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Doação de cestas para famílias de alunos e terceirizados do CAp - Foto: Fernando SouzaO gesto de estender as mãos é hoje um ato necessário. Desemprego, inflação e falta de proteção social por parte do governo federal, no auge da pandemia de covid-19 no país, são algumas das razões que fazem da solidariedade uma pauta urgente. Tendo em vista essa preocupação com as condições socioeconômicas de muitos trabalhadores, a AdUFRJ vem se empenhando em oferecer ajuda a quem precisa. Por meio da doação de cestas básicas, itens de higiene pessoal e recursos financeiros, o sindicato conta com a parceria de outras entidades do setor para fornecer suporte à comunidade acadêmica e a toda a sociedade.
O crescimento da pobreza ao longo da pandemia gera consequências dramáticas, como aponta um estudo recente da agência das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que revela uma triste realidade brasileira: há cerca de cinco milhões de pessoas desnutridas hoje no país. Diante desse cenário, a AdUFRJ se uniu à campanha “Cozinhas Solidárias”, lançada este mês pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). “A ideia da Cozinha Solidária vem da experiência do movimento com as cozinhas das ocupações, que nós consideramos o coração das ocupações. É onde as pessoas se reúnem para conversar e se alimentar, e onde o trabalho coletivo acontece de uma forma muito intensa e rica”, explica Danilo Pereira, da coordenação nacional do MTST.
A unidade do projeto no Rio se localiza em São Gonçalo, na Região Metropolitana, o segundo município mais populoso do estado. No ano passado, quando oferecia apenas almoço aos domingos, a Cozinha de São Gonçalo chegou a servir 400 refeições em um único dia. Ela será reinaugurada neste sábado (27), com o seu atendimento ampliado graças ao novo projeto. “A AdUFRJ apostou na nossa iniciativa, e contribuiu com insumos e alimentos suficientes para um mês de café da manhã. São cerca de 120 pessoas por dia, de segunda a sexta, que recebem o café da manhã preparado na nossa cozinha”, ressalta Danilo. O projeto prevê a construção de 16 cozinhas solidárias em 11 estados do país. “Nosso objetivo é apoiar não apenas com ajuda financeira, mas com a nossa presença e solidariedade coletiva lá no território. A pandemia por enquanto nos impede de exercer essa presença”, comenta Josué Medeiros, diretor da AdUFRJ.
Já nos primeiros meses da pandemia, as entidades representativas da UFRJ foram protagonistas na organização de doações emergenciais. Professores, técnicos, terceirizados e estudantes criaram uma rede de solidariedade unificada: o Formas, Fórum de Mobilização e Ação Solidária da UFRJ. Uma das primeiras ações conjuntas do fórum foi a compra e a distribuição de cestas básicas e kits de higiene com máscaras e álcool para terceirizados e estudantes em situações mais vulneráveis. Desde então, essas campanhas de doação já possibilitaram a entrega de centenas de cestas básicas para diferentes grupos.
“Um pacto coletivo, mais justo e igualitário, tem na solidariedade um dos seus valores principais e, por isso, nesse momento de crise da democracia e de um governo que substitui a solidariedade pela violência, nosso engajamento nessas ações se tornou ainda mais central”, aponta Josué. A AdUFRJ e o Sintufrj se mobilizaram no final de 2020 para realizar o projeto “Natal Sem Fome”. Na ocasião, foram distribuídas cestas básicas para cerca de 300 trabalhadoras e trabalhadores de várias empresas terceirizadas, ligados à Associação dos Trabalhadores Terceirizados da UFRJ (ATTUFRJ). As cestas traziam um artigo de Natal, que podia ser um frango congelado ou um panetone, e viabilizou um Natal digno para essas famílias.
Outra parcela da população que tem recebido esse auxílio é formada por estudantes do ensino básico e superior. Famílias de alunos e terceirizados do Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp) foram beneficiadas com a doação de 100 cestas básicas em abril de 2020, a partir de uma iniciativa coordenada por um grupo de docentes da escola em parceria com a AdUFRJ. No mesmo mês, o sindicato doou também 30 cestas básicas para o Diretório Central dos Estudantes, o DCE Mário Prata. Já em dezembro, uma outra leva de doações do sindicato contemplou tanto o DCE da UFRJ quanto o da Unirio.
