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WhatsApp Image 2021 06 30 at 18.08.35Professora Margarida - Fotos: acervo pessoalA afirmação do título é de Margarida Thereza Nunes da Cunha Menezes, 96 anos, patrimônio vivo da Educação Física e da UFRJ. A professora emérita ingressou na instituição — ainda com o nome de Universidade do Brasil — como aluna, em 1943. E só saiu em 1994 por aposentadoria compulsória, aos 70 anos.
A Minerva a que se refere é o símbolo da UFRJ. A imagem da deusa grega da sabedoria está presente nos canais de comunicação da universidade, nos documentos timbrados e na parede da sala dos colegiados superiores. Em todos os espaços, aparece de perfil. Mas nem sempre foi assim, como ensina a professora Margarida.
Em 12 de junho de 1957, a reitoria organizou uma solenidade de recepção ao então presidente de Portugal, Craveiro Lopes, que visitava o país. Medalhas comemorativas foram confeccionadas em bronze e entregues a todos que participaram do evento. Margarida enviou fotos do mimo recebido à reportagem: de um lado, os brasões das repúblicas, os rostos de Rui Barbosa e Camões, a data e a ocasião; do outro, uma imponente Minerva, olhando para a frente.WhatsApp Image 2021 07 02 at 22.42.03
Margarida não esteve na recepção. Ganhou a medalha depois. “Por tabela”, brinca. “O professor Pedro Calmon, então reitor da Universidade do Brasil, sabia que eu gostava dessas coisas”. A residência dela é uma prova incontestável. “Moro num apartamento muito grande. Tenho mais de dez mil pins, escudos e medalhas pendurados nas paredes”.
A professora se apressa em dizer que divulga a medalha sem a intenção de mudar a Minerva atual. “Mas acho importante que ela faça parte da história da universidade. A bandeira da universidade também tinha essa Minerva olhando de frente”, informa. “O povo tem uma memória muita fraquinha. Eu, com 96 anos, ainda tenho alguns resquícios de memória”, diz.
A professora emérita não sabia, mas está para completar uma década de existência a Divisão de Memória Institucional da UFRJ, que trabalha justamente para difundir os mais variados acervos documentais que representem a história e a memória da instituição. E que manifestou interesse imediato na medalha, assim que soube da história.
“Linda de morrer. Se ela quiser doar, irá para a coleção Memória UFRJ”, explica Paula Mello, coordenadora do Sistema de Bibliotecas e Informação (SiBI), ao qual está vinculada a Divisão de Memória. Curiosamente, a coleção fica localizada na Biblioteca Pedro Calmon, no campus da Praia Vermelha.
Paula começou este trabalho de “formiguinha”. “Eu via coisas importantes sendo dispersas. Comecei a pegar e levar para a biblioteca”, diz. A coordenadora do SiBI não podia ver o material comemorativo de alguma unidade ou centro que já pedia um exemplar. “Era cartaz, livro, documento de uma pró-reitoria com o catálogo de cursos. Tudo isso tem utilidade”. Depois, as próprias unidades começaram a mandar as peças para o SiBI. “Quando houve uma oportunidade, criei a Divisão de Memória Institucional, em 2011”.
“A divisão cresceu e se consolidou. É um trabalho do qual me orgulho muito. A universidade sabe que tem um lugar com pessoas que se preocupam com a preservação e divulgação da história da UFRJ. Isso me deixa muito feliz”.

FACILIDADE PARA PESQUISADORES
Antes de se tornar professor da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, Antonio José Barbosa trabalhou no SiBI como técnico e conhece bem a origem da Divisão de Memória Institucional. “Os três primeiros seminários de que participei possibilitaram que as pessoas se conhecessem. Ali havia a interdisciplinaridade tendo a história e memória como lugar comum”, afirma. “As pessoas da universidade passaram a ver no SiBI e, depois, na Divisão de Memória Institucional um lugar de convergência para diversos estudos e projetos”, completa.
Hoje diretor eleito da FACC, Antonio José disse que sua preparação para a seleção do doutorado e para o concurso docente estava totalmente ligada ao trabalho que desenvolvia no SiBI. O título da tese defendida na UniRio, em 2011, não deixa dúvida: “A casa de Minerva: entre a ilha e o palácio - Os discursos sobre os lugares como metáfora da identidade institucional”.
“Na minha época, procurava muitas coisas soltas numa sucessão de achar ou não achar. De dar sorte ou não. Hoje em dia, com a estruturação da Divisão de Memória Institucional, qualquer pessoa da universidade ou de fora dela tem pelo menos uma referência de por onde começar suas pesquisas”, elogia.

