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Beatriz Coutinho

WhatsApp Image 2022 01 21 at 19.24.55 1NO TABULEIRO Os doutorandos Daniela Rodrigues e Pedro Henrique jogam o ScreenerÉ por meio do Screener que o professor François Noël, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB-UFRJ), leciona para seus doutorandos da pós-graduação em Farmacologia e Química Medicinal sobre a descoberta de novos fármacos. Produto de um time multidisciplinar da UFRJ, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) e pela Fiocruz, o Screener é um jogo de tabuleiro chancelado pela Sociedade Brasileira de Farmacologia e Terapêutica Experimental (SBFTE). Seu objetivo é facilitar o aprendizado do complexo processo de desenvolvimento de novos fármacos. A ideia veio de um antigo jogo de tabuleiro, recebido por François de uma colega australiana.
“É um guia de aula”, descreve o professor Geraldo Xexéo, coordenador do Laboratório de Ludologia, Engenharia e Simulação (Ludes) da Coppe-UFRJ e desenvolvedor do Screener. Depois de ordenar rigidamente as etapas, o jogo foi elaborado para garantir ao aluno autonomia no aprendizado e engajamento nas aulas. Todas as cartas de tarefa, por exemplo, contam com um QR Code que possibilita o acesso a informações complementares. “Essa foi a grande sacada de ter descoberto o Xexéo dentro da Coppe”, brinca o professor François, que organizou todo o conteúdo técnico do jogo. “Tirar a necessidade de um professor para comentar todas as etapas do processo”.
Desenvolvido durante a pandemia e lançado no Congresso da SBFTE, em 17 de novembro passado, o Screener levou um ano e meio para ficar pronto. “Deu tempo de amadurecer os detalhes”, defende François. Cada um desses detalhes foi pensado para agregar significado e conhecimento aos alunos. Não há lacunas para interpretações erradas, já que sua construção “não pôde ter licença poética”, segundo Xexéo. A meta é levar o jogo para além dos muros da UFRJ: 45 caixas serão doadas para programas nacionais de pós-graduação em Farmacologia e áreas afins que demonstraram interesse.

MULTIDISCIPLINARIEDADE
O Screener é produto de esforço multidisciplinar da UFRJ. Trabalharam nele três unidades: a Coppe, o Instituto de Ciências Biomédicas e a Escola de Belas Artes (EBA). Para o professor Geraldo Xexéo, isso representa uma integração horizontal e vertical da universidade. “Temos nós, professores, temos alunos de doutorado, mestrado e da graduação. Quando nos sentamos pra conversar, um fica ensinando ao outro”, conta, orgulhoso. “Isso mostra que a UFRJ pode fazer coisas em conjunto, cada um com seu conhecimento”.
A pluralidade se reflete no jogo. “Homem branco vemos em todos os lugares”, explica Aimêe Mothé, autora de todas as artes do Screener. Foi ela quem idealizou as características dos personagens nas cartas de poder. “Eu queria fazer pessoas diferentes, com etnias diferentes, para mostrar diversidade”, frisa a estudante de Comunicação Visual, que pensou em dar protagonismo a mulheres e a pessoas não brancas. “Na carta de espionagem, eu queria fugir do padrão de homem TI (técnico em informática), e na do investidor coloquei um homem negro”, exemplifica.
“Não estamos forçando a barra. As mulheres que estão no jogo são Prêmio Nobel”, reconhece o professor François, apontando para as cientistas Gertrude Belle Elion e Youyou Tu, ilustradas nas cédulas. Elion e Tu contam com um pequeno resumo de suas pesquisas e conquistas no livro-guia do Screener. Bioquímica norte-americana, Elion conquistou o Nobel de Medicina de 1988 pelo desenvolvimento de medicamentos para doenças como a gota e a leucemia. Já a farmacóloga chinesa Youyou Tu foi agraciada com o Nobel de Medicina de 2015 por seu trabalho no combate à malária.
Para além da pluralidade de seus personagens, o jogo busca também acessibilidade para seus jogadores. “Nada se apoia somente nas cores. Criei símbolos, grafismos e desenhos em cada carta para facilitar a identificação”, comenta Aimêe, que pensou nos possíveis jogadores com daltonismo. “A paleta de cores também é tratada para resolver a maioria dos problemas de uma pessoa daltônica”, conclui o professor Geraldo Xexéo.

