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“Para turista ver”, dispara graduanda da Letras
Elisa Monteiro. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Luís Guilherme não dormiu em casa na noite de sábado (29 de março) para domingo com o objetivo de evitar a ocupação, pelas forças militares, da comunidade onde vive desde que nasceu: o Complexo da Maré, nas imediações do campus do Fundão da UFRJ. Estudante do Instituto de Matemática, optou por pernoitar na casa de uma amiga, na Ilha do Governador. “Só a palavra ‘operação’ já gerou uma tensão na comunidade”, disse.
Quando chegou à Nova Holanda, domingo (30) à noite, a princípio, achou “o movimento normal”, “com gente na rua”. Depois, observou duas mudanças que julga significativas. A primeira era que “não via bandidos armados como antes”. “Agora não tem mais”, relatou. “Esse aspecto pode se dizer positivo. Claro, bandido não é coisa boa”.
A outra diferença foi “um banner enorme da Sky (operadora de TV a cabo)”. “O que a gente percebe é um movimento para estimular consumo, cobrar por serviços como luz (na comunidade, há muitos ‘gatos’ – ligações clandestinas de fornecimento de energia) e coisas do tipo. Mas só cobranças, nada de direitos. Nem temos uma escola decente ou posto (de saúde) decente”, criticou.
Sobre as notícias do “mutirão de limpeza” na comunidade – amplamente celebrado pela imprensa comercial – Luis Guilherme respondeu com ceticismo: “Acontece que há uma pequena favela na favela e parece que se pretende desmontá-la e remover essas pessoas ainda mais pobres”.
Para o jovem, o otimismo da comunidade em relação à ação militar é parcial: “Às vezes, a pessoa tem uma visão positiva porque não conhece ninguém que sofreu constrangimento e violência”. Ele, que dá aulas de inglês em um curso preparatório para concursos, conta que relatos de abusos são comuns entre seus estudantes: “Tenho uma aluna que acordou com os cães de policiais subindo a cama de manhã. Outro disse que, no dia da invasão, saiu para ver tanque. Essas coisas mexem com as crianças. Uma coisa é um bandido armado; outra é uma polícia do Estado, que devia te proteger, altamente armado”.
Além disso, há uma preocupação com “outras violências”, “até piores do que droga e arma”. Como exemplo, Guilherme cita o aumento de registro de estupros como se viu “em outras pacificações como a da Rocinha e do Cantagalo”.
Maquiagem
Já para Adriana Kairos, graduanda da Faculdade de Letras, a “pacificação da Maré é para turista ver”. A jovem, que mora ainda perto da Avenida Brasil, assistiu à entrada das tropas pela manhã e passou a acompanhar a ação pelos amigos que moram mais perto “do olho do furacão” pela internet, via redes sociais. Segundo sua avaliação, depois da Copa e das Olimpíadas, as Forças Armadas saem de cena e o tráfico volta. “Na verdade, nunca saíram. Só não estão mais mostrando armas nas ruas”. Para ela, logo depois da ocupação, já sobraram poucos militares “fazendo figuração” nos acessos da comunidade.
“Muito se fala que a operação durou apenas 15 minutos, mas se esquecem que estão aqui na porta de casa há pelo menos uma semana”. Adriana está de acordo com Guilherme e avalia que a falta de informação e formação faz com que “alguns acreditem que (a ocupação) possa ser algo benéfico”. “Mas, para a maioria mesmo, a invasão não é uma coisa feliz”, disse em seguida. Em sua visão, a “naturalização da violência, no convívio das duas forças que mandam na comunidade (polícia e tráfico)” contribui para que a presença militar seja lida como algo habitual. Adriana questionou ainda a forma como o tema foi abordado pela mídia, “como um espetáculo”. “Parecia um circo”, atacou.
Mandado coletivo preocupa
Mesmo entre os que fazem uma avaliação esperançosa sobre a ação militar, conforme o estudante Valdiney Silva, também do Instituto de Matemática, a liberação judicial para que a polícia reviste a casa de todos os moradores da comunidade é unanimemente rechaçada: “Isso não tem como achar certo, invade a privacidade das pessoas”, disse.
Evento organizado pela Comissão da Verdade da UFRJ e pelo IFCS, no dia 1º de abril, recorda os impactos da ditadura na universidade. Porém, também destaca a violência do Estado na atualidade
Dois ex-presos políticos dão seus depoimentos
Silvana Sá. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Uma cerimônia no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, não por acaso em 1º de abril, data do golpe militar de 1964, abriu o Ano da Memória e da Verdade da UFRJ – conforme decisão da última sessão do Conselho Universitário (veja quadro).