Em novembro do ano passado, a rede de solidariedade da AdUFRJ também direcionou 20 mil reais em doações de água e cestas básicas para o Amapá, quando a população do estado sofreu com uma longa queda de energia. Só em 2020, o sindicato aplicou mais de R$ 400 mil na compra e na logística de entrega das doações para todas essas campanhas. Nos primeiros três meses de 2021, esses investimentos já passam de R$ 20 mil. “É absolutamente fundamental que façamos e mantenhamos nossas ações de solidariedade. A categoria docente também está sofrendo com a pandemia, mas se existem pessoas em situação pior, e nós sabemos que existem, é nosso dever colaborar para aliviar esse sofrimento”, afirma Felipe Rosa, vice-presidente da AdUFRJ.
“No Brasil, vivemos aquele célebre ditado que o ano só começa após o Carnaval. Mas nesse ano não teve Carnaval, e temos a sensação de que 2020 não acabou”, define a diretora do Campus Caxias, Juliany Rodrigues, para expressar a sensação de estranhamento e cansaço de muitos professores e alunos no início de mais um período letivo remoto, após um breve recesso. “A impressão que dá é que estamos em um barco e a vida vai levando. Tenho a sensação hoje, numa terça-feira, de que meu corpo já está na sexta-feira pelo cansaço que estou sentindo”, conta a professora.
Com a universidade funcionando inteiramente de modo remoto na graduação, algumas mudanças estruturais estão previstas para o Campus Caxias. “Estamos resolvendo problemas do passado, e avançando na construção da nossa subestação elétrica, que vai começar a ser construída na próxima semana”, afirma. Em relação ao ensino, a diretora priorizou para 2020.2 as medidas para amenizar as dificuldades que os estudantes relataram. “Estamos idealizando um projeto de gerenciamento de estresse para o corpo social do campus. Ainda são sementes que estamos começando a plantar, temos que regar em 2021”, conta. Na sua opinião, 2020.2 não é uma continuação de 2020. “Nossos estudantes precisam de ajuda. A universidade tem que ter um olhar atento e sensível aos alunos. A gente precisa resgatar o tema ‘ninguém fica para trás’. Agora o foco é como manter a motivação e o entusiasmo numa crise que está durando muito mais do que a gente imaginava”, explica.
Para Sandro Torres, diretor de graduação na Escola de Comunicação, um grande problema do período que se inicia é o calendário. “Ele tem tantos problemas que vários atos acadêmicos foram adiados. Duas semanas de recesso entre um semestre e outro é insuficiente para equacionar todos os problemas, o que está obrigando diretores e chefes de departamento a trabalharem em carga dobrada para dar conta de tudo”, acredita. O professor admite que a direção de graduação dos cursos, por receber demanda de todos os lados, deve ser quem está trabalhando mais no ensino remoto. “Estou doido para dar aula, porque acho que vai ser a hora que eu vou poder viver o que eu curto no meu trabalho. Porque na parte administrativa, tá tiro, porrada e bomba”, conclui. Sandro enxerga uma diminuição de alunos participando nas aulas. “Imagino que não esteja fácil para as pessoas, com muitos problemas emocionais e financeiros”, pondera. A ECO ofereceu 170 disciplinas em 2020.2, mesmo número que em 2020.1.
Para Júlia Vilhena, diretora do DCE Mário Prata, duas coisas estão sendo essenciais para encarar o ensino remoto: “Além da organização, ficou claro para mim o quanto é importante buscar maneiras de se manter mentalmente equilibrado. Não tem como lidar com o ensino remoto sem fortalecer o psíquico”, acredita. A estudante lembra que a PR-7 está orientando os alunos com dicas de como se organizar, para se adequar ao processo remoto. “Tudo está relacionado a cuidar da saúde, física e mental”, diz. Ela atrasou a formatura devido ao ensino remoto. “O PLE foi um período bastante reduzido do ponto de vista da oferta de vagas, e eu não consegui cursar disciplina nenhuma. Apesar de termos defendido que era um período opcional, achamos que ele foi mal estruturado na distribuição de vagas”, afirma. Em 2020.1 e 2020.2, Júlia conseguiu vaga em mais disciplinas, mas admite que essa realidade foi diferente em cada unidade.
Damires França, coordenadora do Sintufrj, enxerga como maior problema de um novo semestre o acúmulo de funções. “Vejo isso na pele porque há servidores sem acesso à internet, ou sem equipamentos tecnológicos em casa para fazer o trabalho remoto. Os que têm maior familiaridade com a vida digital estão sobrecarregados”, explica. Para ela, trabalhar em frente ao computador é estafante. “Tive que ir ao oftalmologista porque comecei a ter problemas de visão. Tive que gastar com óculos, colírio e estou com síndrome da visão cansada. Tudo isso com meu dinheiro. Uma coisa que poderia acontecer a longo prazo, aconteceu agora na pandemia”, conta. “Está muito complicado, porque ninguém se responsabiliza pela infraestrutura do trabalho remoto”, conclui.