DIVISÃO DE MEMÓRIA COMEMORA 10 ANOS EM SETEMBRO

WhatsApp Image 2021 07 02 at 22.42.23Ainda sem a possibilidade de uma festa presencial, a Divisão de Memória Institucional (DMI) vai comemorar os 10 anos de sua institucionalização com um seminário virtual. O evento está marcado para os dias 15 e 16 de setembro e será transmitido pelo canal do Fórum de Ciência e Cultura no Youtube. Será a oportunidade para refletir sobre esta década de trabalho voltada para a UFRJ.
Uma dedicação que se expressa em múltiplas atividades, como a identificação de todos os acervos e núcleos de memória que existem na gigantesca e fragmentada UFRJ. A diretora da Divisão, Andrea Queiroz, fala sobre a importância da tarefa por experiência própria.
A historiadora pesquisava imprensa alternativa para o seu doutorado. “E eu não precisava, como fazia, ir à Biblioteca Nacional para ver, por exemplo, a coleção do Pasquim, que está quase completa no IFCS”.
Andrea faz questão de destacar que não existe nenhuma intenção de centralizar acervos na Divisão. “As unidades têm autonomia. E certas coleções precisam ser preservadas nelas. O importante é fazer uma interlocução entre estes diferentes espaços, fortalecer os sistemas integrados”.
Se alguma unidade pretende criar um espaço de memória, a Divisão também pode auxiliar na empreitada, como fez recentemente na Escola de Enfermagem Anna Nery. “Não precisa contratar ninguém de fora”, explica Andrea. A expertise da UFRJ já ultrapassou seus muros. “Quando a Fiocruz começou a pensar a preservação da memória institucional, eles nos procuraram”.
A divisão também investe na formação em pesquisa dos estudantes que participam dos seus projetos. Todo ano, os trabalhos deles são premiados na Semana de Integração Acadêmica da UFRJ como melhores ou recebem menção honrosa. “A minha primeira bolsista está terminando o doutorado agora”, orgulha-se Andrea.

DEPOIMENTOS DOS EX-REITORES
A história oral da universidade, a partir dos depoimentos dos ex-reitores, é um dos projetos da Divisão. Alguns mais idosos não puderam conceder a entrevista, como Clementino Fraga Filho — que faleceu em 2016, aos 98 anos. O interventor do MEC na UFRJ José Henrique Vilhena (gestão 1998-2002) recusou o convite. E um dos registros mais aguardados não foi adiante por uma fatalidade. “A gente queria homenagear o professor Aloisio Teixeira (2003-2011). Mas, na semana em que a gente marcou a entrevista, ele faleceu (em 23 de julho de 2012)”, lamenta Andrea. Está disponibilizada na Divisão uma entrevista concedida por Aloisio a um ex-aluno da Escola de Comunicação. Já o depoimento do professor Carlos Lessa, reitor entre 2002 e 2003, é um dos mais procurados. “Fomos muito solicitados, após a morte do Lessa (em 2020), por pesquisadores de dentro e fora da instituição”, completa. Os interessados podem pedir acesso à transcrição da entrevista. Os áudios são preservados.
E, em breve, o início da história da AdUFRJ vai constar dos registros da Divisão. A iniciativa de colher depoimentos dos professores será continuada com aqueles que contribuíram para o movimento de resistência à ditadura na instituição. O primeiro entrevistado será o professor Luiz Pinguelli Rosa, primeiro presidente da então associação
Outro serviço muito utilizado, especialmente durante a pandemia, é a Biblioteca Digital de Obras Raras. “É a nossa menina dos olhos”. Andrea cobra mais investimentos do governo federal em pessoas e equipamentos para a preservação deste e outros espaços. “O meu concurso, em 2008, foi o último para cargo de historiador na UFRJ. E, antes, praticamente não existiu”.

