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Foto: álbum de famíliaUm cientista pioneiro, determinado e atencioso. A vida e a carreira do professor Antonio Paes de Carvalho, que faleceu no último dia 17, aos 86 anos, compõem uma trajetória de profunda dedicação ao saber. Carioca, docente, pai, avô, pesquisador e empreendedor, o “professor Paes de Carvalho”, como era mais conhecido entre colegas e alunos, entrou em 1954 na turma de Medicina da então Universidade do Brasil, a atual UFRJ. Nesse mesmo ano, foi convidado a trabalhar como estagiário do Instituto de Biofísica pelo professor Carlos Chagas Filho, seu primeiro orientador.
“Quando o doutor Carlos Chagas Filho percebia a capacidade de um aluno, ele puxava para o seu laboratório, e o Paes de Carvalho foi um desses discípulos”, conta Nelson de Souza e Silva, professor emérito da Faculdade de Medicina da UFRJ. Em 1960, Nelson foi aluno de Paes de Carvalho, que tinha se formado no ano anterior. Na época, o mestre já era reconhecido mundialmente, principalmente pela publicação na revista Nature de um estudo sobre Eletrofisiologia Cardíaca. “Ele já estava desenvolvendo pesquisas de ponta, e não à toa se tornou um dos maiores cientistas brasileiros nessa área”, acrescenta. Com apenas 30 anos, Paes de Carvalho tomou posse como membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Amigo e parceiro de Paes de Carvalho em diversas realizações, Nelson ressalta o papel do professor na criação do curso de pós-graduação em Cardiologia, um dos primeiros no Brasil. Em 2003, participaram juntos da criação do Instituto do Coração Edson Saad (ICES). “Ele, já como professor emérito, fez parte do Conselho Deliberativo do instituto até os seus últimos dias, trabalhando e contribuindo conosco mesmo aposentado”, destaca Nelson.
CIÊNCIA E FAMÍLIA
Ao lado do amor inesgotável pela Ciência também se destacou o amor pela família. Do casamento de mais de 50 anos com a geógrafa Gilda Montenegro nasceram Monica e Isabella, que deram ao casal os netos Sophia e Nicholas (de Monica) e Gabriel (de Isabella). A primogênita entende que ser professor era próprio da natureza do pai. “Ele sempre foi muito interessado em ouvir o que a gente tinha pra falar, o que a gente queria saber, as nossas curiosidades”, aponta Monica. Segundo ela, Paes de Carvalho tinha em si o hábito de transmitir conhecimento, especialmente para crianças e jovens. “Às vezes, a gente estava no jardim e ele mostrava uma flor, explicava como ela se reproduzia, ou então mostrava as constelações, ou como a evaporação transforma a água do rio em chuva”, lembra.
Esse jeito agradável e didático de se expressar é recordado por muitos colegas. Professor titular do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, Jerson Lima, presidente da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), foi seu aluno, e guarda até hoje a memória dele como uma figura inspiradora, de voz grave, calma e clara. “Ele sempre foi uma pessoa com ideias à frente do tempo”, afirma. Sua visão de mundo chamava a atenção de outros cientistas. “Considero o professor Antonio um visionário. E mesmo frente às muitas dificuldades que enfrentou num país tecnologicamente imaturo e burocrático como o Brasil, não o vi se render”, descreve Daniela Uziel, professora da Faculdade de Farmácia e coordenadora de Inovação do Centro de Ciências da Saúde (CCS).
Precursor nas áreas que atuou, Paes de Carvalho fomentou diversos projetos de inovação científica. Dentre eles, Daniela destaca a criação da Fundação Bio-Rio, responsável pelo Polo de Biotecnologia do Rio de Janeiro. “O Polo foi inaugurado em 1988 para ser o primeiro parque tecnológico da América Latina na área de Biotecnologia. Nessa época, não se falava em empreender na universidade”, comenta.
