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 Mais um trabalho pioneiro sai dos laboratórios da UFRJ. Desta vez, envolvendo transportadores de fosfato e células tumorais. Pesquisadores da universidade, ligados ao Laboratório de Bioquímica Celular, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis (IBqM), descobriram que altas concentrações dessas proteínas no sangue podem contribuir para aumentar a velocidade de desenvolvimento de um câncer e sua posterior metástase.
Mais um trabalho pioneiro sai dos laboratórios da UFRJ. Desta vez, envolvendo transportadores de fosfato e células tumorais. Pesquisadores da universidade, ligados ao Laboratório de Bioquímica Celular, do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis (IBqM), descobriram que altas concentrações dessas proteínas no sangue podem contribuir para aumentar a velocidade de desenvolvimento de um câncer e sua posterior metástase.
Os experimentos foram realizados com células normais e tumorais de mama, em laboratório. E apontam para um futuro promissor. Além de ajudar a entender o mecanismo que pode estar por trás do surgimento de tumores, também indicam a possibilidade de novos tratamentos e até um diagnóstico ainda mais precoce, logo nos primeiros momentos da instalação de um câncer ou, quem sabe, antes que ele aconteça. “Ainda são necessários outros estudos para se chegar a este patamar, mas são possibilidades que se abrem para o futuro”, admite o professor titular do IBqM José Roberto Meyer, coordenador do estudo. “Ciência precisa de investigação”, ele afirma.
O docente, que faz parte da lista dos cientistas mais influentes do mundo – publicada pela revista Plos Biology e replicada pelo Jornal da AdUFRJ, em dezembro –, explica que já estudava os transportadores de fosfato em protozoários e que a ideia de investigá-los em células de câncer surgiu quando ele percebeu que não havia estudos mais aprofundados nessa área. “Nunca foi dada muita ênfase aos transportadores de fosfato em células tumorais, mas o fosfato é fundamental para qualquer célula”, aponta. “Ora, se as células normais já necessitam desse nutriente para gerarem energia, nossa teoria era de que células tumorais precisariam de muito mais fosfato, já que demandam muito mais energia por conta de sua alta capacidade de multiplicação”, explica.
A hipótese se confirmou. Em 2018, eles publicaram o primeiro trabalho, depois de três anos de investigação, na revista Plos One. Foi a primeira caracterização bioquímica dos transportadores de fosfato dependentes de sódio em células cancerígenas da literatura. “Percebemos que a célula tumoral de mama tinha muito mais transportadores de fosfato do que células de mama normais”.
Em 2019, um novo trabalho foi publicado, desta vez caracterizando outro grupo de transportadores de fosfato que não dependem de sódio, mas de prótons. Novamente, eles foram os primeiros a fazer este estudo no mundo. “Investigamos um mecanismo potencialmente importante para explicar por que células normais se transformam em tumorais”. Mas ele alerta que não se pode reduzir a tumorigênese, ou seja, a origem de um tumor, à quantidade de fosfato no sangue. “Ainda há alguns resultados que precisam ser relacionados para que a gente possa ter certeza dessa afirmação”.
No final do ano passado, outro artigo, desta vez publicado no International Journal of Molecular Sciences, trouxe mais avanços às descobertas. “Comprovamos que o transportador de fosfato protodependente tem papel crucial no desenvolvimento do câncer. E buscamos trabalhar com inibidores de fosfato inorgânico para avaliar se haveria diminuição da velocidade da propagação do tumor”, revela o doutorando Marco Antonio Lacerda Abreu, primeiro autor dos últimos trabalhos publicados pelo grupo.
As drogas PFA (ácido fosfonofórmico, utilizado em tratamentos de infecções por herpesvírus e citomegalovírus) e PAA (ácido fosfonoacético), além de inibirem as proteínas transportadoras de fosfato, tiveram repercussão no câncer. “O experimento deixou bem claro o papel dos transportadores no processo tumorigênico já que, ao inibí-los, observamos o câncer diminuir sua velocidade de propagação e regredir a um estágio menos invasivo”, afirma Marco Antonio.