Anfitrião, o diretor do IFCS, Marco Aurélio Santana, citou a necessidade de “significar” e “ressignificar” o passado: “A história precisa ser posta em perspectiva, o passado precisa ser reconstruído. Estamos ‘descomemorando’ o golpe, mas também celebrando a resistência. O IFCS é um lugar simbólico porque foi uma das unidades da UFRJ mais duramente atingidas na ditadura. Mas é símbolo também da resistência de hoje, como vimos em junho passado”, falou, em referência aos estudantes e demais ativistas que se abrigaram no prédio, acuados pela polícia, após as gigantescas manifestações de 2013.
Representante do DCE Mário Prata, Tadeu Alencar também destacou a resistência atual, especialmente em 2014, considerado um ano emblemático pelas lutas que são e serão travadas contra o capital e os megaeventos: “Cinquenta anos depois do golpe militar, a gente se depara com um cenário de repressão. Estamos começando a ver o que é um Estado repressor. Não é só a democracia formal, com direito a voto, que garante a liberdade”.
“Transição vergonhosa”
“Vivíamos em 1964 uma situação pré-revolucionária. Não era somente uma ascensão das massas”, defendeu Carlos Vainer, coordenador do Fórum de Ciência e Cultura e presidente da Comissão da Memória e Verdade da UFRJ.
O professor afirmou que esta foi a razão do golpe militar. “Vivemos uma profunda derrota. Os democratas brasileiros, ontem, como hoje, mostram que têm medo do povo. Façamos uma lista dos democratas que impediram que a ditadura fosse derrubada através de um processo de eleições diretas e pactuaram uma transição vergonhosa que ainda hoje submete o nosso presente aos fantasmas do passado”, desabafou.
José Maurício Gradel e Jean Marc Von der Weid Fotos: Marco Fernandes - 01/04/2014Jean Marc Von der Weid, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1969, e um dos convidados do evento no IFCS, falou sobre os anos de chumbo. Jean Marc tinha 18 anos quando entrou na UFRJ, em 1964. Presidente do CA de Química nos anos de 1967 e 1968, contou que permaneceu preso seis meses após assumir a direção da UNE, aos 23 anos. “Fiquei preso até 1971, até ser banido do Brasil. Retornei com a anistia, em 1979”.Leia mais: 50 anos do golpe: a resistência da universidade ontem e hoje
Ato, em 31 de março, lembrou a resistência da Faculdade Nacional de Direito à ditadura civil-militar
Cinco professores da FND foram cassados pelo regime
Silvana Sá. Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Há 50 anos, na noite de 31 de março de 1964, estudantes e professores faziam vigília na Faculdade Nacional de Direito. Corria a notícia que o prédio seria invadido pelas forças retrógradas que começavam a tomar o país. “Fizemos uma vigília cívica, pois diziam que o CCC (Comando de Caça aos Comunistas) iria botar fogo e atacar a faculdade, o que acabou acontecendo na sede da UNE”, descreve relato de Técio Lins e Silva, então diretor do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (CACO). O receio da comunidade universitária confirmou-se com um ataque na manhã do dia seguinte. E um massacre só foi evitado pela ação inesperada de uma tropa do Exército antigolpista liderada pelo então capitão Ivan Proença, posteriormente preso pela ditadura.
O texto de Lins e Silva foi lido pela professora Luciana Boiteux, 1ª vice-presidente da Adufrj-SSind, durante atividade na própria FND, em 31 de março último, que lembrou os impactos da ditadura civil-militar naquela Unidade (eventos semelhantes deverão ocorrer em outros locais da UFRJ, ainda em abril. O próximo está marcado para o dia 8, 11h, no Teatro de Arena do CCS, na Ilha do Fundão).
A dirigente citou, ainda, o professor Heleno Cláudio Fragoso, docente da FND e advogado de presos políticos naquele período obscuro da história do país: “Por exercer sua função social como advogado, foi preso. Ele foi também expulso da FND por suas convicções políticas. Reconstruir essa memória é muito importante para entendermos o que acontece. É um momento de fomentar a busca da verdade”, disse Luciana. Além de Heleno, também foram cassados da FND os professores: Evaristo de Moraes Filho, Francisco Mangabeira, Hermes Lima e Max da Costa Santos.
Repressão ontem e hoje
Cláudio Ribeiro, presidente da Seção Sindical, traçou um paralelo entre as repressões vividas na ditadura e na democracia: “Se este lugar foi palco de resistência em 1964, devemos nos lembrar que, em junho do ano passado, também houve estudantes presos aqui sem poder sair. Aqui e no IFCS. Temos de saber o significado do Golpe de 1964 e seus reflexos na nossa vida cotidiana. O que aconteceu e não pode novamente acontecer?”, questionou. O professor afirmou que a universidade hoje é pior do que deveria ser devido aos efeitos do golpe. “A gente tem que debater e reafirmar o tempo todo a importância da representação estudantil, por exemplo. Porque, quando a universidade caminhava para uma atuação mais aberta, houve uma ruptura”.
