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Prédio da extinta casa de shows virou endereço de movimento de oposição ao governo interinoTatiana Lima
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Sob críticas da reitoria da UFRJ, o Ocupa Minc – que transformou o prédio da universidade onde funcionou o Canecão em seu novo endereço – programou uma agenda de atividades para consolidar a presença do movimento nas dependências da extinta casa de shows na Zona Sul do Rio de Janeiro. Na noite de quarta-feira, por exemplo, o prédio ocupado foi cenário para um debate com representantes da comunidade acadêmica sobre os destinos da extinta casa de shows e a utilização pública dos espaços culturais.
Felipe Altenfelder, integrante do movimento, disse que a ocupação não estabelece antagonismo com a direção da UFRJ. “Queremos a mesma coisa que a universidade: devolver esse espaço cultural para cidade”, disse. Ele afirmou que a expectativa é de que se possa chegar a uma proposta de cogestão. “Lutar pela abertura das portas” do ex-Canecão, segundo ele, é ampliar a pauta do movimento “pois, aqui, é um lugar de grande interesse da especulação imobiliária”.
A reitoria da UFRJ, que por meio de nota na semana passada condenou a ocupação, reafirmou sua posição e voltou a insistir no argumento de que as instalações do prédio, sem uso desde 2010, não oferecem segurança.
Para o diretor da Adufrj, Fernando Santoro, “a universidade tem que se comprometer para que seus espaços se tornem efetivamente espaços de educação e cultura públicos”. Segundo o professor, a ocupação “é um grande caldeirão de experiências e a comunidade da UFRJ deve aproveitar essa troca de experiências para construir a sua política de relação com a sociedade”.
O relançamento na semana passada do movimento (o Ocupa MinC havia sido expulso do Palácio Gustavo Capanema) de oposição ao governo interino ganhou visibilidade depois que Chico Buarque, a convite da encenadora Bia Lessa, se apresentou num palco improvisado da extinta casa de shows. Por lá já passaram, também, a cantora Zélia Duncan e a atriz Júlia Lamertz.
O movimento reúne uma variedade de tribos e expressões artísticas que reivindicam o “Fora Temer” e o desenvolvimento de políticas públicas inclusivas na cidade. Além do debate desta quarta-feira, já está programado para segunda-feira 15, o evento “Democracia é ditadura disfarçada”.
São 40 barracas e uma cozinha coletiva distribuídas pelo prédio da UFRJ, que está sem uso desde 2010. Todas as paredes do salão principal foram cobertas com folhas de jornais e grafites. O palco está limpo e aberto. O espaço do camarote é o principal lugar de ocupação das barracas. Todo o entulho foi deslocado para área direita do espaço. O prédio apresenta problemas de infraestrutura. Os estudantes isolaram as áreas com entulhos ou buracos para manter a segurança dos ocupantes.
Cacau Farias, estudante de comunicação da UFRJ, é uma das integrantes da ocupação. Ela diz que “a cultura vem batalhando por um espaço há muito tempo” e observa que “o espaço do Canecão é histórico dentro dos aparelhos públicos do Rio”.
O DCE Mário Prata da UFRJ apoia o Ocupa Minc. “É uma ocupação diferente da realizada pelo estudantes da UFRJ em 2012, mas coloca a questão do Canecão em pauta. É importante a universidade abrir o diálogo e enxergar esse lugar como nós: uma potência cultural”, disse Felipe Paiva, integrante da representação estudantil.
Frente Nacional é lançada no IFCS contra projeto que limita papel dos educadores na formação dos alunosTatiana Lima
Fotos: Claudia Ferreira
“Sou professora da periferia da Zona Oeste há 28 anos. É um lugar excluído da cidade, onde não há hospitais, saúde, praças, nada. Se meus alunos não puderem debater essas questões no espaço da escola, onde mais eles vão?”, questiona Rosilene Almeida, diretora do Sindicato dos Profissionais da Educação do Rio. A preocupação dela é com o programa “Escola Sem Partido” que, sob o pretexto de pregar o fim do que nomeia de “doutrinação ideológica” nas salas de aula, cria uma espécie de “Lei da Mordaça” para os educadores. Rosilene foi uma das centenas de pessoas que compareceram ao lançamento da Frente Nacional contra o projeto Escola Sem Partido, dia 13 de julho, no IFCS.
