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Foto: Alessandro CostaDiretoria da AdUFRJEm meio a tanto desgosto, o mês de maio tem sido até generoso conosco ultimamente. Em 2019, tivemos as maiores mobilizações populares da história recente contra os cortes na educação do governo Bolsonaro e, desde a denúncia de que várias universidades federais vão definhar, se mantido o orçamento pífio para este ano, vimos um despertar semelhante da sociedade. Em ambas as instâncias, os resultados rapidamente se fizeram sentir: os contingenciamentos foram rapidamente levantados lá em 2019 e, agora, como noticiado em primeira mão pela AdUFRJ, parte do orçamento bloqueado pelo governo já foi liberado. Isso significa que todos os nossos problemas acabaram? Claro que não. Mas acende um farol na direção que devemos seguir.
Verdade seja dita, a semana começou mal. Ainda assombrados pelo terrível massacre de 28 pessoas na comunidade do Jacarezinho no dia 6 – a chacina mais letal da história da polícia fluminense – recebemos o anúncio de que a UFRJ poderia chegar a agosto sem condições básicas de funcionamento. O artigo assinado pela reitora Denise Pires e pelo vice-reitor Carlos Frederico Rocha rapidamente correu as redes e, junto com relatos semelhantes de outras instituições de ensino, ganhou os movimentos sociais e a grande imprensa. Personalidades e entidades dos mais diversos matizes ideológicos se manifestaram em defesa da universidade pública, e então caiu aquela “ficha” que nos permite entreabrir aquele sorriso incrédulo no canto da boca: a sociedade quer a sua universidade viva! Mesmo com todos os ataques do genocida ao sistema educacional brasileiro, mesmo com toda a difamação do gabinete do ódio, mesmo com todo o medievalismo olavista, diversos setores da população disseram “sim” à universidade pública e gratuita. E isso foi uma vitória (pequena, sem dúvida, mas ainda assim uma vitória) de todos nós; professores, alunos e técnicos que se movimentaram juntos em nome de nossa causa maior.
Mas não nos enganemos. Mesmo esse orçamento que conseguimos liberar é insuficiente para levar a UFRJ até o final do ano. Este governo tem um projeto de destruição do ensino superior público e gratuito. É de nossa aniquilação enquanto profissionais que estamos falando. A batalha pela frente será ainda muito dura, mas, se há alguns dias estávamos na lona, agora estamos de pé, ainda que nas cordas. É por isso que devemos ser muito conscientes em nossas próximas atividades: após um contencioso debate sobre a eficácia de interrupção de atividades remotas, foi decidido em assembleia geral que o dia 19/5 será de paralisação da categoria. Conclamamos então todos e todas a construir uma grande mobilização na universidade, e mostrar que UFRJ está mais viva do que nunca.
Após uma semana de intensa mobilização contra os cortes na UFRJ, o governo cedeu. Uma parte expressiva do orçamento (R$ 152 milhões) deixou de depender da aprovação do Congresso para ser liberada, graças a uma portaria do Ministério da Economia publicada no dia 13. A vitória é parcial, segundo a reitoria, pois R$ 41,1 milhões do montante seguem bloqueados.
A medida também está longe de resolver os problemas financeiros da maior federal do país. “É uma primeira vitória, mas que não deve nos tirar do foco que é a recomposição do orçamento no mínimo para o valor de 2020”, informa o pró-reitor de Planejamento e Finanças, professor Eduardo Raupp. Ano passado, a universidade recebeu R$ 386 milhões (em valor corrigido pela inflação); em 2021, estão previstos R$ 299 milhões. Mesmo com todo o atual orçamento liberado, o funcionamento da instituição só estaria garantido até setembro.
E há um ponto negativo na liberação: a administração central percebeu que o governo se apropriou de R$ 8,5 milhões do superávit alcançado pela UFRJ ano passado — os recursos provenientes de aluguéis de espaços da UFRJ, por exemplo, são obrigatoriamente recolhidos a uma conta única do Tesouro, mas é o governo que estabelece quanto poderá retornar aos cofres da universidade. “Na prática, nós deixamos de usar esse superávit, como já fizemos ano passado, para aumentar nosso orçamento. São R$ 8,5 milhões que contava como algo extra e não terei”, explica Raupp.