AS EXPERIÊNCIAS DE QUEM JOGOU
“Perdi feio, feio. Fui a que mais perdi”, brinca a doutoranda Daniela Rodrigues, uma das alunas que participou de um jogo-teste, ainda em preto e branco, realizado em maio do ano passado. Depois da aferição da temperatura, munidos de máscara e face shield, seis estudantes sentaram em círculo para jogar o Screener. “É uma forma gostosa de assimilar conhecimento. Não é porque você perde que você deixa de ganhar pela experiência”, completa. A doutoranda já vinha de um curso da Fiocruz de Pesquisa Clínica e garante que a nova dinâmica fez diferença: “Alguns dos conhecimentos que adquiri nesse curso foram reforçados pela disciplina”.
“Surpreendente” foi a palavra escolhida pelo estudante Pedro Henrique para resumir a experiência em sala. Ele conta que estranhou no começo a ideia de ter um jogo de tabuleiro como parte da disciplina. “Não imaginava porém que um jogo educativo pudesse se tornar, em pouco tempo, tão competitivo e divertido”, reconhece. Pedro, que é a favor de métodos “alternativos” para aprendizagem, relata que aprendeu muito com o jogo e com seus colegas de classe. As lacunas eram preenchidas pelo professor e pelos QR codes das cartas. E se para ser o ganhador era necessário coletar mais cartas de tarefas, Pedro conclui: “Consegui os dois”, brinca.

OS PRÓXIMOS PASSOS
E se o conhecimento de desenvolvimento de novos fármacos saísse das salas da pós? Bom, o DiscoveriX pode ser a resposta. “Ele não é um jogo com o mesmo nível de profundidade do Screener”, salienta o professor François. Os professores explicam que o DiscoveriX, diferente do Screener, além de ser digital, teria uma linguagem mais simplificada, porque tem o público infanto-juvenil e pessoas leigas como alvo.
“Seriam as mesmas quantidades de etapas do jogo de tabuleiro”, observa o professor Xexéo. Ele explica que é difícil transformar um jogo educacional em um jogo de ação. “Não podemos correr o risco de, quando simplificar, algo ficar errado”, alerta. Ele conta que a animação para a continuidade do projeto veio após os debates das vacinas. “Tornou-se importante mostrar como essas pesquisas são feitas”, explica o professor da Coppe. O DiscoveriX está programado para sair em outubro desse ano, no Congresso SBGames.

WhatsApp Image 2022 01 21 at 19.25.47Jogo de tabuleiro:  até 6 jogadores

Mapa do Processo: indica quais são as sete etapas que compõem as fases do processo, que se iniciam a partir da eficiência do fármaco e terminam com a sua segurança. São 29 fases, representadas em cartas de tarefas, e duas cartas da FDA (Food And Drug Administration).

Cartas FDA/Início: São duas. Marcam a posição inicial dos jogadores. A carta FDA-IND (Investigational New Drug Application) deve ser buscada quando a última carta de tarefa da etapa 4 for comprada. A carta da FDA-NDA (New Drug Application) deve ser buscada quando a última carta de tarefa da etapa 7 for comprada.

Cartas de tarefa: São 29. Apresentam quatro cores e ícones diferentes: vermelho (segurança); azul (farmacocinética); amarelo (desenvolvimento farmacêutico); verde (eficácia). Indicam a tarefa que foi concluída e a qual etapa pertence no processo. Apresentam QR Code.

Carta de Bônus/Revés: São 58. Descrevem evento que ocorreu na etapa do processo. Indicam qual consequência o evento apresenta no jogo. São retiradas toda vez que o jogador tira o número 6 no dado.

