Conheci o Amilcar em 1977, no curso de Medicina da UFRJ. Era impressionante, pois desde o início da graduação ele sonhava em ser pesquisador. Mesmo no princípio do curso, ele buscava ir para o laboratório em todo intervalo que tinha. Um dos seus traços mais marcantes era a humildade. Ele tinha conhecimento enorme na sua área, era dos maiores nomes no mundo, mas jamais se colocou acima de qualquer pessoa. Ao contrário, era sempre muito aberto a aprender mais, muito curioso.
Amilcar trabalhou até instantes antes de ser intubado, já internado no hospital. Era uma pessoa muito sensível, solidária, sempre disposto a ajudar os colegas. Fez um trabalho fantástico na África, sobre o HIV.
É uma perda irreparável para a ciência brasileira e para a UFRJ. Amilcar era incansável e foi cedo de mais. Ele certamente teria muitas outras contribuições para este país. O Amilcar era um dos nossos grandes nomes que estão escritos no panteão de glória da UFRJ. Sem dúvidas, foi alguém que ajudou a fazer da UFRJ o que ela é hoje.
Roberto Medronho,
reitor da UFRJ
Amilcar se formou em 1982, ano que ingressei como aluna na UFRJ, então somente o conheci quando eu fazia iniciação científica e ele, mestrado. Lembro dele dessa época, dos laboratórios do subsolo do CCS, fazendo pesquisa, nos revezando pra utilizar equipamentos. Amilcar se envolveu muito com a questão do HIV a partir de 1985. O HUCFF era referência para pacientes de HIV. Nessa época, ele migrou sua atuação para a área de virologia e se tornou referência no mundo. No dia a dia, Amilcar era exemplo para todos nós. Tanto que, quando veio a pandemia de covid-19, eu não tive nenhuma dúvida. Era reitora da UFRJ e o procurei imediatamente. Falei que precisaríamos de testes, que logo seríamos demandados. Foi o que realmente aconteceu. Quando a pandemia chegou ao Brasil, o Amilcar já estava com o laboratório todo pronto para fazer os testes padrão ouro. Além de ser brilhante em sua área, Amilcar era muito generoso. Ele não deixou o laboratório nenhum dia durante a pandemia. Tinha um DNA UFRJ raiz. A gente perdeu essa figura tão forte na nossa universidade. Uma pessoa muito querida que sempre ensinou tanto. Seu grande legado continuará.
Denise Pires de Carvalho,
presidenta da Capes e ex-reitora da UFRJ
O professor Titular Amilcar Tanuri ingressou como docente no Instituto de Biologia em 1987, rapidamente destacando-se pela grande qualidade de seu trabalho e liderança. Era consultor da WHO, da Rede da Organização Mundial da Saúde, coordenador da Faperj, associated research scientist na Columbia University, e consultor da área de laboratório do Ministério da Saúde. Amilcar tinha profunda empatia com o sofrimento humano e fez um ótimo trabalho na África, por meio da iniciativa do CDC de Atlanta, EUA, no Presidential AIDS Initiative, estabelecendo laboratórios para o acompanhamento da epidemia da AIDS. Mais recentemente, realizou importantes trabalhos com os vírus Zika e covid-19. Em tempos de negacionismo, lutava pelo uso da ciência contra a pandemia. Sempre com seu inseparável chapéu, Amilcar era um exemplo de dedicação e inteligência, inspirando gerações de pesquisadores. Era também pessoa com ótimo senso de humor, coisa tão importante em nossos ambientes muitas vezes tão estressantes. Fará muita falta, mas permanece o seu enorme legado para a UFRJ e para o mundo.