Tatiana Roque, presidente da Adufrj, também participou da atividade. Ela enfatizou que, para além do ataque à liberdade de expressão, o “Escola Sem Partido” é uma disputa de narrativa sobre o papel da educação: “O Escola Sem Partido traz uma concepção de educação na qual o papel do ensino sobre questões éticas e politicas deve ser da família. Logo se esvazia a escola de seu papel social, de refletir e construir uma sociedade mais justa”, analisou. “E nosso papel é dialogar com a sociedade para mostrar que esse modelo de educação é melhor para todos”, completou.
Estudante do 3º ano do ensino médio do Colégio Pedro II, da unidade do Centro, Teresa Mourão, disse apoiar a Frente Nacional Contra o Projeto Escola Sem Partido, porque afeta diretamente os estudantes. “Ninguém chama um médico para consertar uma geladeira. Quem sabe de educação são os professores. Não dá agora para pessoas que não são da área de educação quererem cercear os professores em sala de aula”, protestou.
Roberto Leher, reitor da UFRJ, participou do lançamento da Frente. Ele ressaltou que, se antes o Escola Sem Partido era considerado um motivo de piadas, atualmente, tornou-se motivo de preocupação devido à efetividade da adesão ao projeto. “Encontramos uma receptividade no seio deste governo que é desprovido de legalidade e legitimidade. O Ministério da Educação não só chamou os ‘Revoltados Online’ e aquele famoso ator para conversar sobre educação, como também nomeou Adolfo Sachsida como assessor”.
Economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Sachsida havia sido nomeado em 11 de julho como assessor especial do ministro da Educação, Mendonça Filho. Porém, horas depois, o cargo foi cancelado antes que tomasse posse, conforme informação publicada no Diário Oficial, em 12 de julho. Ele defende abertamente nas redes sociais o projeto Escola sem Partido.
O professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Gaudêncio Frigotto, que compôs a mesa de lançamento da Frente, ressaltou que o lançamento da “Frente Nacional contra o projeto Escola Sem Partido” é um ato histórico de unidade dentro da pluralidade do pensamento de esquerda.
Segundo ele, a gênese da Escola Sem Partido está presente na sociedade desde 2013. Consuma-se na institucionalidade democrática e avança agilmente dentro do golpe. Por isso, não se pode avaliar que projeto é uma bobagem. “Ele já está presente na sociedade pela persuasão que se liga à família com a visão mais conservadora e retrógada. Liga-se a religião no seu caráter mais violento, da mercantilização de Deus”.
Para ele, o ato da Frente Nacional contra o Escola Sem Partido é fundamental para não permitir que esse PL seja legalizado. “A direita golpista terá não só a persuasão, mas a guilhotina que vai estar na mão de um diretor autoritário. Portanto, sequer vai precisar de uma intervenção no seio da escola. Esse é o panorama mais amplo do que significa esse PL. Essa Lei da Mordaça é pra dizer que a palavra deve ser interditada. A escola pública pode ensinar, nunca educar”, ponderou.
Cibele Lima, da Rede Emancipa, também participou do lançamento da Frente. Segundo ela, apesar de ainda tramitar no Senado Federal, o projeto Escola Sem Partido já possui adesão nas gestões municipais e estaduais de educação de alguns estados. Movimento social de educação popular, composto por cursinhos pré-universitários, seus integrantes foram chamados pela Secretaria de Educação, após denúncia de “doutrinação ideológica”. “Em São Paulo, uma viatura da polícia chegou a aparecer para verificar se estávamos organizando algum tipo de protesto ou promovendo baderna. Também fomos impedidos pela secretária de entrar em escolas estaduais para divulgar o cursinho”, explica. O movimento social “Emancipa” luta pelo direito à universidade, principalmente para os estudantes da escola pública.

