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Estudar, entender e valorizar os processos científicos é cada vez mais necessário. Com esse propósito aconteceu o último CineAdUFRJ, no dia 29, para debater o tema “Negacionismo da Vacina”, a partir de três filmes que abordam, de diferentes perspectivas, alguns desdobramentos dessa pauta tão relevante para os dias de hoje. Os filmes selecionados foram: “Sonhos Tropicais”, de André Sturm (2001), “Contágio”, de Steven Soderbergh (2011), e “Vaxxed”, de Andrew Wakefield (2016). Com cerca de 20 participantes, o cineclube contou com a presença da epidemiologista Lígia Bahia, professora da Faculdade de Medicina da UFRJ, da historiadora Eliza Vianna, do Instituto Federal de Alagoas (IFAL), e de Francisco Carbone, crítico do site Cenas de Cinema, para debater as obras.
A professora Lígia Bahia traçou um paralelo entre os posicionamentos de cada filme, e chamou a atenção para a necessidade de se levar o conhecimento médico ao debate público com propriedade. “As vacinas têm efeitos adversos, com certeza têm. Então os princípios das vacinas têm que ser debatidos com a população”, afirmou. Por isso, como médica, ela se atentou a esclarecer especificamente alguns pontos do filme “Vaxxed”, documentário controverso que defende a ligação da vacina “tríplice viral” com o autismo. “Não há nenhuma comprovação científica da ligação entre as vacinas e o autismo. O que também não quer dizer que as vacinas não tenham efeitos colaterais”.
Segundo a epidemiologista, realmente existe um aumento no número de crianças autistas nos últimos anos, mas ainda não há uma explicação clara para esse fenômeno. “É um número que aumentou, mas em todos os países do mundo. Então não há uma explicação cultural para isso, e as buscas por essa resposta continuam”, disse. Ainda assim, a professora ressaltou que o documentário exerce um papel relevante, pois fomenta discussões necessárias para que a população tenha cada vez mais segurança no desenvolvimento científico, como a questão das contradições na indústria farmacêutica. “Com a covid-19 nós avançamos nesse debate, pois se estabeleceu essa noção de que a vacina é um bem público, e não pode simplesmente ter o preço que a indústria farmacêutica quer”, lembrou Lígia.
Eliza Vianna, professora do IFAL, enfatizou que a Ciência e a Medicina compõem a nossa sociedade, e não existem à parte dela. “Por isso é importante que a gente dessacralize a Ciência e entenda os inúmeros aspectos contidos na produção do conhecimento médico-científico, como essas contradições da indústria farmacêutica”, comentou. A partir do filme brasileiro “Sonhos Tropicais”, que aborda a figura de Oswaldo Cruz de forma heróica, Eliza reforçou que o médico não precisa ser visto como um “salvador” para que seja devidamente valorizado. “No atual contexto de vacinação, algumas pessoas têm falado da ‘fé na Ciência’. Mas eu não acho que se trate de fé na Ciência, e sim confiança no trabalho do cientista”, destacou.
Reposicionar o lugar da Ciência diz respeito também a entender efetivamente o que se enquadra como “negacionismo”, ou seja, negação da Ciência. “O que o documentário ‘Vaxxed’ faz não é negacionismo, é uma falsa simetria. Ele pega aleatoriamente alguns elementos do senso comum e os joga juntos para construir uma narrativa intencionada”, apontou Eliza. A professora evidenciou que o crescimento do discurso antivacina, especialmente nos Estados Unidos e na Europa, se deve muito ao contexto histórico, em que toda a compreensão de coletividade está ruindo. “Desde os anos 1980 vem sendo construída uma narrativa neoliberal, de que as pessoas precisam ter e ser a sua própria empresa. Assim, elas também passam a querer decidir sobre a saúde dos seus filhos”, disse. Segundo ela, a vacinação precisa ser vista como uma questão coletiva, e não apenas uma escolha individual.