Cartas de poder: São seis. Distribuídas de forma aleatória e sigilosa no início do jogo, uma por jogador. Podem ser usadas uma única vez. Os personagens são: Investidor, Espionagem Industrial, Advocacia-Patentes, Cientista excepcional, Rede de Contatos e Marketing.

Cédulas (ISBEF): Usadas para comprar as cartas de tarefas e indicar o ganhador, num possível empate. Estampadas por quatro grandes nomes da farmacologia: Sérgio Henrique Ferreira, Gertrude Belle Elion, Youyou Tu e Paul Ehrlich.

Chatons de acrílico: Indicam o número total de cartas adquiridas. São recebidos um por vez, quando um jogador adquire uma carta de tarefa. Fator determinante para indicar o ganhador.

COMO JOGAR:
Distribua as cartas de tarefas no tabuleiro com o verso para cima. O jogo começa na etapa 1. Lance o dado e ande a quantidade determinada, na vertical ou horizontal. Compre a carta determinada ou, caso não tenha dinheiro, fique uma rodada parado. Se parar numa carta de tarefa que não seja da vez, receber dinheiro do banco, como um investimento. Discuta a carta comprada com os jogadores e o professor.
Passe a vez para o próximo jogador.

Objetivo: ter o novo medicamento aprovado pela agência reguladora (Food and Drug Administration-FDA).
Para isso, ganhará o jogador que coletar mais cartas (de tarefa e/ou FDA) ou, em caso de empate, o jogador que tiver mais dinheiro. Fonte: Manual de Regras, Screener

WhatsApp Image 2022 01 18 at 17.31.50Dani Ramos/DivulgaçãoHistoriadores e servidores alertam sobre uma preocupante política de desmonte do Arquivo Nacional, uma das instituições mais antigas do país. Gestores sem ligação com a área, problemas de infraestrutura e de pessoal e um polêmico decreto do governo Bolsonaro estariam comprometendo as atividades do órgão federal que acabou de completar 184 anos de fundação.
“A rotina do Arquivo Nacional é muito especializada. Demanda pessoal muito qualificado. Preocupa que os trabalhos não estejam sendo bem-feitos”, argumenta Carlos Fico, professor titular de História do Brasil do Instituto de História da UFRJ, em relação aos diretores nomeados pelo governo Bolsonaro — o atual, Ricardo Borda d’Água, que tomou posse no cargo em novembro do ano passado, era chefe de segurança do Banco do Brasil. Atirador esportivo, Borda já foi reconhecido como “colaborador emérito” do Exército.
O estreito vínculo entre o governo e os militares também cria desconfiança em relação à guarda do imenso acervo documental da ditadura militar brasileira, armazenado nas unidades do Rio e de Brasília do Arquivo Nacional. “Como se não bastasse, há o problema ideológico”, continua Fico. “É muito preocupante que gente tão retrógrada e reacionária esteja à frente do Arquivo Nacional”, completa.
O professor do Instituto de História fala com a experiência de quem frequentou o Arquivo Nacional a “vida inteira”, com exceção do recente período de pandemia. Foi naquela instituição, ainda nos anos 90, com a ajuda de uma amiga arquivista já falecida, Maria Odila Fonseca, que o docente teve a chance de pesquisar o primeiro grande acervo até então secreto da ditadura. “Fui o primeiro historiador brasileiro a fazer um livro — “Como Eles Agiam” (Editora Record, 2001) — sobre os órgãos de repressão da ditadura militar. Tive essa honra graças a uma arquivista”, lembra.
O receio com o viés ideológico implantado na instituição ultrapassa a gestão dos documentos. Fico observa que um concurso de monografias com base em fontes documentais do período do regime militar no Brasil deveria premiar os vencedores com a publicação dos trabalhos em formato de livro, o que não ocorreu na última edição. E já se passaram mais de três anos desde o resultado do prêmio Memórias Reveladas, em setembro de 2018. “Vemos que não há boa vontade da atual direção do Arquivo em relação a esse projeto”, afirma Fico.