Na abertura do lançamento da Frente, o estudante Diego Vieira Machado, foi homenageado. Estudante do curso de Letras, ele foi encontrado assassinado nas dependências da UFRJ. Era nortista, gay, negro e pobre. Por um minuto, o Salão Nobre do IFCS fez silêncio.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação representou, nos últimos anos, uma visão sobre o desenvolvimento do Brasil, na qual o processo de desenvolvimento científico e tecnológico esteve associado à produção de conhecimento. A democratização do conhecimento e sua relação com a inovação são os campos férteis para nos tornarmos uma sociedade do século XXI.
A extinção do MCTI traz o risco da perda da força dessa visão, na qual um sistema de inovação e produção de conhecimento, relacionado ao desenvolvimento de novas tecnologias, produtos e serviços, deve ser prioridade. O sucesso da comunidade científica diante da crise do vírus zika mostra que a ciência e a tecnologia atuam de forma articulada com a sociedade e suas necessidades. O Ministério das Comunicações tem atribuições de garantia de acesso e regulação que não têm nenhuma conexão com o campo da ciência e tecnologia, sendo a fusão proposta uma desqualificação das políticas de ciência e tecnologia para o desenvolvimento do país.
Professores, estudantes e técnicos da UFRJ deram as mãos contra as medidas do governo interinoFotos: Claudia Ferreira
Mostrar a universidade unida contra a extinção do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e contra a instituição de um teto de gastos para a educação, anunciado pelo governo interino. Esta foi a motivação de professores, alunos e funcionários técnico-administrativos e representantes dos terceirizados da UFRJ para alterar a rotina do Centro de Tecnologia nesta quarta-feira, 22.
A mobilização, organizada pela Adufrj, pelo Sintufrj, pelo Diretório Acadêmico da Escola de Química (DAEQ) e pelo Centro Acadêmico da Engenharia (CAEng), atraiu a participação de mais de 500 pessoas. Elas deram as mãos, ergueram faixas e cartazes e entoaram palavras de ordem contra a extinção do MCTI: “A nossa luta unificou. Agora é estudante, professor e funcionário”, celebraram os manifestantes.
O formato da atividade realizada durante o horário de almoço, no corredor térreo do CT, agradou à comunidade universitária: “Gostei porque funciona sem parar trânsito ou coisas do tipo que acabam atrapalhando a população”, afirmou Bruno Costa, aluno da Ciência da Computação. Ele soube do ato por colegas, via internet. “Se o Ministério da Ciência e Tecnologia tivesse se transformado em uma pasta do Ministério da Educação, não digo que fosse o certo, mas faria mais sentido. Agora, no Ministério das Comunicações, parece um ato desesperado do governo para cortar gastos”.
Erica Polycarpo, professora do Instituto de Física, também aprovou: “Achei muito bom porque não precisamos parar de trabalhar para marcar nossa posição”, disse. Erica avalia que mobilizações para reverter a extinção do MCTI “são fundamentais e devem continuar”.
Nadja Paraense, docente do Instituto de Química, compareceu com os colegas. “A UFRJ, sendo a maior universidade federal, não poderia se omitir neste momento”, disse.
Lavínia Borges, integrante do Conselho de Representantes da Adufrj e professora da Escola Politécnica, aposta na visibilidade da iniciativa, “Ficou muito legal! E tem tudo para criar impacto e uma boa repercussão na imprensa”.
Professor do Instituto de Física e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Ildeu de Castro Moreira considerou a manifestação um sucesso. Para ele, que foi um dos idealizadores da iniciativa, o “Vamos dar as mãos” pode inspirar a realização de atos semelhantes em outras instituições científicas e em outros pontos da própria UFRJ, que é muito grande. “Foi uma semente. Um ato feito de forma mais inovadora, sem muito discurso, que levou o protesto da universidade contra essas políticas lesivas à Ciência e Educação anunciadas pelo governo interino”, disse.
A presidente da Adufrj, Tatiana Roque, criticou a proposta do governo interino para criar um limite de gastos para o setor da educação, por 20 anos: “Essa mobilização é também contra o teto de gastos enviado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Isso pode prejudicar muito a universidade e significar um retrocesso no pacto da Constituição Federal de 1988 que implica na responsabilização do Estado pelo investimento em educação. Eu disse investimento, porque educação não é gasto”, destacou.