O verbo é esperançar. Como é possível ter uma mensagem otimista diante do caos social, humanitário e econômico que passa bem diante dos nossos olhos? É difícil enxergar um alento, mas ele existe a cada ação desempenhada por pessoas — voluntárias ou profissionais — que atuam no combate à pandemia. E nas que recebem a vacina. Aos 72 anos e vacinado, o médico Leôncio Feitosa coordena o Complexo Hospitalar da UFRJ. Sua experiência de vida e de atuação na saúde nos ensina a olhar o mundo sob múltiplas perspectivas.
“Este é um ano de tristeza, são quase 300 mil mortos. Temos um governo inoperante, com um grau de iniquidade muito grande, negacionista. Mas o sentimento não é só de pessimismo”, ele diz. “Há um misto de satisfação pelo fato de a UFRJ ter tantas ações que mostram a universidade pujante”.
Uma dessas ações de impacto é a vacinação no Rio de Janeiro. A UFRJ coordena três postos drive-thru, em que a pessoa recebe a dose do imunizante no carro. Um deles é na Praia Vermelha, outro funciona no Fundão e, um terceiro, no Sambódromo. “A contribuição dos voluntários no drive-thru é fenomenal”, orgulha-se o médico. “Os postos são um sucesso. Mas falta vacina. Estamos com 5% da população (da cidade) vacinada, mas poderíamos estar com 30%, e já haveria redução importante no impacto da doença nos hospitais”.
A coordenadora dos postos é a professora Carla Araújo, diretora da Escola de Enfermagem Anna Nery. Em sua equipe ela conta com 2.510 alunos voluntários de diferentes cursos e períodos, prontos a contribuir para a imunização da sociedade. “A vacinação vem como alento num mar de dor. A gente vê muito isso nos drive-thrus. Na semana passada, um senhor de 86 anos nada falava, mas quando aplicamos a vacina, ele chorou. Vimos ali a esperança, a vacina como possibilidade de manter-se vivo”, lembra a docente. “Neste contexto em que estamos vivendo, estar vacinado faz toda a diferença”.
A AdUFRJ fez uma campanha de auxílio a docentes sindicalizados de 80 anos ou mais para levá-los aos postos de vacinação, na primeira fase da imunização. Foram contactados cerca de 150 sindicalizados. “Eles ficaram muito surpresos e gratos, mas as famílias já estavam providenciando a locomoção e não foi preciso nossa atuação”, conta Belini Souza, funcionário do sindicato. “Somente uma, que morava sozinha, precisou de apoio. Chegamos a agendar o serviço, mas um dia antes ela caiu e acabou sendo vacinada em casa”, revela. A docente passa bem.
Aos 90 anos, o professor emérito Edwaldo Cafezeiro, um dos idealizadores da AdUFRJ, conta a emoção em receber o imunizante. “Eu me senti muito bem, aliviado. Estava com receio de não ter a vacina”, lembra. Totalmente imunizado, o docente continua se cuidando e deixa um recado. “Eu recomendo que todas as pessoas tomem a vacina para que tenhamos segurança e para que essa doença acabe logo”.
Alívio e esperança também são sentimentos que embalam o professor e ator José Steinberg. Ele recebeu a segunda dose da vacina no dia 16 de março, um ano após o início da quarentena no Brasil. “Tirei uma preocupação de mim. Tenho 88 anos e outras doenças, então estou muito aliviado”, conta o docente aposentado da Faculdade de Letras. “Embora a gente saiba que a vacinação não foi organizada como deveria, é um momento de todos fazerem o esforço de irem procurar a vacina”.
A esperança é uma via de mão dupla e a gratidão não é só dos vacinados. “É uma satisfação poder levar à população uma oportunidade mais eficaz de se proteger do vírus. Faz parte da função social da universidade e nossa, como servidores e profissionais de saúde”, avalia a professora Carla Araújo.