O crítico Francisco Carbone avalia que “Contágio”, apesar de ter muitos personagens, é um filme carregado de estereótipos, que não consegue retratar com fidelidade e abrangência a questão da pandemia. “É um filme muito inocente, quase irresponsável. Ele diminui falas, contextos e sequer dá nome a alguns personagens asiáticos, jogando tudo dentro de um esquema de romantização”, afirmou. Para ele, o brasileiro “Sonhos Tropicais” conversa melhor com o momento atual. “Apesar de ser bem quadrado na sua construção biográfica, me surpreendi com a capacidade do filme de provocar um olhar particular para muitas coisas que ecoam hoje em dia”, acrescentou. Perguntado sobre o papel do crítico de cinema no combate ao negacionismo, Francisco ressaltou que os textos naturalmente devem debater as questões do mundo em que estão inseridos. “A minha perspectiva antinegacionista naturalmente entra em pauta como reflexão nas críticas cinematográficas que eu escrevo”, finalizou.
FOGO NA CINEMATECA
O início do debate foi marcado pela triste notícia do incêndio em um galpão da Cinemateca Brasileira, na Zona Oeste de São Paulo. O galpão abrigava documentos relativos à administração do cinema brasileiro e algumas películas, mas ainda não se sabe a extensão dos danos e o que foi perdido no fogo. Segundo os bombeiros, o incêndio começou durante a manutenção do sistema de ar-condicionado no terceiro andar do galpão, justamente numa das salas do acervo histórico.
“É a chamada crônica da morte anunciada. Na mesma semana em que queimou uma placa do sistema do CNPq, acontece esse incêndio. A metáfora do “estamos queimando no inferno” nunca pareceu tão certa”, disse Eleonora Ziller, presidente da AdUFRJ, que participou do debate.
A tragédia vinha sendo anunciada pelo Ministério Público Federal (MPF) que, em julho do ano passado, ajuizou uma ação civil contra a União por conta dos impasses na gestão do espaço diante da “comprovada aceleração da degradação do acervo e do perigo real de incêndio”. Em audiência realizada no último dia 20, procuradores do MPF e representantes do Audiovisual alertaram o governo federal, responsável pela Cinemateca Brasileira, para o risco de incêndio. Nove dias depois, o fogo expõe o descaso do governo Bolsonaro com a cultura brasileira.
Para assistir e refletir - Os três filmes que serviram de pano de fundo para a edição “Negacionismo da Vacina” do cineclube foram:
1. “CONTáGIO” (Steven Soderbergh, 2011)
Contágio (EUA, 2011) retrata a epidemia de um vírus transmissível pelo ar, que mata os infectados em poucos dias. A rápida propagação incita uma sensação de urgência na comunidade médica mundial, que começa a busca pela cura do vírus e por controlar o pânico que se espalha com mais velocidade que a própria doença. Filmado em vários pontos do mundo, incluindo Hong Kong, São Francisco, Abu Dhabi, Londres e Genebra, o longa também acompanha personagens comuns, na luta por sobrevivência em meio à tragédia sanitária. A direção é de Steven Soderbergh e conta com um elenco formado por quatro vencedores do Oscar (Marion Cotillard, Matt Damon, Gwyneth Paltrow e Kate Winslet), além de três indicados (Laurence Fishburne, Jude Law e John Hawkes)
2. “sonhos tropicais” (André Sturm, 2001)
Primeiro longa-metragem de André Sturm, “Sonhos Tropicais” é um filme brasileiro de 2001 que aborda o contexto da primeira campanha de vacinação do Rio. Passado no início do século XX, o filme mostra a chegada ao Brasil do sanitarista Oswaldo Cruz, após anos de estudo na Europa, e da jovem Esther, polonesa prometida a se casar. Enquanto a jovem descobre que a proposta de casamento era uma farsa, o médico começa sua ascensão na Medicina. Baseado em livro de Moacyr Scliar, “Sonhos Tropicais” apresenta os esforços de Oswaldo Cruz para conter a epidemia da febre amarela e da peste bubônica, além de liderar a campanha de vacinação contra a varíola. A obrigatoriedade da vacina, entendida como uma medida de tortura, foi o estopim para os protestos da “Revolta da Vacina”, representados no filme.