DOCUMENTOS SOB RISCO
Outro componente da crise é o decreto nº 10.148, de 2019, assinado pelo então ministro da Justiça Sérgio Moro. “Ao Arquivo Nacional, cabe a consolidação dos procedimentos arquivísticos na administração pública, desde a produção até o descarte. Bolsonaro e Moro mudaram isso”, explica Jessie Jane, professora aposentada do Instituto de História. “O decreto mudou parte do decreto anterior, naquilo que fiz respeito à supervisão do Arquivo Nacional em relação aos documentos a serem descartados. Entenderam que permaneciam necessárias apenas as normas já definidas pelo Arquivo a serem aplicadas pelo próprio órgão produtor do documento”.
A medida, aparentemente burocrática, pode evitar que documentos importantes para futuras pesquisas sobre o governo Bolsonaro sejam eliminados, de acordo com a docente. “Imagine isso no Ministério do Ambiente. Imagine isso no ministério da Damares (Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos). Imagine isso nas empresas estatais que estão sendo dilapidadas. É muito grave”, critica Jessie, que já dirigiu o Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, de 1999 a 2002.

SEM REAJUSTE
E SEM CONCURSO
Internamente, os técnicos do Arquivo também estão preocupados com os rumos da instituição. “A principal preocupação é que ocorra no Arquivo o que já aconteceu em diversos órgãos da administração pública federal, como Ibama, Casa de Rui Barbosa e Funai: um esvaziamento e um desmonte do órgão”, desabafa Eduardo Lima, presidente da Associação Nacional dos Servidores do Arquivo Nacional.
A entidade realizou uma reunião com o diretor do Arquivo após a exoneração e remanejamento de servidores que ocupavam cargos de direção, no fim do ano passado. Existe a suposição de que as mudanças ocorreram após os profissionais expressarem preocupações com a política institucional. “A direção se defendeu das acusações, afirmando que o Arquivo passa por um processo de mudanças administrativas e que essas mudanças continuarão acontecendo”, disse Eduardo.
Os funcionários cobram reposição da inflação desde 2015, último ano em tiveram reajuste, e mais concursos. Atualmente, parte do quadro de pessoal é preenchida por servidores cedidos de outros órgãos federais. “Outra reivindicação dos servidores é a adoção de critérios democráticos para eleição do diretor-geral. Isso eliminaria uma série de problemas que o órgão vem tendo com indicações de pessoas que pouco têm a ver com a área”, acrescenta o dirigente da associação.
Mas os problemas não são apenas de ordem política. “Nesse momento, o Arquivo está com um problema no ar-condicionado central do conjunto tombado (o prédio foi tombado pelo IPHAN em 1938). Além de afetar a saúde dos servidores que têm que trabalhar nesse calor carioca, afeta também o acervo que fica exposto a uma maior proliferação de fungos. Até agora o problema não foi solucionado”, diz Eduardo. A previsão do conserto é até o fim do mês.

RESPOSTA DO GOVERNO
Em um longo comunicado disponível no site do Arquivo Nacional (AN), a diretoria se defende das críticas. Diz que as mudanças dos últimos anos fazem parte de “um amplo processo de aprimoramento institucional para o efetivo cumprimento de suas competências legais”. E que “seus projetos e ações estão previstos e detalhados no seu Planejamento Estratégico Setorial para o período 2020-2023”.
A direção também nega que o decreto do governo Bolsonaro de 2019 “abra caminho para a eliminação indiscriminada de documentos públicos e incorra no esvaziamento das competências” do Arquivo Nacional. De acordo com o comunicado, as regras visam aprimorar as atividades de gestão de documentos. “E tudo isso, evidentemente, sem prejuízo de salvaguardas contra a eliminação de documentos de valor histórico, probatório ou informativo”, acrescenta um trecho. Também informa que o orçamento do órgão vem sendo ampliado, apesar de todo o cenário de restrição fiscal. “Para 2022, o orçamento será 9% maior em relação a 2021, chegando a R$ 31,1 milhões”.
Até o fechamento desta edição, a assessoria de imprensa do órgão não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre as demais críticas apresentadas pelos professores e pela associação local dos servidores.