Por perceber o enorme potencial da Ciência brasileira, Paes de Carvalho trabalhou em prol do desenvolvimento médico-científico dentro e fora da academia. Isso o levou a fundar, em 1998, a Extracta, empresa especializada na descoberta e otimização de novas drogas a partir de extratos da flora brasileira. “A utilização desse patrimônio genético e biotecnológico da nossa biodiversidade é muito importante para ser aplicada como solução dos problemas de saúde”, ressalta Bruno Diaz, diretor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho (IBCCF).
No instituto, onde foi diretor de 1980 a 1985, um laboratório carrega seu nome: o Laboratório de Eletrofisiologia Cardíaca Antonio Paes de Carvalho (LEFC). Bruno lembra de outra homenagem do IBCCF ao professor: a série ‘Palestras de Empreendedorismo Antonio Paes de Carvalho’. A iniciativa foi uma forma de reconhecer a personalidade influente e inovadora do docente, que foi o primeiro coordenador de pós-graduação da unidade. “Nós brincamos que bastou a sua caligrafia para ele ser selecionado pelo professor Carlos Chagas Filho, porque a caligrafia dele era realmente impecável”.
A história do professor Paes de Carvalho se entrelaça com a da própria UFRJ. Entre 1971 e 1972, exerceu a sub-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa, o equivalente hoje à pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa (PR-2). Com o começo da abertura política, Paes de Carvalho participou da fundação da AdUFRJ, em 1979. Nos anos seguintes, ele foi um interlocutor importante no processo de eleição do professor Horácio Macedo, primeiro reitor eleito pela comunidade da UFRJ, em 1985. “Ele foi um dos mais importantes fiadores do processo de redemocratização da UFRJ”, recorda a presidente da AdUFRJ, professora Eleonora Ziller.
EM DEFESA DA EDUCAÇÃO
Durante sua vida, o professor defendeu a universidade pública e a educação como elementos essenciais para o progresso da nação. “Ainda em vias de desenvolvimento, somos um país em que a pesquisa básica parece-nos hipertrofiada porque praticamente inexiste a pesquisa aplicada”, declarou ele em seu discurso de posse na Academia Nacional de Medicina (ANM), em 1981. Isabella, sua filha mais nova, conta que o pai recusou diversas propostas para morar, trabalhar e lecionar no exterior. “Isso nunca passou pela cabeça dele, porque tudo que ele aprendia na pesquisa lá fora ele queria trazer pro Brasil”, afirma.
Nascido em 13 de junho de 1935, Antonio era filho de Pedro Paulo, médico cirurgião, e Maria Carlota, braço direito do marido no Instituto Cirúrgico Paes de Carvalho, um dos melhores hospitais do Rio nos anos 1930. Educado e inspirado por esses exemplos familiares de amor à Medicina, Paes de Carvalho é descrito pelas filhas como um homem culto e estudioso, pai carinhoso e sempre presente. “Eu lembro que ele me levava para a escola e a gente ia escutando Rita Lee, que ele gostava muito. E ele dirigia cantando as músicas dela”, conta Isabella.
Outra marca do seu cotidiano era o zelo pela saúde. Vivia disposto a caminhar, fazer trilhas ou jogar tênis com o neto. “Ele fazia questão de praticar esportes diariamente. Quando a gente morava na Zona Sul, ele jogava vôlei na praia todos os dias, bem cedinho”, afirma Isabella. Habituado a dormir pouco, Paes de Carvalho passava a maior parte do tempo entre o trabalho e o estudo. “Ele adorava desafios, e sempre dizia que nós somos capazes de fazer qualquer coisa. Por exemplo, juntos nós construímos uma casa de cachorro, um veleiro em miniatura e outras coisas. O hobby dele era ser um professor”, ressalta Monica.
Uma moção de pesar do Consuni, no dia 23, mostrou o reconhecimento à trajetória de Paes de Carvalho. “O exemplo de excelência e dedicação à vida acadêmica desse brilhante professor continuará sendo grande fonte de inspiração para todo o corpo social do CCS”, diz a nota.