A pós-doutoranda Thais Russo Abrahão Barcellos, primeira autora do trabalho divulgado em 2018 e coautora das demais publicações do grupo, reforça a descoberta. “Esses inibidores também dificultaram ou impediram os processos de metástase nas células cancerígenas. É claro que não podemos usar um inibidor que mate as células saudáveis, por isso é difícil encontrar drogas que façam esse trabalho afetando somente esses transportadores que vão alimentar o tumor”.
A jovem cientista enfatiza a importância da pesquisa básica. “É ela que dá os fundamentos para as pesquisas que serão realizadas depois, como o desenvolvimento de novos tratamentos ou novos medicamentos”, diz. “Não necessariamente a gente vai descobrir a cura do câncer, mas a gente pavimenta o terreno para que outros descubram”, orgulha-se.
Agora, os pesquisadores estudam as moléculas sinalizadoras, que indicam para o metabolismo celular que caminho deve ser seguido a partir de diferentes níveis de fosfato. Ou seja, de que forma essas células vão se comportar. Algo que pode indicar com mais precisão a razão pela qual uma célula saudável pode se tornar um câncer. “Estamos fazendo essas correlações”, diz o professor Meyer, que orienta Marco e Thais nas pesquisas. “Esta etapa nos trará novas respostas, mas já é tema para outro trabalho”, finaliza Thais.
Estamos ansiosos.
PERFIL
 José Roberto Meyer Fernandes
José Roberto Meyer Fernandes
59 anos
Professor titular do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis
Coordenador do trabalho
Chefe do Laboratório de Bioquímica Celular do IbqM
Graduação em Ciências Biológicas, mestrado e doutorado em Biofísica pela UFRJ, pós-doutorado na University of Arizona
Pesquisador Nível 1B do CNPq
 Marco Antonio Lacerda Abreu
Marco Antonio Lacerda Abreu
27 anos
1º autor dos últimos trabalhos e orientando do professor José Roberto Meyer Fernandes
Graduação em Ciências Biológicas, com ênfase em Biotecnologia pela UFRJ (Campus Duque de Caxias), mestrado e doutorado (em andamento), em Química Biológica pelo IbqM
 Thais Russo Abrahão Barcellos
Thais Russo Abrahão Barcellos
34 anos
1ª autora dos primeiros trabalhos da série e coautora dos mais recentes, orientanda do professor José Roberto Meyer Fernandes
Graduação em Ciências Biológicas, mestrado em Química Biológica e doutorado em Ciências Biológicas — Microbiologia pela UFRJ.
Atualmente faz seu pós-doutorado no Laboratório de Bioquímica Celular do IBqM
 Diretoria da AdUFRJ
Diretoria da AdUFRJ
Há apenas cinco meses, no dia 7 de agosto de 2020, nosso jornal prestava uma homenagem à memória dos 100 mil mortos oficiais, vítimas da covid-19, e se solidarizava com as famílias e os amigos dos que partiram. Iniciamos o ano de 2021 com a tenebrosa marca de 200 mil óbitos notificados. Dobramos o número, e não há por parte desse desgoverno qualquer gesto de solidariedade às centenas de milhares de pessoas que perderam seus entes queridos. Ao contrário, permanece o escárnio, o menosprezo pelas vidas já perdidas e por aquelas mortes que irão acontecer, sem que se vislumbre nenhuma ação consistente por parte do Ministério da Saúde. 
Em relação às universidades públicas, o mesmo desrespeito e impulso destrutivo. A última escolha da lista tríplice para reitor da UFPel demonstra de forma inequívoca que o projeto é mesmo: desmoralizar, desorganizar e desorientar as instituições universitárias brasileiras. A escolhida pelo presidente, a professora Isabela Fernandes, é a segunda colocada da lista, com apenas seis votos. Entretanto, não se trata de uma aliada bolsonarista em busca de notoriedade e poder. Ela é parte da equipe do professor Paulo Ferreira, integrou sua chapa e integraria sua equipe. Logo, a natureza do gesto é tão somente desafiar a comunidade universitária, desqualificar sua escolha, desagregar a instituição, dificultar a gestão. Enfim, seu objetivo é apenas o de trazer problemas, destruir o que está feito e atrapalhar a vida das pessoas. 