184 ANOS DE HISTÓRIA

Criado em 2 de janeiro de 1838 como Arquivo Público do Império, o Arquivo Nacional atua na gestão dos documentos produzidos em todos os órgãos federais e exerce a função de salvaguarda de importantes acervos da história do país.
Com unidades no Rio e em Brasília, o órgão guarda milhões de documentos, fotografias, desenhos, mapas, filmes e registros sonoros. Entre eles, alguns “tesouros”, como os originais da Constituição de 1824, da Lei Áurea e da sentença proferida contra os líderes da Conjuração Mineira de 1792.
A sede, no Rio, fica em um prédio construído em estilo neoclássico e tombado em 1938 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, nas proximidades da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.

WhatsApp Image 2022 01 21 at 19.24.53Durante as celebrações do 8 de março do ano passado, associações e sindicatos docentes — a AdUFRJ, entre eles — reunidos no Observatório do Conhecimento projetaram mensagens sobre as mulheres na Ciência em pontos do Rio e de outras cidades do Brasil. As projeções foram filmadas, e o resultado do trabalho é um vídeo de quatro minutos embalado pela música “Dentro de cada um”, interpretada por Elza Soares. Fica aqui nossa pequena homenagem à grande cantora que nos deixou esta semana: bit.ly/ElzaSoaresAdUFRJ.

WhatsApp Image 2022 01 21 at 19.24.54 2O fluxo de pesquisadores brasileiros qualificados que deixam o país é maior do que daqueles que regressam do exterior. A debandada de cientistas, percebida intuitivamente pela comunidade universitária, é confirmada por um estudo preliminar do Observatório de Ciência, Tecnologia e Inovação (OCTI), do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). “A evolução de coautores que saem do Brasil e passam a assinar artigos com a filiação no exterior é maior do que a evolução de brasileiros com a filiação no exterior que passam a coautorar artigos com a filiação no Brasil”, explicou Márcio de Miranda Santos, diretor-presidente do CGEE.
Driblando as dificuldades para a produção de dados sobre a fuga de cérebros, o observatório acompanha as mudanças na identificação de artigos científicos de brasileiros, atualmente indexados na Web of Science. A plataforma internacional e multidisciplinar abrange uma amostragem de 1 milhão e 135 mil coautores brasileiros, responsáveis por 424 mil artigos publicados entre 2015 e 2020.
A preocupação em relação à evasão de mestres e de doutores mobilizou o painel “Fico ou Não Fico? Eis a questão. Jovens cientistas no Brasil de hoje”, promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), no último dia 10. O título da mesa da SBPC faz alusão à decisão do príncipe regente D. Pedro I em permanecer e emancipar o Brasil de Portugal em 1822. O evento abre a agenda de comemorações da SBPC pelo bicentenário da Independência.
Foi durante o encontro virtual que o diretor-presidente do CGEE observou que “embora não seja possível precisar os números ainda”, é seguro afirmar que o saldo negativo entre pesquisadores qualificados que partem e os que retornam ao país “é uma grande tendência”. O quadro ganhou contorno a partir do depoimento de quatro jovens que abordaram diferentes nuances da falta de perspectiva profissional hoje no Brasil.

“Está difícil fazer planos”
“Como fazer planos se a gente não tem uma estabilidade política e econômica?”, questionou Helena Russo, do Instituto de Química da Unesp Araraquara (IQAr). Com as malas prontas para um pós-doutorado na Universidade da Califórnia, em San Diego (Estados Unidos), a pesquisadora diz que seu horizonte era desenvolver uma linha de pesquisa própria no país, depois da temporada fora. “Eu penso, sim, em voltar e ficar no Brasil. Mas isso vai depender muito da situação em que o país vai se encontrar daqui a três, quatro, cinco anos. Infelizmente, se não houver muitas oportunidades aqui e eu conseguir algo no exterior [migrar definitivamente] é uma realidade”, pontuou.