No traço do designer gráfico André Hippertt, a homenagem do Jornal da AdUFRJ ao patrono da Educação brasileira.

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay"Trabalhar intensamente pela UFRJ, com dedicação avaliada e comprovada, ‘vestindo a camisa’ da instituição e não ter os direitos reconhecidos, é incompreensível”. O desabafo é da professora Valéria Matos, da Escola de Música. Assim como outros colegas, a docente tenta corrigir o plano de carreira, mas esbarra em uma restritiva interpretação adotada pelo Conselho Universitário sobre a lei do magistério federal.
Ao computar atividades que não foram avaliadas antes, Valéria percebeu que podia ser declarada como Adjunto 1 e Adjunto 2 em períodos anteriores aos registrados em sua ficha funcional. A docente também pediu a chamada progressão múltipla até Adjunto 4. O problema é que esse tipo de movimentação na carreira está impedido por uma resolução do Consuni de novembro de 2020.
A professora protocolou o processo em 2019, com as avaliações e homologações da pontuação de todos os relatórios de atividades. Os interstícios não deixam lacuna nos períodos trabalhados, devidamente comprovados. Mas a Comissão Permanente de Pessoal Docente (CPPD) negou o direito, em 11 de novembro de 2020, baseada num parecer da procuradoria da UFRJ. A justificativa é que diferentes progressões/promoções não podem ocorrer de uma só vez, por contrariar a lei. O documento da procuradoria influenciou a mudança de legislação interna, exatamente no mesmo mês. Mas Valéria não concorda que isso seja aplicado a quem já tinha aberto o processo pela resolução anterior. Por isso, apresentou um recurso ao Consuni, que deve ser apreciado ainda em setembro e virar referência para casos semelhantes.
“Cada processo apresenta uma história de vida e trabalho, com diferentes peculiaridades. Nesse momento, não somente eu, mas uma comunidade docente em semelhante condição espera que eles olhem para cada caso com compreensão e generosidade”, argumenta Valéria.
A docente da Escola de Música argumenta que as alterações de 2020 não deveriam atingir o processo iniciado no ano anterior. Mas a assessoria jurídica da AdUFRJ, que ampara a professora, vai além: o direito ao desenvolvimento na carreira deve ser preservado quando são comprovados os requisitos de tempo (24 meses) e de avaliação (relatório de atividades), mesmo que o reconhecimento seja feito posteriormente. E isso independe da resolução mais recente do Consuni.
O professor Magno Junqueira, do Instituto de Química, também apoiado pela assessoria da AdUFRJ, apresentou recurso ao Conselho Universitário. Em junho de 2020 — portanto, antes da mudança da legislação interna —, o professor solicitou à unidade a progressão de Adjunto 3 para Adjunto 4 e promoção de Adjunto 4 para Associado 1. Dois erros de somatório de pontos pela banca atrasaram o pedido. Mas, como era de praxe no instituto, o processo só foi protocolado pela direção do IQ no sistema da universidade após a conclusão, o que ocorreu em 9 de dezembro daquele ano — hoje, os docentes fazem o pedido diretamente no Sistema Eletrônico de Informações (SEI). A CPPD negou a segunda movimentação com base na resolução aprovada no mês anterior.
E, diferentemente do processo da professora Valéria, que considera “grosseira”, o docente espera repor perdas que giram em torno de R$ 50 mil. “Acho um absurdo a gente ficar se justificando mais que o necessário. São processos claríssimos de professores que têm todo o direito e perderam dinheiro”, critica Magno. “Já basta o governo o tempo todo contra a nossa categoria.”, completa.
Um dos representantes técnico-administrativos no Consuni e integrante da Comissão de Legislação e Normas (CLN) do colegiado, Francisco de Paula se manifestou favoravelmente às demandas. “Estamos falando de professores que efetivamente produziram durante aquele período”, diz. “Na analogia que faço, se o jogador chutou, não tinha impedimento e a bola entrou, é gol. Não precisa de uma súmula do juiz depois do jogo dizendo que aquilo aconteceu”, completa, em referência às portarias de progressão. Francisco ressalta que já há decisões judiciais neste sentido.