WhatsApp Image 2021 07 02 at 22.37.24MICHEL GHERMAN e UALID RABAHA mais recente escalada de violência entre Israel e o Hamas, em função dos despejos de famílias palestinas de Sheikh Jarrah — bairro fora dos muros da Cidade Velha de Jerusalém —, mobilizou o cineclube mensal organizado pelo Grupo de Educação Multimídia da UFRJ e pela AdUFRJ, na quarta-feira (30). O encontro reuniu o coordenador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ, Michel Gherman, e o presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil, Ualid Rabah, para diferentes visões sobre o conflito que se arrasta por décadas. Cultura e território foram os aspectos mais valorizados.
“Até os anos de 1960, o conceito de resistência esteve exclusivamente associado à questão armada. Mas depois ela vai encontrar um sentido mais amplo. O simples ato de educar um filho, dentro de um contexto como o do Gueto de Varsóvia, pode ser considerado um ato de resistência”, observa Gherman. Nesse sentido, afirma ele, o cinema cumpre um papel importante para a formação de memória e como “alternativa às bolhas narcísicas criadas pelas redes sociais”. “Quando você vê uma cena como as de Suleiman, em que um tanque acompanha um palestino que está tirando o lixo de casa, você entende o que é a ocupação. Israel é isso”, avalia o professor.
Historiador por formação, Gherman enfatiza os riscos do negacionismo contemporâneo, especialmente, para as universidades. E rejeita comparações entre o conflito em torno de Israel hoje com o nazismo, expresso em classificações como “holocausto palestino”. Para o docente do IFCS, “a solução para a questão palestina passa pelo reconhecimento, ressarcimento e reparação, assim como na África do Sul”.
Sob a perspectiva árabe, Ualid Rabah retoma a base socioeconômica da disputa. “Se há refugiados é porque havia antes um lugar onde essas pessoas estavam, e que não existe mais”, frisa ele, em relação às progressivas anexações de áreas palestinas por Israel, desde a década de 1940. “Estamos falando de território e propriedades, estamos falando de todo um PIB palestino”, acrescenta.
A liderança deu sua contribuição ao cineclube por meio de um vídeo gravado, em função de compromissos familiares. Nele, Rabah analisa a estética cinematográfica que – em sua visão – ainda retrata a resistência palestina de forma estigmatizada. “Afinal, quando é civilizado matar? Contanto que seja com por um exército bem arrumado?”, questiona.
A universidade também não foi poupada da crítica pelo racismo. “Talvez a academia, que tanto gosta do Edward Said, não tenha entendido o sentido de orientalismo quando deprecia um [Yasser] Arafat, narigudo, de turbante, guerrilheiro, de nome árabe”, alfinetou.
A FIXAÇÃO COM ISRAEL
Durante o debate, a professora do Instituto de Psicologia da UFRJ Cristal Oliveira de Aragão quis saber sobre a relação entre a ultradireita brasileira e o estado de Israel. A curiosidade partiu da recorrente presença de bandeiras em manifestações de rua com pautas conservadoras.
Segundo o coordenador do Núcleo de Estudos Judaicos, a referência corresponde “mais a uma Israel imaginária do que atual”. Gherman destacou quatro pontos de atração de um setor do neopentecostalismo por Israel. Um deles diz respeito a uma afinidade com o Reinado de Salomão, “quando a relação de Deus com o cotidiano era direta, sem mediações”, explica. Outra vertente encontra afinidade com o modelo econômico ultraliberal. Um terceiro grupo se espelha no belicismo. E por fim há ainda grupos que atribuem a Israel – contraditoriamente – uma supremacia branca.

Palestina e Brasil
O Estado da Palestina é reconhecido por 138 dos 193 membros da ONU — Israel, por 164. O reconhecimento brasileiro aconteceu em 2010, no segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A Argentina fez o mesmo dias depois. Os dois países foram os primeiros ocidentais no gesto. Até então, o Estado palestino havia sido reconhecido por cerca de 100 países da Ásia e da África.

