POLIQUETAS desempenham papel fundamental nos maresTrês mulheres com vidas dedicadas à emancipação feminina e à defesa da Educação e da Ciência emprestam agora seus nomes a três novas espécies de organismos marinhos que podem ser encontrados até 3 mil metros de profundidade no litoral sudeste e sul do Brasil. As novas espécies homenageiam a política Benedita da Silva e as cientistas Bertha Lutz (1894-1976) e Leslie Harris, e foram descritas em artigo de três pesquisadoras da UFRJ, publicado no último dia 17 de outubro no periódico suíço Diversity, especializado em biodiversidade.
Assinado pelas biólogas Roberta Freitas, Carolina Moraes e Christine Ruta, o artigo descreve quatro novas espécies de poliquetas, organismos fundamentais para o equilíbrio dos ecossistemas marinhos, e também registra a presença em águas brasileiras de uma outra espécie até então só encontrada no litoral da Argentina. Roberta é aluna de doutorado, e Carolina de mestrado, ambas orientadas por Christine Ruta no Programa de Pós-Graduação em Zoologia do Museu Nacional. Os estudos foram feitos no Laboratório Taxon, ligado ao Instituto de Biologia da UFRJ.
“Nesse artigo, a gente propõe uma reflexão. A UFRJ mudou muito, há mais inclusão, e isso nos inspira a refletir sobre as novas gerações de cientistas que estamos formando. Roberta e Carolina são duas alunas mulheres e pretas, é um grande orgulho tê-las aqui. Pensamos, a partir dessa reflexão, em homenagear três mulheres inspiradoras em suas trajetórias de vida. Benedita e sua luta pela inclusão, Bertha e sua contribuição não só à Ciência, mas à emancipação das mulheres, e Leslie, uma renomada cientista norte-americana, especialista em poliquetas e incentivadora de jovens cientistas”, conta Christine Ruta.
IMPORTÂNCIA ECOLÓGICA
O artigo das pesquisadoras da UFRJ descreve o primeiro estudo taxonômico do gênero Chaetozone (Cirratulidae) no Brasil. A pesquisa tomou como base a costa sudeste e sul do país, região de intensa exploração de petróleo nas Bacias de Campos e de Santos, entre os estados do Espírito Santo e de Santa Catarina, incluindo as camadas do pré-sal, em águas profundas.
AS AUTORAS: da esq. para a dir., Carolina Moraes, Christine Ruta e Roberta Freitas assinam o artigo
Quatro novas espécies de poliquetas são descritas no estudo: Chaetozone beneditae sp. nov., C. lesliae sp. nov., C. lutzae sp. nov. e C. bidentata sp. nov — as três primeiras homenageiam Benedita, Leslie e Bertha, respectivamente (saiba mais sobre as homenageadas abaixo). O estudo aumenta o número de espécies válidas de Chaetozone em todo o mundo de 81 para 85, e traz também o primeiro registro no Brasil de C. larae, espécie antes conhecida apenas na Argentina.
A pesquisa destaca que os poliquetas cirratulídeos são abundantes, ecologicamente relevantes e amplamente utilizados como bioindicadores. Chaetozone Malmgren, 1867, objeto do estudo, é o gênero mais diverso de cirratulídeos. “A descoberta de quatro novas espécies em uma área geográfica relativamente restrita sugere que a diversidade de Chaetozone no Brasil ainda é subestimada”, diz o estudo.
Os poliquetas desempenham importante papel no equilíbrio dos ecossistemas marinhos, seja na reciclagem de nutrientes ou como alimento para várias espécies de peixes, como diversos tipos de linguado. São considerados de importância ecológica, fundamentais para avaliar impactos das atividades humanas nos oceanos. Com o corpo em forma de aneis, os poliquetas podem ser microscópicos ou atingir de dois a três metros de comprimento. O nome poliqueta vem do grego e significa “muitas cerdas”, característica marcante do organismo marinho.