A CLN emitiu parecer que concorda com a retroação dos efeitos financeiros e acadêmicos da progressão do professor Magno, de Adjunto 3 para Adjunto 4. Dois pedidos de vista interromperam a discussão do caso em plenário, que deve ser retomado na próxima sessão do Consuni. A comissão não apreciou ainda a promoção do docente para Associado 1. E está dividida sobre o caso da professora Valéria, que ainda será debatido pelos demais conselheiros. Uma parte da comissão rejeita o pedido, com base no parecer da Procuradoria.
Na sessão anterior do colegiado, a presidente da AdUFRJ, professora Eleonora Ziller, solicitou o reconhecimento das progressões/promoções aos colegas. “Que este conselho possa fazer uma escuta generosa deste pleito. Há uma argumentação legal muito consistente da nossa assessoria jurídica”, observou.
Para a AdUFRJ, explica a presidente, “não se trata de reabrir a discussão da resolução no Consuni, mas garantir uma janela para os docentes que já abriram seus processos. Esperamos que o Consuni possa fazer uma explicitação na resolução aprovada que garanta um período de transição para esses docentes”.
Conhecer e celebrar a história para construir o futuro. A expressão guiou as comemorações dos 101 anos da universidade, na semana passada. “Em nome desse passado de luta, de resistência, de conquista democrática, em nome de toda essa nossa trajetória, salve a UFRJ!”, declarou a presidente da AdUFRJ, professora Eleonora Ziller, na mesa de encerramento. “Nossa universidade evoluiu bastante, tem sido bem avaliada, mas certamente podemos melhorar. A busca de soluções coletivas deve ser cada vez mais estimulada”, disse a reitora da universidade, professora Denise Pires de Carvalho.
E foi justamente a parceria entre dois laboratórios de diferentes unidades que produziu uma ferramenta virtual, lançada durante o evento, para ampliar a transparência dos dados da UFRJ. O Laboratório de Visualidade e Visualização da Escola de Belas Artes (LabVis) e o Laboratório de Computação Gráfica da Coppe (LCG) criaram o “Visualiza UFRJ”, disponível em https://visualizaufrj.forum.ufrj.br/.
Na plataforma, é possível, por exemplo, observar a transformação do perfil dos alunos ao longo de décadas. “Esse gráfico mostra que em 2001 a quantidade de alunos brancos na universidade era equivalente a 86,6% e, em 2019, passou a ser de 52,5%”, disse Doris Kosminsky, coordenadora do LabVis.
O internauta também pode saber quais são os maiores cursos de graduação, conhecer a linha do tempo de criação dos programas de pós-graduação ou visualizar uma nuvem de palavras com os termos mais marcados como palavra-chave em produções científicas
“Os méritos vão para os nossos discentes, que trabalharam, deram ideias e apontaram deficiências no projeto. Nós chegamos a esse resultado através de muita colaboração, e esse é o espírito da UFRJ”, ressaltou o professor Cláudio Esperança, coordenador do LCG.

A imagem indica as participações de pesquisadores
da UFRJ em eventos acadêmicos pelo mundo. Quanto
mais escura a cor, maior o número. No Brasil, foram
170.939. A plataforma aponta que, nos EUA, já foram
contabilizadas 9.467 participações. Na Argentina,
1.986, e, na Austrália, 466. Na China, 494. Enquanto
na África do Sul, apenas 198.

Em 2001 a quantidade de alunos brancos (no gráfico, representados em verde claro) na universidade era equivalente a 86.6%, e em 2019 passou a ser 52.5%”, exemplificou Doris Kosminsky, coordenadora do LabVis.