AÇÕES SOB AMEAÇA
Com a atual liberação, a UFRJ ganha fôlego de mais algumas semanas para a realização de suas atividades. Em coletiva à imprensa no dia 12, a reitoria deu exemplos bem claros dos prejuízos que o atual orçamento poderá causar ao país, se mantido: redução dos atendimentos em nove unidades hospitalares e da testagem para covid-19, fim da pesquisa de duas vacinas contra o novo coronavírus e corte de bolsas acadêmicas.
“Não queremos fechar leitos. Não queremos deixar de realizar o sonho da vacina brasileira. Não queremos deixar de fazer o Brasil avançar”, disse a reitora da UFRJ, professora Denise Pires de Carvalho.
O vice-reitor, professor Carlos Frederico Leão Rocha, reforçou o alerta à sociedade. “Não teremos condições de pagar contas básicas com esse orçamento. Não há possibilidade de redução de segurança e limpeza”, disse. O dirigente defendeu a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (24/2019), que permitiria a retirada das receitas próprias das universidades do teto de gastos públicos. “Podemos atenuar os problemas”.
O pró-reitor Eduardo Raupp informou que o atual orçamento da UFRJ representa 38% do que já foi em 2012, em valores corrigidos pela inflação: R$ 773 milhões. De lá para cá, só cortes: “Sendo que nossos contratos não podem ser cortados, e são reajustados”, disse.
Só que 2021 apresenta uma dificuldade a mais. Com a crise econômica, todas as empresas passam por dificuldades. E perdem a capacidade de honrar a prestação de serviços, mesmo com um atraso de até três meses nos pagamentos, como previsto nos contratos públicos. “A gente está observando nos nossos fornecedores muito menos capacidade de suportar a ausência de pagamentos. Hoje, com um mês de atraso, as empresas mostram dificuldade de pagar salários de seus funcionários”, disse.
“Essa situação não é uma fatalidade; é uma escolha. O governo escolheu outros gastos, em detrimento da Educação”, completou Raupp.
A manchete “UFRJ pode fechar as portas” fez jus ao ditado popular sobre notícias ruins. Desde o fim da semana passada, quando a reitoria publicou um artigo-denúncia em O Globo, ela correu depressa: estampou as páginas dos principais jornais, ganhou muitos minutos em horário nobre da TV e explodiu nas redes sociais. E, num ciclo virtuoso, alimentou a mobilização da comunidade acadêmica e da sociedade.
“Temos de aproveitar este embalo”, afirma o vice-presidente da AdUFRJ, professor Felipe Rosa, que percebeu o aumento de interesse pela situação da UFRJ no celular. “Recebi mensagens por grupos do Whatsapp que normalmente não me perguntam sobre o que está acontecendo na universidade”.
Além de articular a mobilização com as demais entidades representativas da universidade, o sindicato estuda uma campanha diferente para chamar a atenção da sociedade para a situação de penúria da UFRJ. “Também estamos pensando uma ação mais nacional junto ao Observatório do Conhecimento (frente de associações docentes que defendem as universidades públicas)”, completa.
Uma petição virtual elaborada pela Associação dos Pós-graduandos (APG) também surfou na onda em defesa do orçamento da universidade. Lançado dia 10 na plataforma Change.org, o texto conseguiu mais de 193 mil assinaturas em apenas cinco dias. “A notícia dos cortes teve uma enorme repercussão midiática. Foi trending topics do Twitter. Pensamos que (o abaixo-assinado) poderia ser algo que ajudasse a transformar essa indignação em algo mais concreto”, explica o pós-graduando Igor Alves Pinto. “A gente não esperava que fosse ter uma adesão tão grande. Mas sabemos que não é suficiente”.
Outra iniciativa reuniu todas as entidades representativas da UFRJ na elaboração de uma moção levada à última sessão do Conselho Universitário.
Foto: Fabiano Rocha/Divulgação“Atenção, crianças, trocamos bandidos por balas”, gritava o policial, fazendo piada pelo alto-falante do Caveirão. Não foi uma vez, nem duas vezes que ouvi aquela chantagem macabra. O que eu escutava me dava medo. Eu sabia que não era do doce que eles falavam. Era da morte.