INFLUÊNCIAS
Benedita, Bertha e Leslie são referências de vida para Carolina, Roberta e Christine. Coordenadora da equipe de Biologia Integrativa de Organismos Marinhos do Laboratório Taxon, Christine lembra que a presença de mulheres no campo da Biologia Marinha é relativamente nova no país. “No Brasil, até os anos 1990, as mulheres não tinham autorização para participar de expedições à Antártica. Isso mesmo já havendo mulheres na Marinha. Quando eu comecei a fazer minhas primeiras embarcações, com a idade que hoje tem a Carolina, tive que me preparar psicologicamente para ficar isolada em um navio a milhas de distância da costa, em um ambiente eminentemente masculino”, lembra a docente.
Aos 24 anos, Carolina já vivencia outra conjuntura. Cotista na pós-graduação, ela é filha de mãe professora e de pai metalúrgico, ambos ligados ao movimento sindical, e desde cedo aprendeu a lutar pelo seu espaço. “É o meu primeiro artigo publicado, representa muita coisa. É uma alegria muito grande porque a gente vê nosso trabalho sendo reconhecido”, diz ela, que é de Barra do Piraí, no interior fluminense.
Roberta já assinou outros artigos, inclusive um em que foi identificada uma nova espécie de poliqueta no litoral norte fluminense, batizada como “jongo”, em homenagem à tradição cultural dos quilombolas do município de Quissamã, naquela região.
A doutoranda, de 33 anos, fez um estágio este ano no Museu de História Natural de Los Angeles e conheceu pessoalmente a cientista Leslie Harris. “Ela é uma pessoa fantástica. Conseguiu estabelecer um programa de bolsas para alunos de pós-graduação do mundo todo para conhecerem a coleção de poliquetas do museu, da qual ela é curadora. Eu passei no edital do programa este ano, e ela hospedou os alunos durante um mês em sua própria casa. Ela já fez isso com mais de 100 alunos de vários países. Ela incentiva jovens pesquisadores em anelídeos a visitar a coleção e utilizar aquele material em seus estudos”, conta Roberta.
AS HOMENAGEADAS
Benedita da Silva
Chaetozone beneditae sp. nov. homenageia Benedita da Silva, a primeira senadora negra do Brasil, eleita em 1994, e a primeira governadora negra do país, em 2002. Criada na comunidade do Chapéu Magueira, no Rio de Janeiro, Benedita fez de sua trajetória política um exemplo de luta contra a discriminação racial e de gênero e em defesa dos direitos humanos e da democracia, atuando como assistente social, professora e política. Tem 83 anos e é deputada federal (PT-RJ). Em junho passado, Benedita recebeu o título de Doutora Honoris Causa da UFRJ.
Bertha Lutz
Chaetozone lutzae sp. nov. homenageia Bertha Lutz (1894–1976), bióloga e feminista pioneira que atuou por mais de quatro décadas no Museu Nacional. Bertha teve papel decisivo na conquista do voto feminino no Brasil, instituído em 1932, e na inclusão do princípio da igualdade de gênero na Carta da ONU. Filha do médico e cientista brasileiro Adolfo Lutz e da enfermeira inglesa Amy Fowler Lutz, Bertha foi a segunda mulher a ingressar no Serviço Público do Brasil, em 1919, mesmo ano em que fundou a Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher.
Leslie Harris
Chaetozone lesliae sp. nov. é dedicada a Leslie Harris, curadora da coleção de poliquetas do Museu de História Natural de Los Angeles. nos Estados Unidos. Estudiosa da flora e da fauna marinhas da Califórnia, Leslie é referência mundial em sistemática de poliquetas, sua área de estudos desde 1988, tem sido uma grande colaboradora de pesquisadores brasileiros e incentivadora de novas gerações de cientistas no campo da Biologia Marinha. É uma das fundadoras da Associação de Taxonomistas de Invertebrados Marinhos do Sul da Califórnia.