Apesar do quadro terrivelmente adverso, nós seguimos resistindo e produzindo. E foi essa a escolha para a capa de nosso jornal. Vamos ocupá-la com a vida, com a produção de conhecimento, com iniciativas e propostas importantes para a sociedade. É hora de recarregarmos a bateria, renovarmos as esperanças e acreditarmos em nossa força e capacidade de mobilização. 
O ano mal começou e já deu mostras de que não será simples atravessá-lo. A eleição do pastor Raphael Warnock para o Senado norte-americano pelo estado da Geórgia foi um fato histórico, digno de uma grande comemoração. Não só por ser democrata, mas porque pôs em campo um eleitorado negro que estava afastado da política. Só que não nos deixaram comemorar por muito tempo. As cenas grotescas da invasão de supremacistas no Congresso imediatamente ocuparam as manchetes e noticiários de todo o mundo. Um espetáculo de horror, mas quase risível, onde vale aquela velha expressão: seria cômico se não fosse trágico. Nos próximos dias, vamos poder avaliar melhor a extensão do movimento e os passos que serão dados em relação a Trump. Trata-se de uma jogada importante para o nosso tabuleiro político. O inepto que ocupa a Presidência da República no Brasil já aproveitou para bater na tecla da fraude da eleição eletrônica, tentando armar a cama dele por aqui, seguindo os passos do líder. 
Apesar de estar em crescente isolamento, Bolsonaro não é carta fora do baralho e ele nunca escondeu seus delírios autoritários. É tarefa urgente derrotá-lo em todas as frentes. Como já tentamos demonstrar no início desse texto, não se trata de disputar um projeto, ou de derrotar uma proposta de governo de extrema-direita. Trata-se de um não-governo, cujo único projeto parece ser o de destruir todas as redes de proteção ao cidadão, ao meio-ambiente, à vida. Não podemos nos abater com o tamanho do problema, nem nos iludirmos de que teremos uma grande vitória. A hora é simplesmente de cumprir a tarefa que nosso tempo nos legou: vamos lutar dia e noite, de forma incansável, pela derrota de Bolsonaro. Não porque este seja o nosso inimigo eleitoral, mas porque com ele não estamos apenas à deriva, mas sim sendo conduzidos aos rochedos, para que naufraguemos como nação. 
Que venha 2021 com seus desafios! Será melhor que 2020, porque ao menos agora já sabemos o que nos espera e aprendemos um pouco a lidar com tudo isso. Teremos a vacina, temos propostas para que ela chegue a todos, estamos vivos e estaremos na luta!
 Mosquito-palha, vetor transmissor - Imagem: divulgação
Mosquito-palha, vetor transmissor - Imagem: divulgação
A covid-19 é uma enfermidade nova que desafia milhares de pesquisadores — e atrai milhões de dólares — de todo o planeta. 
Mas, apesar da tragédia sanitária imposta pelo coronavírus, há outras centenas de doenças que castigam os países em desenvolvimento e que não atraem tantos recursos. São as chamadas doenças negligenciadas. Casos da malária, da doença de Chagas, da leishmaniose. São patologias cujo tratamento depende essencialmente das universidades públicas e de seus dedicados cientistas. Os da UFRJ não fogem à luta. Um exemplo vem dos estudos sobre leishmaniose. 
Pesquisadores da UFRJ acabam de publicar o resultado de um estudo — único no mundo — que associa células-tronco de tecido adiposo à terapia medicamentosa tradicional para leishmaniose. 
“A leishmaniose é uma imunopatologia. Ela se desenvolve pela picada do mosquito, que inocula o parasita, mas também pela resposta do sistema de defesa do organismo”, explica Herbert Guedes, coordenador do trabalho. “As células-tronco suprimem as respostas imunológicas ‘ruins’ e com isso reduzem o processo inflamatório”, conta o docente.
