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WhatsApp Image 2023 09 22 at 20.17.43MAYRA GOULART
Presidenta eleita da AdUFRJ e cientista política

ANA BEATRIZ MAGNO
Jornalista e coordenadora de Comunicação da AdUFRJ

 Sindicato era um tema que parecia démodé. Era assim até a tarde de quarta-feira, 19 de setembro, quando o assunto retornou ao noticiário internacional empoderado pela improvável parceria entre o presidente brasileiro e o norte-americano. Luiz Inácio Lula da Silva e Joe Biden firmaram o inédito pacto Parceria pelos Direitos dos Trabalhadores e Trabalhadoras. “Precisamos empoderar os trabalhadores. Disso se trata essa nossa parceria. Essa ideia foi desse senhor aqui”, disse Biden, em referência a Lula.
“Nunca tinha visto um presidente americano falar tanto e tão bem dos trabalhadores”, elogiou Lula, após assinar o tratado. Trata-se de um acordo bilateral que promete melhorar as condições de trabalho diante das transformações impostas pelas plataformas digitais, pela inteligência artificial e pelas novas tecnologias. O tema é caro para o Brasil e também para os Estados Unidos.
No momento, aliás, os Estados Unidos atravessam a primeira greve simultânea de sua história. Trabalhadores das três maiores montadoras americanas — General Motors, Ford e Stellantis — cruzaram os braços por melhores salários e por garantias de que não perderão os empregos com a ampliação da produção de carros elétricos. Pesquisas mostram que a nova tecnologia pode descartar mais de 30% da mão de obra da indústria tradicional.
Para enfrentar as novas tecnologias e defender os empregos, os sindicalistas americanos foram além das táticas clássicas do sindicalismo e se apropriaram de ferramentas digitais. A greve é liderada por Shawn Fain, um sindicalista entusiasta do velho Bernie Sanders, mas que defende uso incansável das redes sociais. É uma estratégia multifacetada, que, aliás, sem bairrismo, os professores da UFRJ usam e abusam desde 2015 no sindicato de professores da universidade.
O encontro nos Estados Unidos não apenas recoloca o mundo do trabalho no centro da discussão internacional, ele nos obriga a pensar os sindicatos não só como espaços de luta trabalhista, mas também como lócus de acolhimento e de defesa da democracia. “Não existe democracia forte sem sindicato forte”, sentenciou Lula, ex-metalúrgico que liderou greves nos anos 1980 e passou a semana estimulando seus assessores a visitar os sindicatos americanos. “Meu ministro de Trabalho passou o dia visitando os sindicatos que estão em greve”, completou.
Além do encontro com Biden sobre o pacto trabalhista, Lula fez um discurso na ONU emblemático e centrado numa frase mote: “O Brasil está de volta”. Nessa afirmação, o presidente se refere não apenas à sua trajetória como personalidade internacional e à sua aptidão em circular nesses espaços, mas à própria vocação do país e de sua diplomacia, que remonta ao período de configuração das instituições internacionais no pós-guerra.
Foi nesse contexto, durante a presidência de Jânio Quadros — quando alguns países reagiram à divisão do mundo entre as duas potências da época, Estados Unidos e URSS, para fundar o Movimento Não Alinhado — que descobrimos nosso potencial para o soft power, isto é, aquele poder que não advém das armas ou do dinheiro, mas do prestígio entre os pares. É a partir desse lugar de fala que Lula se empodera para defender um sistema multilateral que desafie as desigualdades econômicas, sociais e climáticas.
É também desse lugar que vem a legitimidade de Lula para pleitear um espaço à mesa com Joe Biden para discutir questões candentes do mundo do trabalho. Seu passado como líder sindical lhe dá esta autoridade, mas, sobretudo, sua condição de representante de um conjunto de países caracterizados pela superexploração do trabalho, enquanto atributo definidor de países de capitalismo tardio. Aqueles que entraram no jogo depois que as melhores posições já haviam sido ocupadas e que, pela reduzida competitividade tecnológica e/ou produtiva, buscam reduzir custos pelos baixos salários.
Além dos baixos salários, estes países se caracterizam pelas altas taxas de informalidade e, por conseguinte, pela fragilidade do sistema de direitos trabalhistas, haja vista uma opção por parte de suas elites de ganhar competitividade reduzindo os custos com mão de obra. Tal opção, que certamente é mais complexa do que o mero voluntarismo de empresários individualmente considerados, reforça a estrutura de desigualdades que caracteriza o nosso país.
“A pobreza e a desigualdade não interessam a ninguém. E eu acho que estamos, em pleno coração dos Estados Unidos, tentando despertar a expectativa de uma esperança. Eu vivi 27 anos em uma fábrica. Eu vivi o desemprego, eu vivi o mundo das greves”.
Lula nunca banalizou o trabalhador nem as greves. Seu colega americano está aprendendo a lição. Lançou sua candidatura num sindicato e agora tem traçado várias parcerias com sindicalistas. “Os trabalhadores é que vão impulsionar a transição para energia verde, que vão tornar segura a cadeia de valor. Eles que vão gerar infraestrutura para manter forte a economia”.
E assim, lá e cá, no centro e na periferia do mundo, começa a ecoar um grito que, nós, na universidade, conhecemos bem: “Sindicato presente!”.

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