Por meio de nota, após o ato do dia 22, a gestão do Diretório Acadêmico de Química disse que a fusão de ministérios promovida por Michel Temer afeta diretamente o funcionamento da pesquisa e a vida do estudante na universidade: “O MCTI trouxe conquistas imensuráveis desde sua criação para o nosso país. Nas Universidades, avançamos nas pesquisas de base e de ponta e vários cientistas brasileiros têm se destacado na área”. Para os estudantes, a fusão é um retrocesso enorme: “Pois teremos menos investimentos e, consequentemente, diminuição de projetos e bolsas de Iniciação Científica, bolsas essas que muitas vezes são o auxílio para a permanência de alunos na UFRJ”, respondeu a gestão do Daeq.
Os estudantes de química prosseguem com a mobilização: “Temos informado os alunos sobre a fusão do ministério e também fizemos uma campanha com textos e vídeos de professores pelo #FicaMCTI. Continuaremos mobilizando durante os próximos dias com todos os setores e não vamos desistir do MCTI.”
Já para a engenharia, a fusão também representa uma perda ainda maior para a sociedade civil: “Nós entendemos o MCTI como uma peça fundamental na construção e planejamento de políticas públicas para fortalecer as pesquisas científicas, a criação de tecnologia e a inovação que possam atender aos interesses nacionais, fortalecer a soberania nacional e melhorar a vida do povo”, observou o vice-presidente do Centro Acadêmico de Engenharia (Caeng), Eduardo Leal Ferreira.

Imagens aéreas do protesto foram captadas por um drone e estão disponíveis no site e nos perfis da Adufrj nas redes sociais, nesta quinta (23). Veículos da imprensa tradicional acompanharam a manifestação. O jornal O Globo publicou reportagem com foto e texto sobre o dia em que a universidade deu as mãos.
As comunicações no Brasil, sobretudo a imprensa, pautariam a sociedade a partir de interesses ligados às elites nacionais
Silvana Sá
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Na continuidade do ciclo de debates “Guerra das narrativas: a cobertura jornalística do processo de impeachment”, organizado pela Escola de Comunicação da UFRJ e pela Adufrj, no dia 12, a mesa da noite tratou do tema “Redes sociais, robôs e coronelismo eletrônico”. Um dos diagnósticos apresentados pelo professor Fábio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo, é o de que as grandes corporações de comunicação utilizam de forma crescente técnicas de marketing nas notícias. A cada matéria atualizada, robôs ligados ao perfil do veículo nas redes sociais disparam compartilhamentos, de forma a inflar a audiência. “Os robôs constroem tendências e, com isso, tendem também a pautar a sociedade”, disse.
A novidade neste processo são os chamados “bots”, robôs de redes sociais que passam a interagir com o público. Além da audiência artificial, eles geram interações igualmente artificiais. “Um exemplo clássico é quando você não gosta de uma matéria e faz um comentário de crítica e, pouco depois, começam a surgir comentários elogiando o texto, o assunto, a abordagem”.
O docente esclareceu que o uso desse tipo de ferramenta na comunicação não é contra a lei, mas suscita um debate em torno da “robotização da política”. A consequência direta deste processo, segundo Malini observou em suas pesquisas, é o que ele chama de “robotização dos humanos”. “Insistentes ‘memes’ políticos de apelo emocional fazem as pessoas replicarem os conteúdos quase que automaticamente”. O principal portal brasileiro a utilizar robôs para “viralizar” seus conteúdos é o G1, do Grupo Globo.
Esse novo fazer jornalístico cria, segundo o docente, uma nova forma de narrar acontecimentos. Isto, para Fábio Malini, é uma espécie de resposta às jornadas de junho de 2013. “Vídeos de dentro das manifestações aumentavam a audiência em torno dos acontecimentos e contestavam toda a narrativa montada pelos grandes veículos de comunicação. Houve uma verdadeira desmoralização da narrativa da imprensa”.