Pela gestão atual do CACO, falou Leonardo Guimarães. O estudante chamou atenção para o autoritarismo ainda presente no país. “Esse debate é fundamental e não é só saudosista”. Como exemplo, ele mencionou a gestão de Armênio Cruz (diretor da FND indicado pelo interventor José Vilhena), encerrada há apenas dez anos.
Maria Leão, em nome do DCE Mário Prata, lembrou as mulheres que fizeram parte da resistência: “É muito simbólico termos os nomes dessas mulheres aqui atrás (fazendo referência a um varal de fotos e nomes de estudantes da UFRJ mortas e desaparecidas na ditadura). Ao longo da história, ficamos com os papeis de enfermeiras, de companheiras, mas pouco se fala das mulheres que resistiram e morreram”. Maria citou a criminalização da pobreza como a nova face da repressão: “É simbólico discutirmos o dia que durou 21 anos, mas é preciso lembrar que a polícia hoje não mata estudante e professor, mas mata pobre nas favelas. O Exército mata índio”.
Além das entidades organizadoras do evento (Adufrj-SSind, DCE Mário Prata, CACO e Coletivo de Mulheres da UFRJ), também participaram do ato: a Associação de Pós-Graduandos da UFRJ (APG), o Coletivo Direito de Resistência, Sintufrj, Levante Popular da Juventude, Assembleia Nacional de Estudantes Livre (Anel) e União Nacional de Estudantes (UNE).
O horror da tortura
Depoimento sobre o pesadelo no interior do DOI-Codi
Ainda na atividade de 31 de março, pelo Coletivo de Mulheres da UFRJ, a estudante Ingrid Figueiredo leu parte do depoimento da cineasta Lúcia Murat dado à Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, em maio de 2013: “(...) Quando cheguei no DOI-Codi, não sabia onde estava, só fui descobrir mais tarde, que era o quartel do Exercito localizado na Rua Barão de Mesquita, que existe até hoje. Rapidamente me levaram para a sala de tortura. Fiquei nua, mas não lembro como a roupa foi tirada. A brutalidade do que se passa a partir daí confunde um pouco a minha memória. Lembro como se fossem flashes, sem continuidade. De um momento para outro, estava nua apanhando no chão. Logo em seguida me levantaram no pau de arara e começaram com os choques. Amarraram a ponta de um dos fios no dedo do meu pé enquanto a outra ficava passeando... Nos seios, na vagina, na boca. Quando começaram a jogar água, estava desesperada e achei num primeiro momento que era para aliviar a dor. Logo em seguida, os choques recomeçavam muito mais fortes. Percebi que a água era para aumentar a força dos choques”.
DITADURA NUNCA MAIS!
A Adufrj-SSind instalou no dia 31 de março duas faixas que reproduzem, em menor escala, o mais novo outdoor (abaixo) da Seção Sindical. Uma na fachada da Faculdade Nacional de Direito (foto à dir.) e outra no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. A arte, que marca os 50 anos do Golpe de 1964, é resultado do Grupo de Trabalho de Comunicação e Artes da Seção Sindical. O painel, afixado na lateral do ex-Canecão, foi ilustrado por Martha Werneck e Licius Bossolan, da EBA-UFRJ (na edição anterior, noticiou-se erradamente que a imagem teria sido feita apenas pela professora Martha). A obra, desta vez, envolveu também Elídio Borges Marques, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos. Ele é um dos integrantes da Comissão da Verdade do Andes-SN.
Foto: Marco Fernandes - 31/03/2014
Resgate do sonho
Cinquenta anos depois, Maria de Fátima Pimentel Lins conseguiu concluir seu curso de Serviço Social. O sonho, iniciado em Recife e brutalmente interrompido pela ditadura civil-militar, foi realizado no auditório do CFCH, em 2 de abril. Faltava apenas terminar a monografia. O pedido foi feito à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Em 1964, Maria de Fátima, que era engajada em movimentos da juventude católica (que tinham por base a teologia da libertação), terminaria a faculdade e se casaria no fim daquele ano. Com o Golpe, casou-se por procuração e foi para São Paulo. Depois, ela e o marido, também perseguido político, seguiram para o exílio em Paris e na Argélia fugindo da polícia da ditadura. A formatura recém-conquistada foi também a oportunidade de a ESS homenagear essa mulher que interrompeu sua história em nome de uma causa: a liberdade.
Durante discussão do parecer do relator, na comissão especial da Câmara, aluno transmite seu recado. Foto: Gabriela Korossy/Câmara dos Deputados – 02/04/2014Leia mais: Estudante conclui curso de Serviço Social, sonho interrompido pela ditadura