3. “vaxxed” (Andrew Wakefield, 2016)
O documentário “Vaxxed: From Cover-Up to Catastrophe” defende o polêmico estudo que aponta uma ligação entre a vacina MMR (sarampo/caxumba/rubéola) e o autismo. O filme alega que o CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), órgão governamental encarregado de proteger a saúde dos cidadãos estadunidenses, destruiu propositalmente dados que comprovariam a tese antivacina. Lançado em 2016, “Vaxxed” é dirigido por Andrew Wakefield, o ex-médico e ex-pesquisador que escreveu o artigo que deu origem à controvérsia. Publicado na revista médica britânica “The Lancet” em 1998, o estudo que estabelece uma suposta relação entre a vacina tríplice viral e o autismo foi reconhecido como fraudulento pela própria revista em 2010.
ASDUERJA atuação do Sistema Único de Saúde durante a pandemia pode ajudar a enterrar a proposta de reforma administrativa do governo Bolsonaro. A avaliação foi da presidente da AdUFRJ, professora Eleonora Ziller, durante debate virtual promovido pelo Renova Andes, movimento nacional de renovação do movimento docente, no dia 27.
“Dois aspectos importantes da cena brasileira atual são nossos aliados: o protagonismo do SUS diante da pandemia e do descaso do governo; e, agora, a CPI da covid”, disse Eleonora. Além dos milhares de servidores das áreas de saúde e de pesquisa que agiram para salvar milhões de vidas, a docente lembrou que partiu de um funcionário concursado e estável do Ministério da Saúde a denúncia sobre possíveis irregularidades na compra de uma vacina estrangeira. O caso está sendo investigado pelos senadores da comissão parlamentar de inquérito.
O fim da estabilidade para todos os futuros servidores que não pertencerem às carreiras típicas de Estado, como a dos auditores fiscais, é um dos pilares da proposta de emenda constitucional da reforma administrativa (PEC 32). “Ela significa um desmanche do nosso Estado, da rede que foi construída nas lutas que desaguaram na Constituição de 1988. E que, apesar de atacada e remendada, ainda está nos protegendo de maiores ataques”, afirmou.
O momento é delicado e exige a ação de todo o movimento docente, não só da militância. “Que a gente possa ser uma força ativa dentro da sociedade, gritando por direitos, defendendo a democracia e a vida”, disse Eleonora. “Que a gente siga almejando mais. Almejando falar para mais do que nós mesmos”, completou.
Eleonora acredita que a impopular PEC 32 dificilmente será aprovada, se a tramitação passar para 2022, que é ano eleitoral. Mas pediu cautela: “Esse governo é um inimigo com o qual a gente nunca lidou, muito diferenciado na experiência política brasileira. Ele vem conseguindo o aparelhamento do Estado, o estrangulamento das instituições públicas”, observou. “O Bolsonaro se elegeu com um projeto de destruição nacional”, concluiu.
TRAMITAÇÃO LENTA
A lenta tramitação da reforma administrativa no Congresso é um bom sinal de que o governo pode ser derrotado. Secretário-geral da Confederação Nacional dos Servidores Públicos Federais (Condsef), Sérgio Ronaldo lembrou que a proposta chegou ao Congresso em 3 de setembro. À época, a expectativa dos bolsonaristas era de uma aprovação rápida. Quase um ano depois, a matéria está parada em uma comissão especial formada para analisar o conteúdo. “O Congresso retoma suas atividades no próximo dia 3 e ainda estamos na fase das audiências públicas”, observou.
A comissão, composta por 94 deputados – 47 titulares e 47 suplentes — ainda não conseguiu ficar completa. “Alguns estão se escondendo por causa da pressão que as entidades sindicais e os movimentos sociais estão fazendo”, disse Sérgio. Falta a indicação de nove deputados titulares e 19 suplentes – principalmente por partidos de centro e de direita que apoiam a proposta. “Conseguimos unificar todas as centrais sindicais, todas as entidades dos servidores federais, estaduais e municipais. Para nós, não tem remendo, não tem aditivo. É rejeição total”, afirmou. Sérgio deixou claro que a reforma não atinge somente os direitos dos servidores, mas da sociedade, especialmente da parte que mais precisa de políticas públicas.