PARA ASSISTIR E REFLETIR

Os quatro filmes que serviram de pano de fundo para a edição “Questão palestina” do cineclube foram:

1. “Noite e nevoeiro”
(Alain Resnais, 1956),

2. “Paradise Now”
(Any-Abu Assad, 2006),

3. “Valsa com Bashir”
(Ari Folman, 2008),

4. “O que resta do tempo”
(Elia Suleiman, 2010).

WhatsApp Image 2021 07 02 at 22.33.31Divulgação/MTST“Está havendo uma piora muito grande das condições de vida das famílias que participam do MLB. A quantidade de famílias que está à beira de ir para a rua aumentou muito”, contou Paula Guedes, coordenadora do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB) no Rio. Desde março do ano passado, o MBL tem procurado ajudar famílias em situação de maior vulnerabilidade, através de redes de solidariedade.
As redes recolhem doações em dinheiro ou alimentos, e distribuem para as famílias assistidas. “O número flutua mês a mês, mas nunca atendemos menos de 60 famílias. Varia de acordo com o quanto arrecadamos. Chegamos a atender 200 famílias em um mês”, relatou. As redes do MBL do Rio atuam na capital, em Macaé, Duque de Caxias, Niterói e São Gonçalo. “A divulgação dessas redes de solidariedade é importante. A situação das famílias é grave, e muitas contavam com um auxílio emergencial que não veio em 2021”.

COZINHA SOLIDÁRIA
Outra iniciativa que tenta mitigar os efeitos socioeconômicos da pandemia são as cozinhas solidárias do MTST. Uma delas funciona em São Gonçalo. O projeto já existia nas ocupações do MTST, com algumas experiências pontuais. A cozinha de São Gonçalo funciona desde 2017 e, em março deste ano, ela foi reformulada como uma cozinha solidária. “Começamos a fazer cozinhas solidárias em 2020, oferecendo pelo menos uma refeição por dia, cinco dias na semana”, explicou Danilo Pereira, coordenador do MTST no Rio de Janeiro. “Tentamos fazer deste trabalho de combate à fome uma linha de atuação política do MTST”.
A cozinha serve entre 300 e 350 almoços por domingo, e 120 cafés da manhã por dia, de segunda a sexta. “Quando começa a pandemia, e o auxílio emergencial ainda não existia, a demanda por refeições dobrou”, contou Danilo. O objetivo agora é fazer a cozinha crescer. “O principal desafio é consolidar uma rede de abastecimento segura e estável para as cozinhas”, explicou o coordenador. O próximo passo é a inauguração de uma cozinha solidária na Lapa, construída e mantida em parceria com o Movimento Unido dos Camelôs (MUCA).
A cozinha funciona com doações e trabalho voluntário — a AdUFRJ fez uma doação para a iniciativa em março. Nas duas últimas assembleias da AdUFRJ, os professores aprovaram doações para o movimento e no último encontro foi aprovado por unanimidade que a proposta seja abraçada também pelo Andes. Para o diretor da AdUFRJ, Josué Medeiros, a doação deveria ser acompanhada do trabalho voluntário dos professores na cozinha. “Eles também precisam de mão de obra, e é nossa intenção mobilizar a nossa categoria, quando a pandemia estiver melhor. Acho que muita gente vai se interessar em participar”, contou. Na opinião de Josué, o trabalho voluntário dos professores aprofunda a ajuda à iniciativa. “É um jeito de criar uma dinâmica militante. O sindicato tem um papel de representação, mas pode ter também um papel mobilizador”.