Quanto ao perfil de renda familiar, de 2012 até 2016 não há nenhum registro de alunos matriculados com renda de até 1 salário mínimo. Já em 2017.1, o gráfico mostra 0.8% dos alunos da UFRJ correspondendo a essa faixa. Em 2019.2, essa porcentagem cresce para 4.2% (1.648 alunos).

A nuvem de palavras revela termos mais marcados como palavra-chave em produções científicas (artigos, resumos, livros etc.) ou apresentações em eventos feitas por membros da comunidade acadêmica da UFRJ em cada área de conhecimento. As palavras “Taxonomia” e “Enfermagem”, em destaque na imagem, constam com 1.139 e 881 ocorrências em publicações, respectivamente. Já a palavra “Filosofia”, menor e mais escondida, tem 132 ocorrências, segundo o gráfico.

Maiores cursos de graduação, de acordo com a quantidade de alunos matriculados em cada ano, de 1971 a 2019. A larga liderança do curso de direito, a partir de 1978, causou estranhamento na equipe. “Primeiro nós pensamos que houvesse algo de errado. Mas não, o curso de Direito tem três turnos, então é natural que ele tenha um número muito maior de alunos”, comentou Doris.
ILUSTRAÇÃO de como seria o Hamititan xinjiangensisNovas descobertas que revelam velhas histórias. Um estudo publicado na revista Scientific Reports apresentou duas novas espécies de dinossauros, caracterizadas a partir de fósseis encontrados no noroeste da China, na província autônoma de Xinjiang. Resultado de uma parceria entre pesquisadores brasileiros do Museu Nacional da UFRJ e pesquisadores chineses do Institute of Vertebrate Paleontology and Paleoanthropology (IVPP), de Pequim, a descoberta suscita questões pertinentes para a paleontologia. “Na nossa profissão, a gente procura entender como se deu a evolução da vida no tempo profundo, há milhões de anos. Então, ao encontrar uma espécie que não havia sido registrada antes, nós aumentamos a paleobiodiversidade de um determinado grupo”, comenta Alexander Kellner, diretor do Museu Nacional e coordenador da pesquisa no Brasil.
Os fósseis foram encontrados há mais de dez anos em uma região chinesa denominada Hami. Apesar de ser rica em ossos de pterossauros, essa é a primeira vez que fósseis de dinossauros são descritos nessa localidade. “Um deles é baseado no pescoço e o outro, na cauda. Além de terem sido encontrados em camadas de rocha diferentes, a análise de morfologia que fizemos demonstrou que eles representavam dois grupos totalmente diferentes”, relata Kellner. A primeira espécie, denominada Silutitan sinensis, faz parte de um grupo tipicamente asiático, os Euhelopodidae, e foi identificada a partir de uma série de vértebras cervicais médias e posteriores articuladas. Seu nome é uma combinação do termo “Silu”, que significa “Rota da Seda” em mandarim, em memória das grandes rotas comerciais que conectavam o Oriente e o Ocidente, e “titan”, em alusão aos titãs gregos, um termo muito usado em saurópodes devido ao seu tamanho.
No entanto, foi a segunda espécie descrita que mais intrigou os cientistas. O Hamititan xinjiangensis, identificado a partir de uma sequência de vértebras caudais anteriores articuladas, faz parte do grupo denominado de Titanosauridae, raro na Ásia e muito comum na América do Sul, inclusive no Brasil. “Existe toda uma gama de novas informações que esse achado vai propor: o que estaria fazendo na Ásia um animal mais relacionado às formas sul-americanas?”, indaga Kellner. O nome “Hamititan” da espécie surge da junção do nome da localidade onde o fóssil foi encontrado (Hami) e novamente o termo “titan”. “Essa é uma descoberta que abre enormes perspectivas a serem resolvidas, até porque naquele tempo não tinha avião e eu desconfio que dinossauro não tinha passaporte”, brinca.