Ao longo dos experimentos, feitos tanto com células-tronco da medula óssea, quanto com células-tronco do tecido adiposo, os cientistas observaram que aquelas provenientes do tecido de gordura geravam melhores resultados, reduzindo significativamente as lesões provocadas na pele. Mas ainda não eram capazes de reduzir a carga parasitária. “Então tivemos a ideia de associar as duas terapias e observar como os camundongos se comportavam”, conta o professor. “Eles começaram a voltar ao estágio anterior à contaminação”, revela Guedes.
Além do professor Herbert Guedes, a pesquisa envolve outros quatro docentes da universidade e o doutorando Tadeu Ramos, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho.  Considerada endêmica em 85 países, incluindo o nosso, a leishmaniose mata de 20 a 40 mil pessoas anualmente no mundo. Há 1,5 milhão de novos casos todos os anos. Mais de um bilhão de pessoas correm risco mais iminente de infecção. A transmissão se dá pela picada do flebotomíneo conhecido como “mosquito-palha”
Considerada endêmica em 85 países, incluindo o nosso, a leishmaniose mata de 20 a 40 mil pessoas anualmente no mundo. Há 1,5 milhão de novos casos todos os anos. Mais de um bilhão de pessoas correm risco mais iminente de infecção. A transmissão se dá pela picada do flebotomíneo conhecido como “mosquito-palha”
Os pesquisadores utilizaram a leishmania amazonensis, um dos tipos encontrados no Brasil e que causa feridas por todo o corpo, para os experimentos. E pretendem em breve iniciar novos estudos, desta vez com a leishmania braziliensis, causadora de lesões irreversíveis nas mucosas da boca e nariz. “Depois de realizar essa etapa, nosso objetivo é iniciar os estudos clínicos”, revela o coordenador do estudo.
Mais eficaz e menos tóxica
A pesquisa é uma tentativa de dar novas possibilidades aos doentes, com terapias menos agressivas. “Os tratamentos tradicionais foram desenvolvidos na década de 1940 e são muito tóxicos. Podem causar graves sequelas para coração, rins e fígado, além do risco de induzir ao diabetes”, explica Tadeu Ramos, primeiro autor do artigo publicado na revista Stem Cell Research & Therapy. “São 20 dias de injeções intramusculares. Em alguns lugares, como na Índia, já há cepas resistentes aos tratamentos”, observa o pesquisador.
Em vez dos 20 dias, como é a praxe da terapia convencional, os pesquisadores fizeram aplicações ao longo de 32 dias, por dias alternados. Além de duas aplicações de células-tronco com intervalos de 7 dias entre elas. “Os camundongos com este tratamento combinado tiveram suas lesões curadas antes que as lesões dos outros animais dos grupos de controle chegassem ao tamanho máximo, além da redução drástica da carga parasitária”, revela Tadeu. “Aponta para a diminuição da toxicidade do tratamento, já que conseguimos diminuir as doses do remédio, além de aumentar a velocidade do restabelecimento da pele”, comemora o doutorando.
Especialista em células-tronco, a professora Fernanda Cruz, do Instituto de Biofísica, também assina o trabalho. “Antigamente a gente pensava que a célula-tronco podia ser utilizada só por sua capacidade de se diferenciar. Mas descobrimos ao longo dos estudos que ela possui propriedades antiinflamatórias, microbicidas, de regeneração de tecido sem deixar cicatrizes”, elenca a docente. “Ela pode ser aplicada para tratamento de diversas doenças, desde as crônicas, ligadas ao envelhecimento, até as infecciosas”, afirma a pesquisadora.
As células utilizadas no estudo foram do tipo mesenquimais, encontradas na medula, no tecido adiposo, no cordão umbilical, na placenta e até no sangue menstrual. O tratamento, porém, ainda é caro. “Tudo isso seria barateado se nosso país investisse em produção interna de biomateriais e insumos para pesquisa. Seria uma boa estratégia para tornar tratamentos como esse mais popularizados”, avalia Fernanda.
Tadeu Ramos chama atenção também para as facilidades que envolvem o uso de células do tecido adiposo. Elas podem ser retiradas do próprio paciente, de maneira mais simples se comparada a uma punção na medula óssea. Além de poderem ser extraídas a partir de gordura retirada de procedimentos estéticos, como lipoaspiração. “É um projeto que pode efetivamente mudar a vida das pessoas. Propor um tratamento alternativo a alguém que está sofrendo é muito gratificante”, finaliza. 