Antonio Solé,
professor do IB e diretor da AdUFRJ
Amilcar esteve à frente de um grande projeto de massificação dos testes de HIV em Moçambique. Quando chegou ao país em 2001, apenas 300 testes eram feitos anualmente. No primeiro ano de atuação, foram atendidas 110 mil pessoas. Em 2013, já eram feitos dois milhões de testes no país. Foi um dos coordenadores da investigação do grande surto de febre hemorrágica em Angola, incluindo o vírus ebola. Era um cientista do mundo e deixou seu legado também para o nosso país. Durante a pandemia, foi presença nas emissoras de TV, combatendo o negacionismo que era patrocinado pelo governo Bolsonaro. Era um ser humano com grande poder de agregação, profundamente conhecedor das vulnerabilidades da nossa população e do continente africano. Ao chegar no laboratório no CCS, sempre ia tomar com sua equipe um café nos quiosques do bloco, como fazia desde o final dos anos 80.
Hélio de Mattos,
professor da Faculdade de Farmácia
A ciência que salvou vidas
n Amilcar ligou e disse: “vamos fazer os testes?” Eu relutei. O laboratório não estava preparado para testes em humanos, não tínhamos essa expertise e estrutura, mas ele tinha razão. Era uma emergência sanitária, as pessoas PRECISAVAM da universidade. Em uma semana estávamos preparados. A resposta rápida dele salvou centenas de vidas em Macaé e transformou a cidade em um exemplo de resposta científica e solidária à pandemia de COVID-19.
Amílcar Tanuri nos deixou no dia 26 de setembro de 2025. Perdemos nossa referência em saúde pública e sobre o papel da universidade: produzir conhecimento capaz de trazer mudanças para a população. Defensor do SUS, Tanuri mostrou que a ciência e a universidade pública podem — e devem — estar a serviço do coletivo.
Sua partida deixa uma lacuna imensa na ciência brasileira, mas também um legado que precisa ser lembrado e celebrado — especialmente em Macaé, onde sua atuação mudou a forma como enfrentamos crises sanitárias.Sob sua liderança, o NUPEM/UFRJ implantou, em 2020, um laboratório de testagem que realizou mais de 15 mil exames moleculares em apenas cinco meses, alcançando mais de 2% da população local. O impacto foi imediato: a cidade registrou uma taxa de letalidade de apenas 1,8%, contra 10,6% na capital no mesmo período. Esse feito histórico só foi possível pela soma de esforços entre sociedade, comunidade científica e a visão pioneira de Tanuri.Seguiram-se outras conquistas importantes para Macaé providas por Tanuri e seu grupo: acesso aos primeiros testes de antígeno específicos para SARS-CoV-2, o estabelecimento de uma vigilância genômica, mais de 30.000 exames sorológicos para pesquisa de anticorpos e, posteriormente a avaliação da eficácia das vacinas aplicadas na população local, além do acompanhamento da população e desenvolvimento de estratégias de tratamento pós-Covid.
Dessas bases nasceu o LIDEN (Laboratório Integrado de Doenças Emergentes e Negligenciadas), uma parceria entre a Prefeitura de Macaé, instituições públicas (MPF, MPT, UFRJ, FAPERJ, CNPq) e privadas (Unimed Costa do Sol, Hospital São João Batista, empresas de petróleo).O NUPEM se consolidou como centro estratégico de vigilância epidemiológica e inovação científica no Norte Fluminense.
A trajetória de Tanuri ecoa a de Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, sanitaristas que mudaram os rumos da saúde pública no Brasil. Como eles, uniu ciência, compromisso social e ação concreta em defesa da vida.Infelizmente, Amilcar Tanuri não viu a assinatura de um novo convênio que propôs com a Prefeitura de Macaé, voltado ao estudo do vírus Oropouche, uma ameaça emergente no país. Por aqui continuaremos. Temos o compromisso de continuar e em breve o acordo deverá ser assinado, dando continuidade ao compromisso com a comunidade.
A despedida de Amilcar Tanuri nos lembra que a ciência exige perseverança, apoio institucional e continuidade. Seu legado — como o de Cruz e Chagas — ensina que investir em ciência é investir na vida.
Rodrigo Nunes da Fonseca
e Cíntia Monteiro de Barros,
professores do Instituto NUPEM/UFRJ