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WEB menor 1125 p8aWEB menor 1125 p8O texto do professor Felipe Rosa, do Instituto de Física, e da designer instrucional Bruna Werneck, da Fundação Cecierj, é o segundo desta seção criada para acolher artigos de docentes sobre temas relacionados à quarentena. A diretoria abriu este canal a partir das reuniões do Conselho de Representantes. Os interessados devem escrever para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

 

Estamos diante do desafio de uma geração. À medida que o novo coronavirus se consolida como a mais grave crise sanitária global desde a gripe espanhola, as populações assoladas pela COVID-19 são obrigadas a mudar radicalmente seu estilo de vida: distanciamento social, confinamento residencial, rotinas intensas de limpeza e desinfecção, máscaras no rosto etc. Mas talvez o efeito mais duradouro da pandemia seja o aumento da nossa presença na internet: um breve passeio pela rede mostra que há lives para todos os gostos e interesses, pululam os aplicativos de videoconferência (vários dos quais nunca havíamos ouvido falar até poucas semanas atrás), e basta um dedo de prosa no proverbial zap para escutar as diversas soluções de teletrabalho que empresas e pessoas vêm adotando. Relacionado a esse último tópico, há um assunto espinhoso que a Universidade brasileira até colocou a barraca na areia, pôs os pés na água, mas não mergulhou. Só que o coronavírus levantou a maré repentinamente, e agora vamos ter que nos pôr todos a nadar... ou melhor, a navegar os percalços e benefícios da Educação a Distância.
WEB menor 1125 p8b    Bom, retrocedamos um pouco. O ensino a distância de nível superior existe formalmente desde o século XIX – os famosos cursos por correspondência — e na virada do século XX já atendia a dezenas de milhares de alunos no mundo inteiro. No Brasil tínhamos a Nova Universidade do Ar desde o pós-guerra, com suas aulas (em hora marcada) pelo rádio, e depois de maciça expansão da educação a distância de 1º e 2º graus a partir dos anos 60, vimos um movimento similar bem mais recente no nível superior, com a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB) e de experiências regionais consolidadas, como o Consórcio CEDERJ no Rio de Janeiro. Ou seja, nossa educação a distância não é propriamente uma novidade. No entanto, qualquer um que esteja sintonizado no humor das universidades e do movimento docente percebe um palpável desconforto sobre o assunto, uma mistura de voluntarismo, resistência, inquietação e perplexidade. Por que será?  
     No pano de fundo, temos a divisão do sistema universitário no Brasil entre as redes pública e privada. Não obstante sejam as universidades públicas aquelas de maior prestígio, com melhores índices de pesquisa e inserção mais eficiente no mercado de trabalho, a maior parte das matrículas — 80% — se encontra na rede privada.         Na modalidade a distância, o desequilíbrio de matrículas é ainda maior: 98% dos estudantes de encontram na rede privada. Isso representa mais da metade de todas as matrículas na rede privada, e metade dessas concentradas em apenas 5 instituições. Com a interrupção abrupta das atividades presenciais devido à pandemia, grande parte das universidades privadas se viu esmagada pela relação de clientelismo que estabeleceu com seus alunos: pela própria sobrevivência, precisam continuar “realizando entregas” para continuar cobrando mensalidades.     
    A solução encontrada foi simplesmente migrar todos os alunos da modalidade presencial para a distância, estabelecendo então um padrão que passa a ser cobrado das universidades públicas.
    Há, entretanto, diversos problemas nesse “padrão”. O primeiro deles é desconsiderar as condições de acesso dos alunos, pois mesmo em universidades onde existe uma cultura institucional de cursos online, há uma gama não desprezível de alunos simplesmente sem condições materiais de migrar para a EaD. O segundo, ainda mais grave, aparece ao olharmos a qualidade da educação que vem sendo ofertada nessas instituições. No Enade de 2019, apenas 3,3% dos cursos da rede privada obtiveram o grau máximo, enquanto o índice na rede pública foi de 20,3%.
    Não há, portanto, qualquer razoabilidade em se aceitar o padrão estipulado por instituições que oferecem ensino de qualidade pior. No entanto – e não temos como enfatizar isso o suficiente — tampouco é razoável que nos contentemos em esperar passar o período de distanciamento social para oferecermos oportunidades de crescimento e desenvolvimento aos nossos estudantes. Há um consenso entre os especialistas da saúde de que a presente situação excepcional ainda vai durar muitos meses, talvez anos, ao menos de forma intermitente. É urgente, então, que avancemos o debate sobre como viver – e isso inclui educar – em distanciamento social.
    A Universidade brasileira se estrutura a partir de um tripé: ensino, pesquisa e extensão. Se a retomada de aulas regulares é inadequada nas condições atuais, devemos ao máximo nos organizar em torno de projetos de pesquisa, de extensão, grupos de estudos ou atividades complementares. É preciso, no limite das nossas possibilidades, mapear todos os alunos de cada unidade para nos certificarmos sobre seu bem-estar e suas possibilidades de engajamento em alguma das atividades. Já vemos esforços nesse sentido, nos institutos diretamente envolvidos no combate à Covid-19. Mesmo alunos com mais dificuldade de acesso à internet podem ter interesse e condições de se envolver em atividades assíncronas, que envolvam apenas a conexão esporádica. Urge que “saiamos da caixinha”, que reajustemos nossas formalidades e estruturas burocráticas, assim como outros setores da sociedade estão fazendo.
    Enfim, precisamos fazer o que sabemos fazer. Se a Universidade pública, que esteve sob severo ataque nos últimos anos, não cumprir o seu papel de encontrar caminhos nesses tempos difíceis de pandemia, será cobrada da sociedade no futuro.  Estamos diante do desafio de uma geração, e não podemos nos esquivar do nosso dever e responsabilidade nessa provação.

Bruna Werneck (designer instrucional da Fundação Cecierj) e Felipe Rosa (professor do Instituto de Física)

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