O orientador de Tadeu, professor Herbert Guedes, lembra que o sofrimento provocado pelas doenças negligenciadas pelos grandes laboratórios só pode ser amenizado com fortes investimentos nas universidades públicas em países em desenvolvimento. “Infelizmente são patologias que não têm aporte das grandes farmacêuticas porque não são presentes no primeiro mundo”, lamenta o professor Herbert. Trocando em miúdos, se não atinge os países ricos e nem representa risco de colapso para a economia, não há interesse na erradicação da doença. Mas não é só isso. “Depende também de vontade política e interesse dos governos locais, com fortes investimentos financeiros em pesquisas”, completa o docente. “Infelizmente, isto também não é comum”, afirma.

 O destino de um tesouro da intelectualidade brasileira preocupa acadêmicos do Rio de Janeiro. A família do professor Carlos Lessa, falecido em 5 de junho, anunciou, no fim do ano passado, a intenção de vender a biblioteca de 17 mil volumes do ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do BNDES. Amigos e admiradores de Lessa, que temem a fragmentação do acervo, querem preservar a coleção na capital carioca, de forma unificada e acessível ao público.
O destino de um tesouro da intelectualidade brasileira preocupa acadêmicos do Rio de Janeiro. A família do professor Carlos Lessa, falecido em 5 de junho, anunciou, no fim do ano passado, a intenção de vender a biblioteca de 17 mil volumes do ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do BNDES. Amigos e admiradores de Lessa, que temem a fragmentação do acervo, querem preservar a coleção na capital carioca, de forma unificada e acessível ao público. 
“Estamos precisando fazer caixa por causa da crise econômica provocada pela covid-19, a morte do meu pai e um problema de saúde da minha mãe”, explica um dos filhos do ex-reitor, o músico Rodrigo Lessa. “A gente teria alegria em doar para uma instituição, mas a situação não nos permite fazer isso”, completou.
Rodrigo explicou que, desde o início, a família tentou fazer a venda conjunta, conversando com um círculo mais próximo de amigos e conhecidos. Sem sucesso, anunciou a venda em 21 de dezembro, que poderia ser fatiada. Mas, diante do apelo de várias pessoas, recuou no dia seguinte. “Que bom que mais gente pensa como eu pensava. A ideia agora é vender a biblioteca do Carlos Lessa”, disse. A pausa na venda, porém, tem um prazo. O músico espera resolver a situação em até 45 dias. “A nossa preferência é que a biblioteca dele fique íntegra e acessível ao público. Queremos manter a memória do meu pai”, completou.
Presidente da AdUFRJ, a professora Eleonora Ziller é uma das pessoas que abraçaram a causa: “Queremos lançar uma campanha para que a biblioteca não saia do Rio de Janeiro e fique num lugar público, de acesso gratuito, mesmo que não seja na UFRJ. Mas o ideal seria ficar na universidade, onde Lessa foi professor e Reitor”, defende. “Assim que saiu a notícia, muitos reagiram contra a possível venda separada”.
O pior cenário, para Eleonora, seria o acervo sair do país. “Principalmente para os EUA, onde há sempre compradores interessados. Não é raro alguém encontrar nas bibliotecas norte-americanas livros que estão esgotados aqui. Foi assim que quase perdemos o acervo do Augusto Boal”.
Eleonora nunca viu a biblioteca do ex-reitor, mas diz que é possível se ter ideia de seu valor só pelo livro escrito por Carlos Lessa: “O Rio de Todos os Brasis”. “A bibliografia é incrível. Ele tem de tudo. Há muitas preciosidades ali”.
 Professor da Faculdade Nacional de Direito, Mauro Osório avalia a campanha pela biblioteca de forma positiva. “Acho a iniciativa maravilhosa. Com a decadência do Rio nos últimos anos, estamos perdendo algumas bibliotecas. A do Lessa é uma joia rara. Se a gente tiver meios de articular isso, será muito importante para o Rio de Janeiro”, argumenta.
