Fernando Souza/Arquivo AdUFRJConheço Tanuri desde a juventude, passamos por poucas e boas, cada um no seu quadrado. Ele desde que ingressou na faculdade tornou-se cientista, eu um pouco mais velha integrante de uma turma cheia de sanitaristas, arrisquei uma trajetória não acadêmica. Durante os tempos de graduação frequentamos o laboratório “do Tanuri.” Conversávamos sobre mudanças no currículo da faculdade, queda da ditadura militar e como seria o Brasil democrático igualitário. Tanuri consolidou rapidamente uma carreira de pesquisador, muitos de nós que fomos trabalhar em instituições públicas de prestação de serviços de saúde voltamos para a UFRJ.
Nos reencontramos durante a epidemia de AIDS, em um contexto de tristeza, preconceito, revolta. A vida de nossos amigos, de amigos de amigos escapava por entre nossas mãos. Foram tempos de buscar alternativas de proteção contra os riscos de infecção, realizar diagnósticos, antever tratamento e sobretudo de solidariedade e confidencialidade. Comoção e pesquisas se misturavam. Tanuri talvez fosse um dos mais profundamente envolvidos com a tragédia, mas conseguiu pesquisar, compreender mecanismos de transmissão, viabilizar testes, participar ativamente do desenho do potente e ousado programa de AIDS do Brasil. Levou na bagagem para a África experiências nacionais para o controle da doença e na volta trouxe um conhecimento profundo e extenso sobre pobreza, guerras e emergências sanitárias.
Tanuri encarava os vírus sem raiva, temor excessivo ou desprezo. Nos ensinou a simplesmente respeitá-los. Uma visão de mundo, nada etnocêntrica. Pelo contrário, aprendemos que a vida de hospedeiros ou dos vírus decorre de interações mais ou menos favoráveis a ambos. Olhar, nada trivial para uma geração criada no berço da arrogância da supremacia da espécie humana. Como se sabe, durante a covid-19 nos alertou imediatamente sobre a disseminação no país e fez das tripas coração para impor racionalidade ao negacionismo e autoritarismo. Conseguiu. Mas o preço a pagar não foi baixo. A fúria anticientífica é em si fator de adoecimento.
Tanuri permaneceu sob o fogo cruzado da abominação extremista durante um longo período. Quando o Conselho Federal de Medicina me processou, por criticar uma entidade que propagandeou a cloroquina e difundiu fake news sobre vacinas, me defendeu veementemente.
Obrigada Tanuri, vida que segue com você para sempre.
LIGIA BAHIA
Professora do IESC e presidente eleita da AdUFRJ