Leia mais: Vacina começa a chegar no braço; comida não chega ao prato

WhatsApp Image 2021 07 02 at 22.35.03ANDRESSA ZUMPANO/ARTICULAÇÃO DAS PASTORAIS DO CAMPOMais de 500 anos de luta ameaçados por uma decisão. O projeto de lei 490/2007, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, incita um retrocesso aos tempos de colônia na política indigenista brasileira. Desde a chegada dos europeus à América, os povos indígenas resistem às constantes tentativas de apropriação das terras que tradicionalmente ocupam. O direito desses povos à terra foi reafirmado no artigo 231 da Constituição Federal de 1988, momento marcado pelo ato do líder indígena Ailton Krenak, que pintou seu rosto com a tinta preta do jenipapo enquanto discursava no plenário da Assembleia Nacional Constituinte. Agora, o possível encaminhamento do PL 490 põe em risco os já escassos direitos territoriais então conquistados pelos povos originários do país.
“O PL 490 responde apenas a interesses imediatos, daqueles que se consideram prejudicados pela demarcação das terras indígenas e querem a todo preço modificar essas normas”, comenta João Pacheco, professor do Departamento de Antropologia do Museu Nacional da UFRJ. A proposta foi apresentada em 2007 no Congresso, e recusada na época pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Retomado pela CCJ, o projeto foi aprovado por 40 votos contra 21, no último dia 23. Na ocasião, o presidente da Câmara, Arthur Lira, atrasou em três horas o início da sessão no plenário para que a discussão na Comissão não fosse suspensa. “Isso transparece a pressa com que está sendo encaminhado todo esse processo, que reflete os interesses do agronegócio”, destaca João.
Segundo ele, o projeto propicia que empresas privadas, como mineradoras, possam fazer acordos para usufruir dessas terras indígenas. “Esses espaços estarão ainda mais fragilizados perante aqueles que são totalmente contrários aos interesses indígenas”, aponta. Mesmo as terras indígenas já demarcadas são alvos recorrentes de invasões, a exemplo do território Yanomami entre os estados do Amazonas e de Roraima, onde se estima a presença de mais de 20 mil garimpeiros. “A terra é uma parte fundamental para assegurar a vida social e cultural dos povos indígenas, mas ela exige também ações de proteção dessas áreas, para impedir a invasão por parte de pessoas em busca de recursos”, completa o professor. O PL modificaria tanto os processos de reconhecimento e demarcação, quanto a forma do usufruto e da gestão dessas terras. No entanto, as populações que podem ser diretamente impactadas pela lei ainda não foram ouvidas pelas comissões.
“Esse projeto faz parte de um conjunto imenso de proposições, que busca revisar e reduzir as garantias adquiridas pelos povos indígenas no que diz respeito ao direito à terra”, explica Oiara Bonilla, professora de Antropologia e Etnologia Indígena da UFF. Ela ressalta que o PL, que contém mais de onze propostas apensadas, propõem modificar uma cláusula pétrea através da votação de uma lei ordinária no Congresso. “O interesse é modificar o artigo 231 sob o pretexto de regulamentá-lo. É um ato inconstitucional, que se utiliza de uma ficção jurídica da bancada ruralista, o marco temporal”, diz.

PRESENÇA IMEMORIAL
O conceito de “marco temporal” surgiu no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) do caso Raposa Serra do Sol, terra indígena localizada ao norte de Roraima entre os municípios de Pacaraima, Normandia e Uiramutã. “O marco temporal defende que as populações indígenas só teriam direito às terras que reivindicam se já estivessem nessa terra no dia da promulgação da Constituição. Ou seja, elas têm que provar que já ocupavam essa terra, ou batalhavam judicialmente por ela, em 5 de outubro de 1988”, conta Oiara.
Além da presença imemorial dos povos indígenas no território brasileiro, muito anterior ao Estado, há diversas contradições no argumento do marco temporal. “Se você decreta que uma terra é indígena só pela ocupação dela no momento da promulgação da Constituição, você exclui populações que foram deslocadas ou invisibilizadas historicamente”, lembra a antropóloga. Isso afetaria também todos os povos que não têm registros da sua presença no território em 1988, ou da luta travada naquela época. “Antes de 1988, os povos indígenas estavam sob tutela, então não podiam processar o Estado. E eram populações muito silenciadas, o que torna muito difícil encontrar provas materiais desses conflitos. Exigir essas provas agora é algo muito perverso”, critica.
Em 2013, a maioria dos ministros do STF apontou que a tese do marco temporal não deveria ser aplicada automaticamente em outros casos. Apesar disso, no governo Temer, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu o Parecer 001/2017, vinculando a decisão como válida para todos os outros casos. O Ministério Público Federal (MPF) estima que 27 processos de demarcação estão parados desde então. Contudo, em maio deste ano, o ministro Edson Fachin deferiu uma medida cautelar, que suspendeu os efeitos do Parecer de 2017. A medida cautelar é um procedimento usado pelo Judiciário para prevenir, conservar ou defender direitos.
Outro ponto que o Projeto de Lei contém é a flexibilização da política indigenista com relação aos povos isolados, ou de recente contato. “O Brasil é um exemplo na política de não contato, que foi sendo construída ao longo dos últimos 30 anos. É uma política que procura proteger as populações isoladas sem estabelecer contato com elas”, afirma Oiara. Ela ressalta o acúmulo de experiências obtido ao longo dos anos até se chegar à realização dessa política como ela é feita hoje. “Esse PL propõe modificar isso, dando direito ao Estado de contatar essas populações por motivos de saúde pública, para implementação de políticas públicas”.