A estabilidade, reforçou o dirigente, é uma proteção para o servidor realizar seu dever de ofício, mesmo contra maus gestores. “Se não é a estabilidade, jamais aquele fiscal do Ibama, em 2012, teria multado o então deputado federal Jair Bolsonaro por pesca ilegal em Angra dos Reis. Sem estabilidade, aquele guarda municipal do litoral de Santos não teria aplicado a multa no desembargador que, por descumprir as regras sanitárias, quis dar uma carteirada nele. Sem estabilidade, o delegado da Polícia Federal não teria indiciado o ex-ministro Ricardo Salles por estar envolvido no contrabando da madeira”, disse Sérgio Ronaldo. “Querem voltar ao tempo pré-Constituição de 88, quando, para ser servidor público, bastava a cartinha de um vereador, de um senador, de um latifundiário”, completou.
PEC DESORGANIZA GESTÃO
Pró-reitora de Desenvolvimento de Pessoas da Universidade Federal da Bahia, a professora Denise Vieira da Silva destacou que o governo já vem realizando uma reforma administrativa, de forma fatiada. “A emenda 95, do teto de gastos; a lei 173, do congelamento de salários; a Instrução Normativa 65, com metas de teletrabalho; o Reuni Digital... Precisamos estar muito atentos a este desmanche”, observou.
A docente criticou o texto da reforma. “Altamente impreciso e cheio de lacunas nas regras de transição. Todo tema importante é colocado para uma lei complementar que vai detalhar. É um grande perigo”, disse.
A criação de cinco diferentes vínculos de trabalho no serviço público pela PEC 32 mereceu destaque da dirigente universitária. Um deles é o chamado vínculo de experiência, que substituiria o atual estágio probatório. “Imaginem os atuais servidores convivendo com pessoas que vão ficar ali um ano e, depois, uma parte vai sair? Isso gera um desequilíbrio muito grande na organização do trabalho”, disse.
PRESSÃO PRECISA AUMENTAR
Professora da Faculdade de Educação da UFBA e uma das lideranças do Renova Andes, Celi Taffarel cobrou do movimento sindical três frentes de intervenção para derrotar o governo Bolsonaro e seu projeto de destruição do país. “Uma é no parlamento, onde temos uma minoria lutando. Temos de continuar pressionando os parlamentares, mas isso não é suficiente. Não vai resolver a situação do nosso país, por exemplo, a CPI tirar Bolsonaro e deixar seus generais”, ressaltou.
É necessário ir além. É necessário organizar a classe trabalhadora. “Nós fomos para as ruas em maio, junho e julho. Mas é insuficiente. Nós só colocamos 600 mil pessoas nas ruas. Precisamos colocar mais de um milhão nas ruas. Para dizer que o povo não aguenta mais. Todos os setores têm que se aliar”, disse. A professora fez referência ao encontro nacional dos trabalhadores do setor público nesta semana (leia mais abaixo).
O terceiro movimento é o de militância. “Tem que ser feito por cada um de nós. A partir do local de trabalho; a partir da família; a partir da igreja; a partir do bairro. É um trabalho intenso que temos de fazer”, completou Celi.
Elisa MonteiroCom mais de cinco mil inscritos, o Encontro Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Serviço Público, realizado de forma remota nos dias 29 e 30, lançou uma campanha contra a reforma administrativa do governo Bolsonaro (PEC 32).
A agenda prevê ato em Brasília no dia 3 de agosto, paralisação nacional com mobilizações locais em 18 de agosto, audiências públicas com vereadores e deputados estaduais, campanha nos meios de comunicação e redes sociais e junto aos parlamentares do Congresso Nacional. O documento final do evento, com oito páginas, destrincha os riscos do projeto para os servidores e para os serviços prestados à população e será disponibilizado no site http://contrapec32.com.br/. Sérgio Nobre, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), disse que este segundo semestre trará como desafio – além da PEC 32 – uma pesada agenda relacionada às privatizações. “A gente sabe o que significa perder a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, os Correios e o sistema elétrico: são instrumentos de desenvolvimento do país”, destacou. “Hoje um terço da nossa população está desempregada, no desalento ou subemprego. O momento é terrível e nós temos que nos preparar para uma grande mobilização no segundo semestre”, disse.