NOVOS ESTUDOS
Assim como uma das espécies descritas, a própria pesquisa é fruto de um intercâmbio entre países. Iniciada em 2004, a parceria entre pesquisadores do Museu Nacional e do IVPP (com coordenação do Dr. Xiaolin Wang) já resultou na realização de dezenas de trabalhos. “A China é realmente surpreendente em termos da riqueza de fósseis que são encontrados e, sobretudo, do grau de investimento deles na Ciência em geral”, afirma Kellner. Para a coleta e análise do material, a pesquisa contou também com a colaboração de paleontólogos do Beijing Museum of Natural History e do Hami Museum, além da paleontóloga Kamila Bandeira, doutoranda pelo Museu Nacional que se dedica a estudar os dinossauros saurópodes, que são aqueles com pescoços muito longos.
“Os titanossauros foram o último grupo de saurópodes a surgir no planeta. Existem registros muito antigos deles, com pelo menos 120 milhões de anos. E nessa época já havia titanossauros espalhados pelo planeta inteiro”, explica Kamila, que é orientanda do professor Kellner. A princípio, os pesquisadores acreditaram que os dois fósseis se tratavam de uma mesma espécie de titanossauro. Por isso, convidaram Kamila, que é especialista nesse grupo, para ajudar na identificação. “Foi uma surpresa bem grande quando verificamos que eram elementos que na verdade pertenciam a duas espécies diferentes”, lembra. Ela esteve na China para avaliar os fósseis em outubro de 2019, pouco antes do início da pandemia.
Segundo Kamila, o achado abre porta para novos estudos a respeito da movimentação geográfica desses animais. “Entre todas as espécies conhecidas de titanossauros, a maioria está aqui na América do Sul, principalmente na Argentina. Então é interessante notar que, apesar dessa diversidade aqui, ainda existem formas que podem ser encontradas em outros países, como essa que identificamos na China”, aponta.
Por se tratar de um grupo de animais herbívoros gigantes, com espécies que variam de seis a 40 metros de comprimento, a sua colonização do planeta de forma tão rápida ainda intriga os cientistas. “A gente espera que esse tipo de sucesso se encontre em animais muito menores. Geralmente não se vê um grupo de animais tão grandes conseguir se espalhar tão rápido assim”, acrescenta a pesquisadora. Tendo em vista a presença de ninhos de pterossauros na região onde foram encontrados esses saurópodes, Kamila pondera também outras questões paleoecológicas. “Será que eles estavam realmente só passando, ou será que eles viviam naquela região? Será que eles também construíam ninhos ali? Levanta muitas perguntas”, completa.
MUSEU NACIONAL VIVE
A publicação da pesquisa vem em boa hora. O dia 2 de setembro marca os três anos do incêndio do Museu Nacional, naquela que é considerada a maior tragédia para o patrimônio cultural na história do Brasil. “Eu acho que em qualquer outro governo, que leva pesquisa a sério, já haveria sido feito um investimento muito maior para uma restauração mais rápida do museu”, critica Kamila. A doutoranda ressalta o forte investimento da China na Paleontologia e em outras áreas da Ciência, principalmente quando em comparação ao Brasil. “Eu espero que em algum momento isso mude, e que o Brasil também passe a investir mais em pesquisas de base em geral, porque elas são necessárias até mesmo para o nosso enriquecimento cultural”, diz.
Segundo Alexander Kellner, a ideia é que em 2022, ano do bicentenário da declaração da Independência do Brasil, parte do Museu Nacional seja disponibilizada para a população. “Queremos abrir o Jardim das Princesas, que é uma área que nunca tinha sido aberta ao público antes, aquele jardim frontal, e também uma área para circulação em torno do palácio, que ainda estará em obras”, pontua. O professor enaltece a descoberta em parceria com os chineses como um exemplo do potencial do Museu Nacional. “Mesmo diante de todas essas dificuldades, a gente demonstra mais uma vez que a nossa universidade consegue gerar produto de qualidade, produto de Ciência, e contribuir para um entendimento melhor desse mundo que nos cerca. Mais uma vez a UFRJ e o Museu Nacional provam que estão vivos”, finaliza.