O momento também é de aprendizado. “Para os estudantes, é uma oportunidade maravilhosa. Um exercício de cidadania. Uma formação que está para além da academia. Atendemos pessoas com Alzheimer de diferentes perfis — prostrados, sem expressão, agressivos. Eles aprendem a humanização do cuidado”, exemplifica. “Trazer para esses estudantes a importância de medidas desenvolvidas na atenção primária e como elas reduzem os impactos e custos na saúde secundária e terciária, é algo fundamental”, afirma. “Eles estão ajudando a população e, por outro lado, estão adquirindo vivências, experiências que jamais teriam em sala de aula”.
Um momento singular na história da UFRJ. Assim descreveu o professor Vantuil Pereira, um dos idealizadores do Coletivo de Docentes Negros da UFRJ, movimento recém-criado que, na última segunda-feira, 22, entregou à reitoria um manifesto com uma série de reivindicações para reduzir o racismo na universidade e ampliar a participação negra na vida acadêmica. “Estamos todos em casa, com mais de 300 mil mortos. É um momento singular na história. Mas nesse mesmo momento é possível propor uma universidade antirracista, e nós temos essa oportunidade de dar um passo adiante”, afirmou Vantuil. “Queremos enfrentar o racismo na universidade, mas também pensamos para fora da UFRJ. O exemplo que for dado aqui poderá ser dado a outras universidades”, explicou.
O manifesto foi assinado inicialmente por 59 professores negros das mais diversas áreas – a única pessoa branca que assinou foi a presidente da AdUFRJ, Eleonora Ziller, representando o sindicato dos professores. O documento ainda está disponível para mais adesões e o link está no fim desta reportagem.
O texto propõe uma série de medidas, entre elas, a criação da Comissão de Acompanhamento e Desenvolvimento de Políticas Antirracistas da UFRJ, vinculada ao gabinete da reitora, realização de mapeamento étnico-racial da comunidade acadêmica e implantação de cotas em todos os concursos e na pós-graduação.
Jorge Marçal, um dos coordenadores do Coletivo, acredita que o primeiro ponto é entender o lugar da UFRJ na luta antirracista. “As instituições de ensino são instituições de produção política, que no seu dia a dia promovem formas de ser e estar no mundo. A UFRJ tem necessidade de tomar posição nessa questão internamente”, qualificou. Para Marçal, o debate racial é prioritário na universidade. “A gente está numa conjuntura em que essa pauta não pode mais ser ignorada, é uma pauta que vem sendo lembrada sempre nos conselhos superiores”, afirmou.
Há mais de 20 anos lecionando na UFRJ, Nedir Espirito-Santo, do Instituto de Matemática, quer agilidade nas questões propostas pelo Coletivo. “É preciso um trabalho árduo para termos rapidamente um quadro da questão racial na universidade”, explicou. A professora lembrou que as mudanças políticas referendadas pelo manifesto irão envolver várias pró-reitorias. “É um movimento que vai contribuir para a criação de grupos que irão estabelecer elementos para uma mudança estrutural na universidade”, disse.
A reitora Denise Pires de Carvalho demonstrou apoio ao movimento, e acredita que, em relação à política racial, a universidade está no meio do caminho. “Temos um fórum de politicas raciais associado à PR-4 e às comissões de heteroidentificação. Vamos conversar com muita tranquilidade, garantir os avanços e não permitir retrocessos”, declarou. Para a reitora, é fundamental que essa institucionalização aconteça de uma forma que sobreviva para além da sua gestão.
LEVANTAMENTO
No Consuni da quinta-feira (25), o professor e conselheiro Vantuil Pereira falou sobre o manifesto entregue à reitora. Ele pediu que o documento fosse encaminhado aos conselheiros e que esteja aberto a subscrições “de todos aqueles que entendem que a luta antirracista é uma luta da universidade, de todos aqueles que almejam um Brasil justo, igualitário para todos e todas”. No levantamento étnico-racial feito pelo professor com o apoio da PR-4, dos 1.560 docentes que responderam ao questionário, 323 se consideram pretos ou pardos. Ou seja: 20% do corpo docente é parte inerente desta luta. Para assinar o manifesto, acesse (https://bit.ly/3w1EvD6).
PRINCIPAIS REIVINDICAÇÕES
1. Criar Comissão de Acompanhamento e Desenvolvimento de Políticas Antirracistas da UFRJ, vinculada ao gabinete da reitora, com representações do Coletivo de Docentes Negras/os, da Câmara de Políticas Raciais e da Comissão de Coletivos Negros discentes.
2. Realizar mapeamento étnico-racial para identificar a distribuição de docentes negras/os e indígenas entre as diferentes unidades da UFRJ, e também de bolsistas de extensão, de iniciação científica e de pós-graduandos.