A articulação de sindicatos, de centrais sindicais e de entidades ligadas ao funcionalismo contou com apoio de amplo leque parlamentar. Durante a abertura, representantes do PT, PCdoB, PSB, Psol, PDT, Podemos e do Solidariedade manifestaram adesão à iniciativa.
Milhares de pessoas voltaram às ruas no sábado, 24 de julho, para mais um protesto nacional contra o governo Bolsonaro. Apesar da queda no número de participantes em algumas capitais, como São Paulo, os coordenadores da Campanha Nacional Fora Bolsonaro comemoraram a amplitude dos atos, que cada vez mais vão se capilarizando pelo país, alcançando médias e pequenas cidades. Foram registrados 509 atos, em todos os estados e no Distrito Federal, e também no exterior, em países como Áustria, Alemanha e Japão. Em 3 de julho, foram 408 atos.
No Rio, como ilustram as fotos desta página, o protesto uniu crítica e criatividade. De acordo com os organizadores, 75 mil pessoas participaram do coro “Fora, Bolsonaro!”, em marcha que se iniciou no Monumento a Zumbi dos Palmares, na Avenida Presidente Vargas, no Centro, e seguiu até a Candelária e a Cinelândia. A AdUFRJ levou sua bandeira ao ato, marcando presença com diretores e associados.
Com o reinício dos trabalhos da CPI da Pandemia, na semana que vem, os organizadores dos atos acreditam que novas denúncias sobre os crimes praticados pelo governo Bolsonaro se intensifiquem e levem mais pessoas às ruas. Com isso, avaliam que possa aumentar a pressão popular para que o presidente da Câmara, Arthur Lira, abra um dos mais de 120 processos de impeachment contra o presidente da República que repousam em sua gaveta.
Até o fechamento desta edição, a data do próximo protesto nacional ainda não havia sido marcada. O tema vem sendo discutido pela Campanha Nacional Fora Bolsonaro, núcleo de movimentos sociais, partidos políticos e centrais sindicais responsável pelos quatro atos de rua feitos nos dias 29 de maio, 19 de junho, 3 e 24 de julho. Uma das ideias em debate é a de marcar o próximo protesto para o feriado de 7 de setembro, dando um intervalo maior para mobilização da população.






Desde o dia 24 — e até o fechamento desta edição —, todos os sistemas e plataformas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a principal agência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), estavam fora do ar por problemas no servidor. Entre eles a Plataforma Lattes, onde os pesquisadores brasileiros registram a vida acadêmica e profissional. Seu desaparecimento, ainda que temporário, acabou se tornando a prova mais evidente do descaso do governo Bolsonaro com a área de Ciência e Tecnologia do país. O MCTI foi o que sofreu o maior corte no orçamento federal aprovado em 25 de março pelo Congresso Nacional, com uma redução de 29% dos seus recursos, em comparação com 2020.
Por meio de seu perfil no Twiiter, o CNPq informou, em 29 de julho, que concluíra a transferência do backup dos dados da Plataforma Lattes para um novo equipamento, garantindo a integridade de todas as informações. Segundo o órgão, está em curso a restauração do equipamento que apresentou problemas. A perspectiva é de retorno do funcionamento na segunda-feira pela manhã, com o restabelecimento do acesso aos sistemas. O CNPq informou ainda que todos os prazos, tais como os de submissão de chamadas e de prestação de contas, serão prorrogados. As novas datas serão divulgadas assim que os sistemas se normalizarem. O pagamento de bolsas, segundo o órgão, não será afetado.