Em 2014, o movimento “Não Vai Ter Copa” foi o primeiro fora da mídia tradicional a utilizar robôs no compartilhamento de conteúdos. “Houve a apropriação dessas manifestações na rede por um conjunto de atores políticos que vão desaguar no ‘Vem Pra Rua’. Por outro lado, houve utilização de robôs também acusando aquele movimento de antipatriótico. Enfim, mais um erro da série de equívocos que o governo cometeu”.
Para Henrique Antoun, da ECO/UFRJ, a guerra das narrativas consiste em “convencer a todos de que algo, que não existe, realmente existe e deve ser encarado com muita seriedade”. “E, para isto, não faltam revistas, TVs, jornais, campanhas publicitárias e, inclusive, pessoas que repetem lentamente e iterativamente a mesma frase para convencer as pessoas de que aquilo é muito importante”. Como exemplo, ele citou as recorrentes vezes que âncoras dos telejornais, sobretudo da Rede Globo, repetiram a palavra “vândalo” e suas derivações, por ocasião das manifestações de junho de 2013.
No caso do processo do impeachment, a situação toma contornos mais graves, na visão de Antoun. “Estamos sendo assediados há mais de dois anos e ela gera mesmo revolta, ódio, doenças psíquicas. É uma campanha planejada e que tem roteiro. No caso do Brasil, este é um processo facílimo: quatro donos da mídia. Todos os quatro empregados dos oligarcas que mandam neste país. São 71 mil pessoas que têm como seus empregados os donos da mídia e os políticos do Congresso”.
Citando o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), o professor ilustrou o atual momento político, cercado de discussões acaloradas e impregnado de uma atmosfera de ódio que costuma permear discussões entre favoráveis e contrários ao impeachment. “A maior parte do tempo nós vivemos imersos em meias-verdades e em meias-mentiras. Como, no meio disso, eu posso falar para governar honestamente? Foucault vai mostrar que este processo não passa pelo convencimento racional, nem pela discussão. Só existe um modo de sair desse ciclo: é a explosão das paixões. Paixões que constituem, em última instância, um espaço aberto racional; que predispõem uma discussão, que permitem a democracia. A democracia aparece exatamente quando a mentira desaba e a verdade emerge pela luta das paixões”.
A professora Suzy dos Santos, também da ECO/UFRJ, trouxe para o debate o tema “E-Sucupira: o coronelismo eletrônico como herança do coronelismo nas comunicações brasileiras”. “Há uma negociação direta entre elite midiática e poder político. Vivemos, então, um sistema de coronelismo eletrônico desde 1985. É um sistema de troca de favores para as políticas de comunicação”, explicou a docente.
O modelo de comunicação no Brasil foi chamado pela professora de “convergência divergente”. “Fala-se que a televisão está ultrapassada. Por outro lado, o que a gente vê é que em 2015, dos mais de 5.500 municípios, 40% deles têm acesso à banda larga. O restante acessa por discador ou satélite. Enquanto isso, a TV aberta atinge mais de 98% dos municípios brasileiros”. São características deste modelo, ainda, a falta de transparência sobre a estrutura de propriedade dos veículos; marcos regulatórios que separam “velhas” e “novas” tecnologias de comunicação; interesses privados sobrepondo-se ao interesse público na regulação do setor; o atrelamento político às concessões de rádio e TV no Brasil.
A mídia perde o poder, perante o governo federal, somente durante os regimes autoritários. Nos períodos democráticos, a relação entre mídia e governo sempre teve caráter clientelista, de troca de favores, segundo a docente. “Entretanto, a partir de 1985 há uma mudança na tônica dessa relação. Será a primeira vez que um empresário de comunicações oficialmente recomenda um ministro, que é quando Roberto Marinho recomenda Antônio Carlos Magalhães como Ministro das Comunicações. De lá para cá, criou-se um consenso de que ninguém governa sem a Globo e de que ninguém enfrenta os meios de comunicação, para se manter no governo”.