Osório observa que a coleção do ex-reitor guarda muitas obras sobre a cidade. “Que é muito pouco estudada. A tradição no Rio de Janeiro é pensar o Brasil e o mundo. O Lessa era um dos poucos intelectuais que procuravam conciliar uma reflexão sobre o Brasil com uma reflexão sobre o Rio de Janeiro”, afirma. 
O professor foi agraciado pela família com a doação dos documentos de Lessa sobre o Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro. O ex-reitor ocupou o cargo de diretor-executivo do plano, durante a prefeitura de César Maia. “Sempre tive uma relação muito próxima com ele”, diz.
 O docente teve o privilégio de visitar a biblioteca uma vez, há alguns anos, para pegar um livro emprestado. Algo raramente permitido pelo colecionador. “Como biblioteca privada, a do Lessa foi a maior que eu já vi”.
BIBLIOTECA
Legado de uma vida inteira de estudos, a biblioteca tem um imóvel só para ela. Ninguém morava lá. São dois andares de uma casa no Cosme Velho. Armários e estantes de madeira ocupam todo o espaço e vão até o teto. “E o pé direito é altíssimo. Você só chega nas últimas prateleiras de escada”, descreve Rodrigo. As obras, em sua maioria, estão encadernadas.
O lugar foi organizado no início dos anos 90 para acomodar tudo que Lessa acumulava. Uma parte veio de herança do pai, Clado Lessa, e do tio, Djalma Pinto Ribeiro. Ambos intelectuais já respeitados em seu tempo. O restante surge do insaciável apetite do ex-reitor pela leitura. “Em forma, ele lia praticamente um livro por dia. Ele lia numa velocidade estonteante”, afirma o filho.
O professor emérito do Instituto de Economia vivia em sebos e livrarias, garimpando obras para sua coleção. “Ele se esbaldava em Buenos Aires, uma cidade com muitas livrarias, quando estava na Argentina”, recorda Rodrigo. 
“É uma biblioteca de humanas. O grosso da biblioteca eu diria que é história do Brasil. Cinquenta por cento ou mais trata desse tipo de assunto”, acrescenta. “Dentro de Brasil, há duas regiões que ele estudou com maior profundidade, que foram Rio de Janeiro e Minas Gerais”. Uma parte das obras traz a dedicatória do autor para Carlos Lessa. 
Mas há de tudo: política, antropologia, sociologia, filosofia, literatura brasileira, entre muitos outros temas — ainda em vida, Lessa doou o que tinha de economia para o Instituto onde trabalhou, na UFRJ. Algumas relíquias merecem destaque: uma primeira edição de Os Lusíadas, feita pela Casa de Leitura do Real Gabinete Português de Leitura e um livro do fotógrafo Marc Ferrez.
FAMÍLIA QUER TRANSCREVER PALESTRAS
Rodrigo alimenta três grandes projetos em relação à memória do pai. O primeiro é editar algumas obras dele. Em segundo lugar, quer reunir, em um grande livro, todos os artigos que Lessa produziu. “Ele escreveu sobre muita coisa: desde shopping, modernidade, urbanismo, festas brasileiras até pós-modernidade”. O terceiro, mais ambicioso, é conseguir as gravações de conferências e palestras ministradas e, em seguida, transcrever e editar o material para outro livro. “Eu penso que está ali o filé do pensamento do meu pai. As aulas dele eram verdadeiras pinturas”, explica. “Claro que, quando ele fazia um livro, sabia como apresentar o núcleo da ideia. Mas, na palestra, soltava as erudições, os cacos, as piadas. Ele gostava mais de falar do que de escrever”.
ENTREVISTA I PROFESSOR Fábio Araujo, presidente da Comissão Permanente de Pessoal Docente
 Professor do Instituto de Nutrição, Fábio Araujo preside a Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD) desde junho deste ano. Cabe à CPPD assessorar o colegiado competente ou dirigente máximo da instituição para formulação e acompanhamento da execução da política de pessoal docente. Uma das tarefas é a avaliação do desempenho para fins de progressão e promoção funcional. Nesta entrevista ao Jornal da AdUFRJ, Fábio afirma que a pandemia não interrompeu os trabalhos da comissão. “Pelo contrário, estamos trabalhando mais”. O docente também esclarece sobre recentes mudanças na legislação interna da UFRJ, como o fim das progressões múltiplas e a exigência de dez anos de doutorado para a composição das bancas de avaliação.