3. Ampliar e fortalecer políticas públicas para destinar bolsas de extensão e de iniciação científica, artística e cultural para estudantes de graduação negras/os
4. Garantir acompanhamento e implementação da resolução do Consuni 15/2020, que torna efetiva a reserva de 20% das vagas em concursos de magistério superior para negras/os, prevista pela Lei 12.990/2014
5. Tornar obrigatória a reserva de vagas para negras/os e indígenas nos processos seletivos para ingresso de discentes em todos os programas de pós-graduação da UFRJ.
6. Constituir, no âmbito da PR-2, uma comissão de acompanhamento das ações afirmativas na pós-graduação
7. Propor ações de visibilização, de reconhecimento e de valorização da memória da produção acadêmica e tecnológica de docentes negras/os e indígenas da UFRJ
8. Demandar inclusão de disciplinas e conteúdos destinados a preparar estudantes de licenciatura da UFRJ para implementar o artigo 26 da Lei 9394/1996, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena em todo o currículo escolar.
9. Inserir políticas de acolhimento de saúde mental para docentes negras/os e indígenas da UFRJ.
10. Atuar de forma ativa e intencional, visando à promoção de articulação, sobretudo no que for discutido pela Comissão de Acompanhamento e Desenvolvimento de Políticas Antirracistas da UFRJ.
DE MINERVA A DANDARA
Para além das mudanças estruturais sugeridas pelos docentes negros da universidade, a emblemática Minerva centenária foi repaginada pelo grupo. O símbolo, criado em 1935, com a figura da deusa romana das artes e da sabedoria, recebeu alterações mais compatíveis com a pluralidade racial da universidade. Alexandre Brasil Fonseca, professor e diretor do Instituto Nutes, foi quem concebeu a nova marca em diálogo com outros docentes. Em sua criação foi mantido o suporte na parte inferior, numa referência à tradição europeia-colonial que esteve na origem e permanece até os dias de hoje na universidade, marca de sua branquitude. No lugar da Minerva, com as cobras e a efígie da cabeça de Medusa em sua armadura, foi colocada Dandara, mulher preta com colares, brinco, turbante e pintura corporal indígena e que segura um Mbaraká. Saiba mais em: https://conexao.ufrj.br/2021/01/22/uma-marca-para-docentes-negras-e-negros-da-ufrj/
Lucas Abreu
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Quando todos procuraram se isolar, eles foram ao trabalho. Profissionais de saúde da linha de frente de combate à pandemia têm se desdobrado pelo Brasil para salvar vidas. Na UFRJ não foi diferente. Desde a criação do GT Coronavírus, a universidade assumiu seu papel social na defesa da vida, e preparou-se para receber pacientes com a covid-19. Leitos de CTI foram abertos no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, outras unidades de saúde se prepararam para o aumento da demanda e a universidade criou o Centro de Triagem Diagnóstica (CTD).
No Hospital Universitário, as adequações para receber os pacientes de covid-19 no começo da pandemia não foram simples. “Pouco se sabia sobre como seria a evolução da doença, qual seria o pico de casos, quanto tempo durava. Então fazíamos mudanças constantes, quase que diárias, no fluxo de trabalho e nas estratégias”, contou o professor Marcos Freire, diretor do HU. Ele explicou que houve uma adaptação do espaço, para que os setores de atendimento de pacientes com covid-19 ficassem isolados dos demais. O hospital chegou a abrir 60 leitos de CTI para o atendimento durante a pandemia. Hoje, são 32 de CTI, todos ocupados até o fechamento desta edição, e 34 de enfermaria exclusivos para a doença. “Estamos nos preparando para abril e maio, que devem ser meses complicados”, informou o professor.
Para Marcos Freire, o trabalho feito pelo HU no último ano foi muito importante, especialmente se analisados os resultados. Com base nos dados do painel informativo criado pelo HU, até a quarta-feira (17), haviam sido atendidos 997 pacientes com suspeita de covid-19, dos quais 760 foram confirmados. O índice de letalidade de pacientes internados com a doença na unidade foi de 32,5%. “Fomos uma das únicas unidades do país a ter essa transparência nos dados, e uma das menores mortalidades”, exaltou o professor. “Acredito que somos uma das melhores unidades na pronta resposta ao atendimento na pandemia”, defendeu o professor, que aproveitou a ocasião para exaltar toda a equipe do hospital.