Nasci na primavera de 1982 num quase cortiço em São Cristóvão, um prédio com banheiro comunitário e nenhuma privacidade. No inverno de 1985, mudamos para o Complexo da Maré, o conjunto de favelas em que cresci e aprendi muita coisa que uma criança não deve aprender.
Desde a primeira infância, aprendi a saber o som de tiro e a diferenciar quando o estampido vinha de um revólver calibre 38, de uma pistola calibre 22 ou de um fuzil. Também descobri cedo o barulho do blindado da polícia e os melhores esconderijos para não ser alcançada pelos petardos do helicóptero — quem cresce em comunidade sabe que “balas machucam”.
Tudo isso é exaustivo física e emocionalmente para quem vive na favela. Nesses 39 anos de existência, eu vi as coisas piorarem. A chacina desta quinta-feira (6) no Jacarezinho, que matou 25 pessoas, é a mais sangrenta da história. Por mais empatia que se tenha, não há como imaginar o que é presenciar o assassinato de alguém dentro da própria casa. “Me diz como minha filha vai dormir nesse quarto outra vez? Ela tem nove anos, executaram o cara aqui. Ela escutou tudo”, diz a mãe, cujo quarto e cama da criança estavam banhados de sangue. Banhados de sangue!
Muitas testemunhas afirmam que os policiais não queriam cumprir os 21 mandados de prisão. De fato, prenderam apenas seis pessoas. “Os meninos queriam se render, estavam acuados, abaixaram as armas, mas eles [os policiais] não deixaram, queriam matar. Mataram todos”, revelou um morador. Um dos corpos foi colocado sentado numa cadeira, às vistas dos moradores, com o dedo na boca. Era para servir de “exemplo”?
O exemplo que temos na favela é de uma polícia corrupta e de um Estado cúmplice do mal. A violência aumentou substantivamente nos últimos dez anos e explodiu com a ascensão de Bolsonaro e Witzel. Em 2019, a polícia fluminense matou 1.814 pessoas. O início da pandemia e o isolamento social foi convidativo à continuidade das operações violentas nas áreas mais empobrecidas da cidade, o que motivou o Supremo Tribunal Federal a proibir operações rotineiras. O ministro Edson Fachin usou o caso do menino João Pedro, de 14 anos, assassinado pela polícia em São Gonçalo, para exemplificar a barbárie. “Nada justifica que uma criança de 14 anos de idade seja alvejada mais de 70 vezes”, escreveu em sua decisão.
De junho, quando Fachin proferiu a liminar, até setembro, houve redução no número de assassinatos pela polícia. A média mensal caiu para 30 mortes (número absurdo, mas menor que as 150 mortes mensais de antes da decisão). Mas, desde outubro passado, os números voltaram a subir. Até março, foram registradas 434 operações policiais nas favelas do Rio, com 800 assassinatos.
O que fica perceptível é que o Estado não tenta acabar com o tráfico de drogas. O êxito da operação de quinta foi o massacre da população pobre e negra. O resultado é a negação do direito à saúde, à educação, à alimentação, à vida. Escolas não funcionaram, pessoas não foram vacinadas contra a covid-19 e as cestas básicas não foram distribuídas ontem no Jacarezinho. A favela, machucada, agonizante, segue em luta pela existência, eu sigo sobrevivendo entre a minha memória de um passado triste e um presente nada esperançoso.
*Jornalista da AdUFRJ, foi criada no conjunto de favelas da Maré
Após uma semana de intensa mobilização contra os cortes na UFRJ, o governo cedeu. Uma parte expressiva do orçamento (R$ 152 milhões) deixou de depender da aprovação do Congresso para ser liberada, graças a uma portaria do Ministério da Economia editada na manhã desta quinta (13). A vitória é parcial, segundo a reitoria, pois R$ 41,1 milhões do montante seguem bloqueados. E ainda está longe de resolver os problemas financeiros da maior federal do país. “É uma primeira vitória, mas que não deve nos tirar do foco que é a recomposição do orçamento no mínimo para o valor de 2020”, informa o pró-reitor de Planejamento e Finanças, professor Eduardo Raupp. Mesmo com todo o atual orçamento liberado, o funcionamento da instituição só estaria garantido até setembro.