Professor do Instituto de Nutrição, Fábio Araujo preside a Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD) desde junho deste ano. Cabe à CPPD assessorar o colegiado competente ou dirigente máximo da instituição para formulação e acompanhamento da execução da política de pessoal docente. Uma das tarefas é a avaliação do desempenho para fins de progressão e promoção funcional. Nesta entrevista ao Jornal da AdUFRJ, Fábio afirma que a pandemia não interrompeu os trabalhos da comissão. “Pelo contrário, estamos trabalhando mais”. O docente também esclarece sobre recentes mudanças na legislação interna da UFRJ, como o fim das progressões múltiplas e a exigência de dez anos de doutorado para a composição das bancas de avaliação.
Jornal da AdUFRJ: Desde quando o senhor está na CPPD e por que aceitou a presidência da comissão?
Fábio Araujo: Entrei como representante de classe para um mandato de três anos, em 2018. Em agosto de 2019, me tornei vice-presidente. O presidente anterior, professor Luciano Coutinho, precisou sair por questões pessoais e, para a comissão continuar seus trabalhos, aceitei a função em junho deste ano.
Como a pandemia afeta o trabalho da comissão? 
A CPPD não parou com a pandemia. Nós fizemos esse esforço de não deixar as progressões pararem. Fazemos reuniões virtuais todas as terças-feiras à tarde e plantões presenciais, de 15 em 15 dias, sempre às quintas-feiras. O que mudou? Antes, a comissão trabalhava com processos físicos. Fizemos um movimento bem rápido e, a partir de maio, vários deles passaram a tramitar via SEI (Sistema Eletrônico de Informação). Começamos com os pedidos de progressão e promoção. Em julho, foram inseridos no sistema os pedidos relativos ao estágio probatório. Falta inserir no SEI os de mudança de regime de trabalho. Foi um grande avanço. Sabemos que há universidades onde os processos ficaram parados ou só agora estão fazendo a transição digital. Nos plantões presenciais, cuidamos dos processos físicos e atendemos os professores. Desde o fechamento do prédio do CCMN, onde ficava nossa sala, estamos funcionando em uma sala do gabinete da reitoria.
A nova rotina prejudicou a produtividade da comissão? 
Pelo contrário. Estamos trabalhando mais. A demanda aumentou substancialmente devido à facilidade do processo digital. O que também ajudou a crescer a produção semanal. Mas é importante que os professores acessem a “base de conhecimento”, dentro do SEI. A base apresenta o tutorial dos procedimentos.
Os docentes têm criticado a resolução nº 16/2020 do Consuni, que derrubou o dispositivo das progressões múltiplas, sem uma regra de transição. Qual sua opinião?
O Conselho Universitário atendeu à determinação do Ministério do Planejamento (agora, Ministério da Economia) que normatiza o entendimento sobre a lei nº 12.772/2012 (da carreira docente). Os órgãos de controle estavam questionando as universidades. Talvez seja uma regra dura que valha a pena mudar, a do interstício mínimo de 24 meses. Mas isso deve ser feito no Congresso Nacional.
Esta mudança está ligada a outra resolução do Consuni, a nº 17, sobre os efeitos das progressões e promoções?
Sim. Se a legislação diz que o interstício tem o mínimo de 24 meses, cada dia posterior ao período de 24 meses que o docente deixou de pedir vai se incorporando ao interstício. O governo queria que os efeitos valessem a partir do dia da decisão da banca, mas não existe controle sobre quando esta banca vai se reunir. Para assegurar o direito do docente, o Consuni decidiu que os efeitos valessem a partir da data da autuação do processo. Esse foi um movimento importante de proteção ao docente pelo Conselho Universitário, pois ele tem a possibilidade de controlar quando vai realizar o seu pedido. Além disso, a partir de uma sugestão da CPPD, o Consuni permitiu que, se o docente tiver a produção acadêmica necessária para a progressão ou promoção, possa fazer o pedido com até 60 dias de antecedência para as classes A, B, C e D (auxiliar até associado) e de até 90 dias para classe E (titular). A mesma lógica se aplica para os professores do quadro do Colégio de Aplicação.