A diretora médica adjunta do HU, Rosana Lopes Cardoso, também engrandeceu o empenho de toda a equipe. “Não só a equipe assistencial, que brilhou e fez um ótimo trabalho, mas toda a estrutura administrativa, que é gigantesca, teve um comprometimento enorme”, defendeu a professora. “O sistema público é tão desacreditado, mas esses servidores públicos e terceirizados exerceram um serviço público sob as maiores adversidades”, contou Rosana, que atribui ao empenho de todos os funcionários do HU o êxito no atendimento durante a pandemia.
“Sabemos da pressão no sistema de saúde. Entramos na guerra porque sabíamos que a guerra chegaria até nós, mas também por entender o nosso papel social. O papel do hospital público é atender a população”, contou Rosana, lembrando que a decisão de receber pacientes com coronavírus foi da UFRJ. Médica intensivista, a diretora médica adjunta é chefiada pelo infectologista Alberto Chebabo, diretor médico do hospital. “São as especialidades mais afins ao enfrentamento da pandemia”, disse a médica.
Rosana Lopes Cardoso falou também do trabalho intenso da equipe médica do HU no último ano. “A rotina de quem está no CTI de covid-19 é exaustiva. Os pacientes têm um quadro grave, a taxa de mortalidade dos pacientes em ventilação mecânica chega a 60%. Então é muito pesado”, desabafou. “Ter que tomar a decisão de intubar um paciente, ou outros horrores que vemos nas redes sociais, são coisas que acontecem diuturnamente”. As condições de saúde de um paciente de covid-19 exigem atenção permanente da equipe. “A taxa de ventilação mecânica em um CTI é normalmente 30%. Em um CTI de covid-19, de 80% a 100% dos pacientes estão intubados, e quanto mais suportes avançados de vida, maior o trabalho para os profissionais de saúde. Nesse cenário não há perspectiva de descompressão. Se acontecer no Rio o que está acontecendo no resto do país, vamos passar por muita pressão”. Ventilação mecânica é o suporte oferecido, por meio de um aparelho, ao paciente que não consegue respirar espontaneamente.
Em março do ano passado, a UFRJ montou o Centro de Triagem Diagnóstica (CTD), que funciona em parceria com o Laboratório de Virologia Molecular, e atende a profissionais da rede pública de saúde e a comunidade universitária. “A implementação do CTD mostra que a universidade é capaz de dar uma boa resposta à sociedade”, disse Rafael Galliez, coordenador adjunto da unidade e professor de Infectologia na Faculdade de Medicina.
O CTD funciona no Bloco N do Centro de Ciências da Saúde (CCS). As atividades são mantidas por professores, alunos, técnicos e voluntários de outros centros. Em um ano, já foram feitos mais de 30 mil testes e 25 mil atendimentos. “Respondemos do ponto de vista do acesso ao diagnóstico para os profissionais de saúde que precisaram manter suas atividades durante esse período, e desenvolvendo uma série de pesquisas, o que é o papel da universidade”, contou Rafael, que também mencionou que as amostras coletadas no CTD ajudaram a identificar a variante do coronavírus que tornou-se mais comum no Rio de Janeiro.
Fez diferença a velocidade com que a UFRJ agiu. Essa é a avaliação de Leôncio Feitosa, coordenador do Complexo Hospitalar. “Antes mesmo de a OMS decretar a pandemia, a reitoria já tinha criado um comitê de crise sobre o coronavírus, que se tornou um grupo de trabalho coordenado pelo professor Roberto Medronho”, explicou.
O GT Coronavírus foi criado em fevereiro do ano passado. Iniciativas como o CTD, a preparação do HU para receber pacientes com covid-19 e as pesquisas de tratamentos e testes diagnósticos começaram a ser discutidas dentro do grupo. “O grande papel da UFRJ é aprofundar o conhecimento e desenvolver linhas de pesquisas para contribuir para o melhor entendimento dessa doença. Produzir conhecimento e oferecer assistência à saúde dos pacientes infectados pelo vírus”, explicou o professor Roberto Medronho, que coordena o GT.
Para Leôncio Feitosa, a UFRJ teve uma atuação exemplar entre as universidades públicas, e mais poderia ter sido feito se houvesse apoio do governo federal. “A UFRJ talvez tenha sido a universidade que melhor agiu no combate à covid-19, justamente pela quantidade de suas frentes de atuação. Abrir dezenas de leitos de CTI específicos para a covid-19 não é pouca coisa. É um feito. Imagina fazer tudo isso e ter um governo apoiando as ações?”, indagou o dirigente.