“Fiquei em um limbo sem bolsa. Logo depois, acabei engravidando”
A paixão pela Ciência mobiliza Patrícia Cortelo, formada em Química, desde cedo. “O bichinho da Ciência me picou durante o primeiro experimento na escola. Desde ali, pensei: vou ser cientista”, contou. Tudo ia bem na trajetória acadêmica, até que, em meados de 2015, ela percebeu uma rápida decadência no quadro. “Eu comecei a sentir a escassez de bolsa, a escassez de oportunidade”, lembrou. Depois do doutorado na Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, ela voltou para o país para aplicar o conhecimento lá adquirido, mas não teve sucesso. “Fiquei em um limbo sem bolsa. Logo depois, acabei engravidando do meu filho e dei uma pausa na minha carreira. Deixei-a de lado e fui vivenciar a minha maternidade”.

“Não havia vagas nem para professor nem para pesquisador”
Por incrível que pareça, Raul Lopes está em um pós-doutorado na Université Paris Dauphine, na França, por falta de opção. Depois que concluiu o doutorado na área de Algoritmos, pela Ciência da Computação, o jovem pesquisador se deparou com o dilema: “E agora, o que vai ser da minha vida profissional?”. “Infelizmente, eu tenho contas a pagar”, brincou ele enquanto fazia seu testemunho pessoal. “Eu me vi em uma situação em que não havia vagas nem para professor nem para pesquisador em universidade federais e estaduais perto de mim”, contou. A única alternativa foi concorrer fora. E completou: “Considero isso uma pena, porque, fazendo aqui uma conta rápida, o Brasil gastou muito dinheiro na minha formação”.

Fora: contratos temporários e subalternidade
O tema soberania científica tem tudo a ver com a trajetória de Vinicius Kaue. O doutor em Antropologia dedica-se à análise das estratégias da Índia para aproveitar a presença de seus cientistas na Europa. Para ele, o modelo indiano acerta ao investir na consolidação de redes de colaboração globais que beneficiem o país de origem — e não focar no retorno do pesquisador. Kaue considera que as regras rígidas das universidades e das agências de fomento brasileiras desestimulam o regresso. Por outro lado, desmistifica a noção idílica de viver fora: “A perspectiva de ficar na Europa implica contratos temporários sem fim, durante muitos anos. E em uma posição muitas vezes de subalternidade por ser brasileiro ou latino-americano”.

Olho no amanhã
Entidades científicas expressam apreensão em relação à desvalorização da produção acadêmica nacional. “É claro que a Ciência é altamente internacionalizada, mas isso não substitui o fato de que é fundamental termos pesquisadores e institutos de pesquisa com recursos para trabalhar”, avaliou o presidente de honra da SBPC e docente da UFRJ, Ildeu Moreira.
Entre os aspectos que agravam o desinteresse de jovens pesquisadores em manter-se no Brasil, a pesquisadora Jaqueline Godoy Mesquita (UnB e ABC) destacou os cortes orçamentários radicais para bolsas e fomento. Mas ela incluiu na lista de “fatores desfavoráveis” o clima hostil à Ciência, negacionista, hoje forte no país.
O presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, é ainda mais duro na crítica à ordem de prioridades políticas do momento. “É muito esquisito você pensar que, aos 14 e 15 anos, um aluno de escola militar já está contando seu tempo para aposentadoria. De modo que temos oficiais generais que antes dos 50 anos já estão aposentados, com vencimentos integrais, reajustados e aumentados, nos últimos anos, em termos reais, enquanto muitos doutores estão com 30 anos e ainda não têm emprego fixo. Estão vivendo com bolsa e pós-doc”, comparou.