A representação também é uma importante ferramenta deste sistema coronelista: “Para pensar a mídia no Brasil não basta analisar seu tamanho, dimensões, alcance. Isto também é importante, mas muito mais importante é verificar como se dão essas representações”. Isto torna-se importante sobretudo quando se trata de televisão, de acordo com Suzy dos Santos, pois é um veículo que chega a cobrir quase a totalidade do território nacional.
Museus por todo o país têm sido construídos por meio de parcerias com a Fundação Roberto Marinho. São exemplos, no Rio de Janeiro, o Museu de Arte do Rio (MAR) e o Museu do Amanhã. Está em construção também o Museu da Imagem e do Som, em Copacabana, cujo acervo para visitação será determinado pela Fundação e o restante, encaminhado para um depósito no Estácio. “Todos os contratos da Prefeitura com a Fundação Roberto Marinho são realizados com dispensa de licitação dado que se trata de uma ‘fundação de reconhecida importância’ na criação de museus”.
O Globo Universidade é, segundo a docente, outro espaço de representação do mesmo grupo. “Financia boa parte das pesquisas sobre telenovela no Brasil. Que chance tem uma pesquisa financiada por uma empresa de comunicação ser crítica? Por outro lado, que atração tem uma pesquisa sem financiamento e sem acesso a acervo?”, questiona.
No caso das novelas, a professora destacou a figura dos coronéis. De 1977 a 1985, ainda havia alguns que eram vilões, que tinham escravos, maltratavam as mulheres, batiam nos filhos. Depois de 1985, a cada dois anos há a figura de um coronel em uma novela ou série brasileira “por acaso, sempre em ano eleitoral”. Foram 15 novelas e 17 séries, mas nenhum deles era vilão. “Eles são ultrapassados, fora do seu tempo, às vezes engraçados, mas não são maus. Existe um grande amor, uma história de incompreensão. E assim a gente vai naturalizando e replicando o mandonismo, o próprio clientelismo, o patriarcalismo. A gente naturaliza uma forma de política e uma forma de sociedade que é profundamente atrelada a elites que estão há muito tempo no poder. Não é à toa que o PMDB está no governo desde 1985”.
Suzy dos Santos criticou, ainda, a falta de debate nos meios de comunicação sobre o papel da imprensa. “O discurso sobre o papel dos meios de comunicação no Brasil é historicamente único e dá voz a uma interpretação de meios de comunicação que não é de serviço público e muito menos a de direitos sociais. Há uma lógica no jornalismo profundamente ligada às elites”.
Consuelo Lins, docente da ECO/UFRJ, apresentou algumas gravações que ela mesma coletou do Jornal Nacional no período do vazamento dos grampos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff. Ela demonstrou a construção da notícia no telejornal. A série é de 12 a 19 de março. A primeira gravação, do dia 12, mostrou uma longa edição “sem se basear em fatos concretos”, apenas na delação de Delcídio do Amaral. “Por duas vezes, a gente tem a afirmação da objetividade jornalística, (conceito) que é questionado há muitos anos, já que inexiste essa objetividade”, afirmou a professora.
O Fantástico do domingo (13) começa explorando as manifestações pró-impeachment. Quando são divulgados os grampos, no dia 16, a docente observou que o único diálogo que vai ao ar é o de Lula e Dilma. Todo o restante do conteúdo é “lido e interpretado” pelos âncoras William Bonner e Renata Vasconcellos. Nos dias seguintes, os mesmos diálogos lidos pelos âncoras são colocados diretamente no ar. “O tempo todo é repetida a ideia de que os grampos eram legais e que sua divulgação não infringia a lei. Isto remete ao que o Henrique (Antoun) nos falou sobre a necessidade de convencer que o que não existe é real”.
Ela falou ainda da diferença de abordagem entre os manifestantes que são contrários e os que são favoráveis ao impeachment. “Toda essa multiplicidade de estratos no Brasil é reduzida a uma luta entre personagens-tipo. É o tipo psicossocial. É o militante do PT, a favor da roubalheira e que vai para a rua defender o governo. E o indivíduo livre, de verde e amarelo, que vai para a rua defender a saída do governo”.
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