ameaças, tentativas de emboscadas”, desabafa a docente do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Um trecho de 15 segundos de sua fala foi retirado de contexto, quando ela ironizava a ideia de superioridade técnica do crime organizado. “Eu falei que até com um estilingue um policial tem condições de neutralizar um criminoso armado, por conta do seu treinamento tático”, explica. “Não basta o criminoso aprender a usar fuzil com tutorial em internet e treinar em lata no topo do morro. Precisa de resistência e condicionamento físico. Exige conhecimento técnico, mira, que fazem parte do treinamento do policial. Era sobre isso que eu falava”.
VIOLÊNCIA POLÍTICA
No sábado, 1º, enquanto almoçava num restaurante do Rio, a docente foi reconhecida, fotografada e suas imagens começaram a circular com sua localização. Os textos incentivavam violência física. A onda de ataques foi tão intensa, que Jacqueline pediu para ser inserida no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
“Eu tenho consciência de que o que estou sofrendo é uma violência política de gênero”, afirma. “Tem sido muito cansativo reunir todos esses ataques, constituir advogados. Atacam a minha vida, a minha rotina e envolvem todas essas dimensões que visam me apagar”, argumenta.
REAÇÃO DA ACADEMIA
A Universidade Federal Fluminense se solidarizou com a docente. “A instituição reitera seu repúdio a qualquer forma de intimidação ou tentativa de silenciar vozes comprometidas com o conhecimento e a defesa dos Direitos Humanos”, diz trecho do documento.
A Aduff, seção sindical dos professores da Federal Fluminense, também divulgou nota em apoio à colega. “Essa investida é um ataque também contra a universidade pública e sua capacidade de se manter crítica diante da barbárie”.
A diretoria da ADUFRJ também manifestou solidariedade e postou em suas redes: “A academia é local de produção de conhecimento e não pode ser calada pelo ódio”. Diversas outras sociedades científicas, de direitos humanos e ligadas à sociedade civil também prestaram apoio à docente.
TRAJETÓRIA DE 30 ANOS
A docente começou a atuar na linha de segurança pública ainda nos anos 1990. Desde 1995, estuda e oferece cursos para Polícias. “Ajudei a desenhar os protocolos que as polícias têm de operações especiais. Oriento policiais, dei aulas para policias da América Latina inteira”, elenca. “Sob meu comando se descobriu a taxa de suicídio na polícia”, relembra.
Jacqueline afirma que o papel da universidade e dos pesquisadores é atuar para a garantia dos direitos e para a melhora da prestação dos serviços, inclusive de segurança pública. “O que a gente quer é aferir a qualidade da polícia e ajudar a constituir políticas sérias de segurança pública. Subsidiar as polícias tecnicamente para fazer seu trabalho com menor insegurança”.
NEGACIONISMO
Para a especialista, a onda de ataques é um sintoma de quem quer estabelecer o pensamento único. “Isso é totalitarismo”, diz. “Se você tem meta de apreensão, você vai fazer essa polícia rasgar a lei pra cumprir a meta. Há conhecimento acumulado sobre isso. Esse negacionismo tem uma intencionalidade política”, afirma. “Estão tentando destruir a liberdade de cátedra, o conhecimento científico”, defende a professora. “A universidade é o lugar do especialista. “Não querem os dois lados. Querem um único lado, uma única narrativa, um lado possível, que é o deles”.
ALEXANDRE DE MORAES SE REÚNE COM FAMÍLIAS DE VÍTIMAS DO MASSACRE
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, se reuniu na última quarta-feira (5) com 20 entidades de direitos humanos, além de familiares de vítimas da chacina dia 28 de outubro. O objetivo foi entender melhor a dinâmica da megaoperação policial que deixou ao menos 121 mortos nos complexos da Penha e do Alemão. Na convocação, o ministro justificou a reunião como medida importante para subsidiar a suprema corte sobre os fatos que levaram à maior chacina do país. Moraes é o relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, a ADPF das Favelas – que busca estabelecer diretrizes para a redução da letalidade policial em operações.
A professora Luciana Boiteux, da Faculdade Nacional de Direito, participou da reunião representando o Laboratório de Direitos Humanos da UFRJ (Ladih), que é amicus curiae na ADPF. Para a docente, a reunião foi positiva pois demonstrou que a operação descumpriu termos da ADPF das favelas. “O ministro mostrou preocupação com a questão da perícia independente, com a questão da desproporcionalidade”, disse. “O Supremo nunca impediu a atuação da polícia, mas estabeleceu parâmetros de, em especial, conter a violência policial”.
A docente contou que também houve preocupação com a tentativa de criminalização dos familiares dos mortos na chacina. “Essa ameaça do governo de investigar essas famílias por fraude processual é um abuso e o ministro mostrou preocupação com isso”, afirmou Luciana Boiteux.
Antes de convocar o encontro com as organizações civis, Moraes já havia se reunido separadamente com o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), e com o prefeito Eduardo Paes (PSD).