AÇÃO NO STF
Os povos indígenas agora aguardam pela votação no Supremo do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que discute a reintegração de posse obtida pelo governo de Santa Catarina, que quer expulsar o povo Xokleng de uma área reivindicada pelo estado. Em 2019, o STF reconheceu por unanimidade a repercussão geral do julgamento, o que significa que a decisão que for tomada servirá como referência para todos os casos envolvendo terras indígenas no Brasil. Dessa forma, a Suprema Corte poderá garantir uma solução judicial comum para os conflitos em torno das demarcações. O ministro Fachin, que é relator do processo de repercussão geral, suspendeu até o final da pandemia de covid-19 todos processos judiciais que poderiam resultar em despejos ou na anulação de demarcações de terras indígenas.
Marcado para o dia 30 de junho, o julgamento do RE 1.017.365 precisou ser adiado. “Outros processos tiveram prioridade na sessão, mas o presidente do STF, ministro Luiz Fux, disse que este processo de repercussão geral retornará à pauta em agosto”, informou Luiz Eloy Terena, assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), em vídeo pelo Instagram. O advogado indígena é um dos autores da carta “Levante Pela Terra”, entregue pela APIB no dia 22 de junho ao ministro Luiz Fux, que aponta a inconstitucionalidade do PL 490. “Seguimos juntos na mobilização contra o marco temporal, reafirmando o direito originário dos povos indígenas aos seus territórios tradicionais”, declarou Eloy Terena.
No momento, o PL 490 aguarda votação no plenário da Câmara, que também deve ocorrer em agosto, após o recesso do Congresso Nacional. Enquanto isso, a luta é protagonizada por indígenas dentro e fora do parlamento. Joenia Wapichana (Rede-RR), primeira deputada federal indígena no Brasil, é a principal representante dos povos originários na política. Simultaneamente, indígenas de diferentes povos realizam manifestações diárias em frente ao Congresso e em todo o país. No dia 22, véspera da aprovação do PL pela CCJ, a Polícia Militar de Brasília reprimiu violentamente um dos atos, deixando mais de dez feridos.

Linha de frente no combate à pandemia, as universidades providenciaram leitos hospitalares para o tratamento dos pacientes com covid-19, participam da vacinação, realizam pesquisas e testam a população. Mas, como mostra esta segunda reportagem da série em que o Jornal da AdUFRJ aborda as dificuldades financeiras das instituições, o esforço não é reconhecido pelo governo federal. Pelo contrário. Elas são punidas com cortes que, num futuro muito próximo, podem comprometer todas essas ações.