WhatsApp Image 2022 01 14 at 17.21.01MAYRA GOULART
Vice-presidente da AdUFRJ, professora de Ciência Política e de yoguini

Coluna publicada quinzenalmente no Jornal da AdUFRJ

Um novo ano começa. É um momento propício para renovarmos nosso sankalpa, termo que, em sânscrito, significa resolução pessoal, intenção, construção mental ou propósito. O sistema do Yoga, como o budismo, possui uma orientação experimental. Por essa razão, sua doutrina não se apresenta como conjunto de postulados ou princípios abstratos, mas como indicações para serem postas em prática e, subsequentemente, avaliadas por cada indivíduo, livre para julgar se elas estão ou não contribuindo para a redução do seu sofrimento.

Sob esta perspectiva, o sankalpa se apresenta como uma técnica que consiste na visualização e reafirmação de um propósito, a ser realizada antes, durante ou depois dos momentos de prática e reflexão pessoal. Tal mentalização pode, ou não, implicar em vocalização. Caso seja vocalizado, o sankalpa funcionaria de modo análogo a um mantra, combinações de sons emitidos repetidamente para a concentração da mente e canalização da energia.
Assim como o Yoga de maneira geral, esta técnica pode ser compreendida de modo mais ou menos místico, ou seja, seu entendimento pode ser modulado conforme o grau de ceticismo do praticante. Digo isso porque esta professora que vos fala é particularmente cética.

WhatsApp Image 2022 01 14 at 17.19.55Simplificando. Para aqueles que acreditam que o mundo é feito de energia, a ideia é que, quando canalizamos nossa energia mental para um foco, teríamos uma maior capacidade de influir no conjunto de energias que nos circundam. Para aqueles que não acreditam em energia, o sankalpa pode ser compreendido como uma técnica de reforço dos propósitos internos que pode auxiliar a evitar eventuais mecanismos de fuga, negação e autossabotagem.

O estabelecimento do sankalpa é completamente individual, embora o professor possa dar algumas orientações. A minha sugestão é uma frase pequena e simples, conjugada no presente.
Exemplos que eu utilizo na minha prática pessoal:

Desejo estar mais atenta.
Desejo me conectar com
o momento presente.
Desejo acessar minha
paz interior.
Desejo ser feliz.

Como vocês podem perceber, eu evito metas que sirvam de gatilho para minha imaginação, ou para mecanismos de negação, uma vez que utilizo o sankalpa como técnica de concentração, mas também de reafirmação do meu compromisso com os propósitos gerais do Yoga.

Na minha forma pessoal de vivenciá-lo e ensiná-lo, o Yoga aparece como um sistema holístico de conduta, que almeja aumentar a autoconsciência e, por conseguinte, a capacidade de lidar com as vicissitudes da vida. Acredito ser mais simples colocar as coisas nesses termos, evitando grandes considerações sobre seu objetivo último que, segundo os textos clássicos, é definido pelo conceito de iluminação, ao meu ver demasiado abstrato para iniciantes e céticos.

Por fim, cabe ressaltar que, embora evite estabelecer meu sankalpa a partir de temáticas propriamente “mundanas”, isso não significa que não seja válido ou útil fazê-lo. Nesse caso, a técnica estaria sendo mobilizada como ferramenta de reprogramação mental, que nos auxilia a redobrar a atenção acerca das reações (mais ou menos conscientes) que são deflagradas diante de um propósito novo, ou que incorra em uma ruptura nos nossos padrões mentais usuais, que na filosofia do Yoga recebem o nome de samskaras.

Essas reações mentais podem assumir a forma de problematização (Eu desejo isso mesmo?), negação (Isso é muito difícil!), autocomiseração (Será que eu mereço isso?), ou demais mecanismos de autossabotagem (Não consigo. Não posso). O propósito da técnica, assim como das demais que compõem o sistema do Yoga, é aumentar a consciência sobre tais armadilhas mentais. A proposta é perceber quando esses pensamentos surgem, reconhecendo-os e analisando-os individualmente, evitando, porém, a tendência de identificação do sujeito do pensamento com aquilo que está sendo pensado. Reconhecer os pensamentos como fluxos transitórios que não correspondem à nossa essência, ou à descrição da realidade, certamente evitará diversos sofrimentos desnecessários.
Que tal experimentar?

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