DESMONTE NA CIÊNCIA
O orçamento da agência para 2021 é de R$ 1,2 bilhão, o menor em 21 anos, segundo o economista e diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto. Em seu perfil no Twitter, o especialista publicou os números considerando a inflação do período. A verba do CNPq era o dobro em 2000: R$ 2,4 bilhões. O orçamento total previsto para o MCTI em 2021 é de R$ 8,3 bilhões — em 2020, foi de R$ 11,8 bilhões.
Muitos cientistas se manifestaram sobre o problema. “O apagão do CNPq é uma metáfora cruel para o que vive toda a comunidade científica brasileira diante de um governo que não acredita em Ciência”, escreveu em uma rede social o professor Stevens Rehen, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ e um dos mais respeitados pesquisadores do país. No Twitter, o professor André Azevedo da Fonseca, da Universidade Estadual de Londrina (UEL) e com pós-doutorado pelo Programa Avançado de Cultura Contemporânea da UFRJ, escreveu: “O apagão do Lattes não é uma eventualidade descontextualizada. É um sintoma. É o desmonte do CNPq esfregado na nossa cara. É consequência óbvia da hostilidade permanente do atual governo contra a Ciência brasileira”. Em nota, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) afirmou que o problema está ligado a “uma ostensiva ação de estrangulamento financeiro” do CNPq.
“O sistema fora do ar é desagradável, inconveniente, mas se a informação que o CNPq prestou realmente procede, então o sistema logo estará de volta com a recuperação dos dados”, afirma o professor Felipe Rosa, diretor da AdUFRJ. “Mas esse apagão representa um grande holofote na questão do subfinanciamento do CNPq, que é gravíssima”, completa.
Docente do Instituto de Física, Felipe ressalta o valor da plataforma Lattes para a Ciência no país. “Ela é a principal fonte de consulta para julgamento da concessão ou rejeição de projetos, prêmios e bolsas de estudo nacionais e internacionais, e para a organização de concursos e editais”, diz. Segundo ele, há cerca de 15 anos o Lattes documenta a maior parte da produção acadêmica brasileira, em todas as áreas do conhecimento. “O CNPq está no limite extremo do seu orçamento. Tudo que der defeito vai causar problema, porque não há recursos. É necessário que a comunidade saiba disso e se engaje, para que a gente consiga mais recursos e o CNPq sobreviva”, afirma Felipe.
A professora Denise Freire, pró-reitora de Pós Graduação e Pesquisa (PR-2), não se lembra de outra queda do sistema com essa magnitude. “No máximo, ocorriam paralisações de 24 horas avisadas com antecedência para manutenção e ajustes do sistema”, comenta. Ela reforça a importância do currículo Lattes, que atua como vitrine da trajetória acadêmica dos pesquisadores no país, e a necessidade urgente de se preservá-lo. “O apagão do CNPq não é um evento isolado. A nossa triste realidade é um contexto onde há total descaso com a Educação, Ciência e Tecnologia. Este apagão é uma espécie de morte anunciada, consequência óbvia e direta de um desmonte sem precedentes na Ciência brasileira”, aponta.
Cristina Rego Monteiro da Luz, professora da Escola de Comunicação da UFRJ, se espantou com a vulnerabilidade do sistema, tão crucial para a vida dos pesquisadores. “Quando a gente se depara com uma situação como essa, a gente percebe ainda mais claramente que falta muito cuidado e reconhecimento pela importância do conhecimento no Brasil”, diz. “Isso se reflete na estrutura das escolas públicas, no salário dos professores, na condição de execução de pesquisas. E esse apagão é só mais um sintoma que vem à tona”, completa.
Tema que vem gerando muita polêmica no Serviço Público Federal, a parceria do novo aplicativo do governo SouGov.br com a multinacional de informática IBM levanta questionamentos sobre os riscos de mau uso das informações pessoais dos servidores. “A IBM terá acesso às nossas dívidas, nosso estado de saúde, nossa situação funcional, quem são nossos filhos. E poderá mesclar isso, mais à frente, com biometria, acompanhar nossas viagens ou onde estamos”, critica o professor Sérgio Amadeu, da Universidade Federal do ABC (UFABC). “Quem garante que esses dados não serão usados para novos produtos?”. O docente debateu o delicado tema da privacidade digital durante evento promovido pela Associação Docente da universidade paulistana, na quinta-feira (22).