A Universidade Federal Fluminense (UFF), em Niterói (RJ), contava com R$ 275 milhões (valor corrigido pela inflação) em 2014 para manter e expandir as atividades acadêmicas e administrativas. Em 2021, o valor despencou quase para a metade: R$ 146,5 milhões. Apenas do ano passado para cá, o orçamento da instituição foi subtraído em R$ 32,9 milhões.
WhatsApp Image 2021 06 24 at 19.57.00 2Foto: Assessoria de Comunicação UFF“Para nós, esse corte corresponde a três meses de funcionamento. Dezembro, novembro e outubro foram para o espaço”, critica o pró-reitor de Planejamento, professor Jailton Gonçalves. Um drama que se estende para a folha de pessoal. “O recurso aprovado na Lei Orçamentária só dá até setembro. Se não sair uma suplementação do governo, não teremos como pagar salários”, completa.
E cada centavo é importante para uma instituição gigantesca como a UFF. São 45.358 alunos na graduação e 9.165 pós-graduandos, segundo os últimos dados oficiais (de 2019). Eram 40.941 graduandos e 5.621 estudantes na pós-graduação há sete anos. A UFF mantém campi espalhados por todo o estado do Rio e mesmo em outros estados. Há um campus na longínqua Oriximiná, no Pará.
Sem dinheiro para o básico, já é possível imaginar o prejuízo para as várias atividades desenvolvidas pela UFF no combate ao novo coronavírus. “Muitos grupos de pesquisa e de extensão responderam à pandemia. Com fabricação de máscaras e face shields, produção de álcool em gel e álcool 70% distribuídos para os hospitais da região e para nosso próprio uso. Constituímos um centro de testagem de PCR e fizemos um inquérito sorológico para avaliação da presença ou contato com o vírus na comunidade”, afirma o reitor da UFF, professor Antonio Claudio.
E não foi só. “Atuamos no comitê científico de municípios, particularmente em Niterói. Tivemos ações de solidariedade, com distribuição de cestas básicas aos mais vulneráveis, buscamos tratamentos e alternativas terapêuticas. O Hospital Universitário Antônio Pedro está atendendo covid-19 também, mas não como exclusivo. Colocamos toda a nossa frota de ônibus para transportar os profissionais do hospital”, acrescenta. “Os cortes podem afetar todas essas ações”, completa o dirigente.WhatsApp Image 2021 06 24 at 19.57.01Foto: Assessoria de Comunicação UFF

IMPACTO SOCIAL
A reitoria teme que as contas da universidade voltem a ficar no vermelho com o mais recente tombo orçamentário. A atual gestão assumiu a universidade, em novembro de 2018, com uma dívida de R$ 76 milhões. “Tivemos de fazer um exercício muito grande para corrigir esse problema. Começamos a cortar nos contratos de empresas terceirizadas. Sabemos do impacto social, mas infelizmente não conseguiríamos avançar, se não tivéssemos feito essa redução”, esclarece o pró-reitor de Planejamento. Na revisão dos contratos, aproximadamente 900 postos de trabalho foram eliminados, ao longo dos últimos três anos.
Hoje, o dirigente acredita que o esforço para liquidar o passivo — o que acabou ocorrendo no início de 2021 — deu o “fôlego” necessário para enfrentar este momento. Por enquanto, sem cortar em outras áreas. “Na área acadêmica, mantivemos os programas de apoio. Estamos sobrevivendo com os recursos que, obviamente, são insuficientes. A ‘sorte’ é que estamos em serviços online”, diz Jailton.
Mas o dirigente observa que os contratos, mesmo revisados, sofrem reajustes todo ano. “Tudo isso aumenta. Só não aumenta o orçamento da universidade. Vai chegar a um ponto em que eu não posso mais ajustar”, afirma. “Todas as pró-reitorias estão em regime de contenção total. Só atendemos ao emergencial”.
WhatsApp Image 2021 06 24 at 19.57.02Se preservar o funcionamento mínimo está difícil, expandir a universidade parece um sonho distante. Em 2014, a UFF contava com uma verba de R$ 61,5 milhões para investimento (R$ 87,3 milhões, em valor corrigido pela inflação). Em 2021, o valor caiu para R$ 4,1 milhões.
A solução tem sido apelar para a criatividade. Um exemplo foi articular a cessão de uso do cinema da instituição, o Cinema Icaraí, para a Prefeitura de Niterói, por um período de 40 anos. Em troca, além da reforma do espaço, o município vai concluir a obra do novo Instituto de Artes e Comunicação Social. “O prédio deve ser entregue em meados do ano que vem”, explica Jailton.
Para reverter os cortes, o reitor da UFF considera três frentes: pressão no MEC via associação dos reitores (Andifes), a negociação com parlamentares e a conscientização da população sobre o papel das universidades. “Temos de divulgar o impacto do prejuízo diretamente para a sociedade. Existem as ações imediatas e as ações de produção de conhecimento, que são fundamentais para enfrentar todas as dificuldades do dia a dia, incluindo o combate à covid-19”, diz o professor Antonio Claudio. “Tornar isso uma narrativa da população e não só de quem trabalha nas universidades é um objetivo importante”, conclui.

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