A resolução nº 17/2020 do Consuni também determina que todos os integrantes das comissões de avaliação tenham pelo menos dez anos de doutorado. Qual é a sua avaliação sobre esta mudança?
Eu vejo como um retrocesso. A CPPD orientou que a nova resolução de estágio probatório, em 2018, permitisse que um professor adjunto C possa avaliar um adjunto A, por exemplo. Ou seja, um professor que acabou de se tornar estável pode avaliar quem está em estágio probatório. Isso foi um ganho para universidade, pois amplia a participação dos docentes que podem participar dessas comissões de avaliação. Agora vem uma mudança na resolução e impõe uma exigência que exclui várias pessoas de participar da banca. E, como não houve uma regra de transição, várias bancas já publicadas podem ter ficado irregulares no dia seguinte à publicação da resolução. Faltou pensar no impacto nas unidades, considerando suas especificidades, como aquelas que atuam em áreas novas, com pós-graduação ainda não consolidada, por exemplo. É preciso considerar a pluralidade da UFRJ enquanto instituição. Na prática, essa regra só contribui para gerar mais dificuldade para a formação das comissões de avaliação. Isso também vai sobrecarregar os professores que têm mais de dez anos de doutorado, geralmente associados e titulares, para formar as comissões.
Muitos professores reclamaram que a folha de dezembro não incorporou os processos já analisados pela CPPD no início do mês. O que houve?
Normalmente, até o fim da primeira semana de dezembro, a PR-4 incluía na folha os efeitos dos processos analisados pela CPPD. Este ano, porém, a pró-reitoria fechou a folha no SiRHU (Sistema Integrado de Recursos Humanos) em 2 de dezembro e não avisou a CPPD. A CPPD continuou atuando como sempre fazia, fizemos um esforço adicional naquela semana e enviamos tudo que chegou na sexta-feira, dia 4 de dezembro. Porém, ao contrário do que ocorria nos anos anteriores, não foram incluídos esses processos na folha de dezembro. Em função disso, os valores atrasados deste ano daqueles processos vão cair em exercícios findos.
O que isso significa?
Vou dar como exemplo um interstício de setembro. Se a PR-4 fizesse a inclusão a tempo, os valores retroativos até aquele mês constariam da folha de dezembro, que é do mesmo ano. Como não houve a inclusão, vai para a próxima folha, que já é 2021, e os exercícios anteriores não podem ser pagos diretamente. Não se sabe quando esses valores virão. Mesmo com os processos digitais, tem causado estranhamento na própria CPPD que as emissões de portarias agora têm demorado, em alguns casos, até dois meses. Antes, em processos físicos, demorava em média 15 dias. Estamos querendo entender o que está ocorrendo na estrutura de processamento das promoções e progressões docentes pela PR-4. Não era assim.
Também existe uma crítica generalizada quanto ao tempo que os professores gastam com o preenchimento do relatório para fins de progressão e promoção. Esse processo não pode ser simplificado de alguma forma? 
Todos nós queremos uma simplificação. Eu sinto a mesma dificuldade. Mas a unidade e os colegiados seguem as diretrizes gerais da Resolução Consuni nº 08/2014, que definem como o docente deve fazer seu relatório. É um ponto que está fora da alçada da CPPD. Antes, quando os processos eram físicos, não era necessária a inclusão do relatório e da documentação comprobatória. Mas, quando os processos migraram para o meio digital, o Comitê Gestor do SEI-UFRJ informou que todas as etapas e as respectivas documentações deveriam ser inseridas. A CPPD só queria os documentos obrigatórios, pois esses documentos eram analisados pelas bancas. Mas não foi possível. De outro lado, compreendemos o argumento de que, estando o relatório e a documentação comprobatória no SEI, facilitaria o trabalho da banca. Mas, sem dúvida, com o docente precisando reunir vários documentos e escanear outros vários para inserir no SEI, esta parte se tornou mais trabalhosa.