O compartilhamento de dados pessoais do funcionalismo civil e militar brasileiro para uma empresa privada fora do país é inédito, destaca o professor da Federal do ABC. A novidade está prevista no contrato de uso do SouGov.br. “Eles dizem que os dados serão destruídos depois de trinta dias, o que não faz o menor sentido. Exceto se eles forem utilizados para treinar os algoritmos de aprendizado de máquina da IBM ou nos algoritmos que a IBM utiliza no serviço que é o Watson, um supercomputador de inteligência artificial”, argumenta Sérgio Amadeu. O objetivo final, de acordo com o docente, seria a substituição gradual do atendimento humano por um serviço de teleatendimento robotizado.
A preocupação sobre o poder que empresas e governos adquirem se apropriando de enormes volumes de dados pessoais da população não é assunto de ficção científica. “É sabido que as diferentes plataformas coletam informações, tratam dados e criam uma identidade móvel. Por exemplo, o que o Facebook sabia sobre mim há cinco anos não é o mesmo que sabe hoje”, completa o docente. “Estão aperfeiçoando o perfil porque querem me tornar vendável, me colocar em amostra, para oferecer àqueles que são seus clientes, que são as empresas que aplicam conteúdos pagos, marketing, publicidade e quem mais quiser pagar para disseminar conteúdos”.
Militante das causas pela inclusão digital e software livre, Amadeu recomenda a não instalação e até a desinstalação do aplicativo. E também defende o engajamento do Sindicato Nacional dos Docentes (Andes) em uma campanha para manutenção do Sigepe Mobile — sistema anterior, desativado pelo governo no início de junho. “Essa história de que as grandes empresas já têm todas as informações não é verdade”, acrescenta o docente, enfatizando a precaução em relação à autonomia universitária. “As universidades têm toda a condição de ter seus próprios sistemas de dados, não precisam entregá-los para negociatas”.
Sindicato diz que interesse público não é o foco
Para o advogado do Andes, Leandro Madureira, a alteração mira o consumo. “É bastante nítido que o principal interesse nessa transferência de dados e robotização que nos é imposta é nos condicionar naquilo que consumimos”, avalia. Nesse sentido, afirma ele, o aplicativo desvia a função do interesse público: “Temos uma modificação de gestão no acesso do servidor aos próprios dados, como informações funcionais relacionadas a contracheque, carreira etc., em que essas informações não visam a que esse servidor consiga se localizar no seu andamento laboral, mas sim a um serviço diverso com interesses privados de uma empresa”.
Por outro lado, Leandro considera que a convergência digital de serviços é uma tendência. “Aqui a gente está falando sobre a nossa vida como um todo. O SouGov.br provavelmente vai ter inclusive conexões com aplicativos que já utilizamos na vida ordinária, sobretudo nas instituições financeiras”, aponta o advogado. Ele acrescenta: “A maioria de nós hoje exerce sua vida financeira bancária de maneira totalmente automatizada pelo aplicativo de celular, com a utilização inclusive de dados biométricos para bloqueio do celular ou desbloqueio da conta corrente. Isso é o comum e realmente facilita muito a vida”.
A Associação dos Docentes da Universidade Federal do ABC quer o Andes mais atuante em relação ao SouGov.br. Vice-presidenta da entidade e mediadora do debate, a professora Luciana Palharini reforçou os argumentos favoráveis a uma alternativa pública e soberana para a proteção dos dados privados dos docentes . “É necessário que as condições e riscos fiquem explícitos e isso não está sendo feito pelo governo federal”, opina.
Luciana expressou ainda preocupações em relação ao perfil do novo aplicativo “dentro da agenda política da reforma administrativa em curso”. “Algo que nos preocupa muito é a deturpação das funções de servidores que trabalham com recursos humanos e gestão de pessoas”, afirma a docente. “Inclusive, toda a relação de atendimento desqualificado para o tratamento dos nossos dados, solicitações e trâmites”.