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WhatsApp Image 2023 08 11 at 14.19.30 4Em menos de dez dias, o governo de São Paulo anunciou duas medidas na área de Educação que valem por décadas de retrocesso. A primeira, de 28 de julho, determina que os diretores vigiem os docentes em sala de aula e produzam relatórios bimestrais. Na segunda, divulgada no início de agosto, o governo abre mão dos recursos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) do MEC e passa a usar livros didáticos digitais com conteúdo próprio. Tão extraordinária quanto a capacidade de produzir retrocessos em tão pouco tempo foi a reação negativa de especialistas às duas medidas.
“O anúncio do material didático digital foi criticado por dez entre dez especialistas em Educação. Você não precisa abrir mão do livro didático para ter o recurso digital em sala de aula. Nem vice-versa. Não há dicotomia. Não faz o menor sentido abrir mão dos livros do PNLD, que são revisados por especialistas sérios, com editais detalhados, financiados por recursos federais. Substituir isso por material digital e dizer depois que ele será impresso para as escolas é de uma irracionalidade brutal”, criticou o professor Fernando Cássio, da Universidade Federal do ABC e estudioso de políticas educacionais.
VIOLAÇÃO DE PRINCÍPIOS
Tão logo a decisão de abolir os livros didáticos impressos foi anunciada pelo governo do bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), o Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito para apurar a decisão. “Há uma potencial restrição da liberdade de cátedra dos professores, diante da provável limitação de escolha e padronização do material a ser disponibilizado pelo Estado de São Paulo em comparação com a pluralidade dos títulos disponíveis pelo PNLD, com possível violação aos princípios constitucionais da liberdade de ensinar e do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas”, alertou a promotora Fernanda Peixoto Cassiano, que assina o documento.
Ao fazer o anúncio no início de agosto, o secretário de Educação, o empresário Renato Feder, defendeu assim a decisão. “A aula é uma grande TV, que passa os slides em PowerPoint, alunos com papel e caneta, anotando e fazendo exercícios. O livro tradicional, ele sai”.
Enquanto o programa federal oferece uma lista de obras didáticas e permite que professores e diretores escolham com quais livros querem trabalhar, o material preparado pela Secretaria de Educação é padronizado para todas as escolas. A rede tem 3,5 milhões de alunos e 250 mil professores.
Diante da repercussão negativa, o governo paulista recuou. Mas nem tanto. Tarcísio de Freitas declarou que o material digital será impresso e ficará à disposição dos alunos. Mas o governo manteve a decisão de não adotar os livros do PNLD. O secretário Renato Feder convocou uma coletiva no início desta semana para dizer que a opção de ficar fora do programa federal se baseia no fato de que “os livros do MEC não podem ser grifados pelos alunos”, já que são reaproveitados por outras turmas nos anos seguintes.
O professor Fernando Cássio considera insustentáveis as alegações do governo paulista. “O que tem circulado nas escolas de Ensino Médio são conjuntos de slides, de Power Point, de baixíssima qualidade, com conteúdo retirado de plataformas de internet”, apontou. Segundo ele, países que passaram a adotar material 100% digital nas escolas recuaram.
A Suécia é um exemplo. O país vinha substituindo os impressos por materiais digitais ao longo dos últimos 15 anos, e fazendo pesquisas para aferir a eficácia dessa substituição. Em artigo escrito em dezembro do ano passado a um jornal de Estocolmo, a ministra da Educação e Pesquisa da Suécia, Lotta Edholm, revelou que as pesquisas mostraram prejuízos ao processo educacional dos alunos sem os impressos. Em maio deste ano, a Suécia anunciou investimentos anuais de R$ 315 milhões para a compra de livros didáticos em papel.
Para o professor Fernando Cássio há ainda um conflito de interesses. “A medida embute um interesse de mercado. Temos um secretário de Educação que não é um educador, é um empresário do ramo de tecnologia, acionista de uma empresa que vende equipamentos para o governo de São Paulo. Faz prospecção de negócios como secretário de Educação. E não só para agora, mas para o futuro”, alertou. O MPSP investiga esse eventual conflito de interesses (veja matéria abaixo).
O aparente recuo do governo paulista é visto com cautela por Fernando Cássio. “O governo usa táticas bolsonaristas, isso tem sido feito sistematicamente desde que Tarcísio de Freitas assumiu. Faz um anúncio, testa a repercussão, faz outro anúncio, muda de ideia, e assim por diante”, detectou o professor.
O Jornal da AdUFRJ encaminhou pedidos de esclarecimentos ao governo de São Paulo sobre as duas medidas. Mas, até o fechamento desta edição, não houve retorno (prática também consagrada pelo governo Bolsonaro).

MONITORAMENTO
Se recuou, ao menos parcialmente, na questão dos livros didáticos, o governo paulista não dá mostras de arrependimento em relação à vigilância dos professores. Mesmo com as críticas em peso, a portaria continua de pé. “É uma aberração sob todos os pontos de vista. Do ponto de vista legal, viola o princípio constitucional de liberdade de cátedra. No aspecto pedagógico, é totalmente contrário ao princípio da gestão democrática, consagrada na Constituição de 1988, e consolidada na Lei de Diretrizes e Bases de 1996. E tem um viés autoritário inequívoco”, resumiu Ana Lúcia Fernandes, professora da Faculdade de Educação e diretora da AdUFRJ.
Além do viés autoritário, segundo Ana Lúcia, há também um viés ideológico. “A educação é um pacto social amplo e isso parece ser a vontade de um grupo de fiscalizar o que o professor ensina em sala de aula. Essa proposta coloca o professor como um executador de uma proposta que vem de cima para baixo. E transforma os coordenadores e diretores em fiscais. O argumento de que a medida é em favor da eficiência é uma falácia. Já existe um mecanismo para averiguar isso, que são as provas. Nada justifica que um monitoramento persecutório cumpra esse papel”, observou.
O presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Fábio Moraes, disse que os professores vão se mobilizar para derrubar a medida. “É absolutamente arbitrário esse negócio de colocar diretor de escola vigiando professor e produzindo relatório. Isso é bizarro. O objetivo dessa portaria não é dar suporte. É de colocar o terror”, denunciou Fábio.
Para o sindicalista, a medida é nefasta tanto para o professor quanto para o diretor. “Veja o lado do diretor que está numa escola onde não tem merendeira, pois é terceirizada e não recebe o salário, onde faltam professores porque não tem concurso, onde tem goteira e falta papel no banheiro. Esse diretor ainda é obrigado a ir para a sala de aula vigiar professor e fazer relatório. Tudo para checar se o professor está dando em aula aquele pensamento único que eles querem impor, com a retirada do material didático do PNLD. É tudo pensado. Fere a nossa liberdade de cátedra”, argumentou.
O sindicato convocou um ato contra as medidas na próxima quarta-feira, às 16h, na Praça da República, região central de São Paulo. E recomendou que cada manifestante leve um livro.
Na quinta-feira (10), o PSOL protocolou uma representação no Ministério Público de São Paulo pedindo nova investigação contra a Secretaria de Educação por violação à privacidade de professores e alunos da rede estadual. Sem autorização, a secretaria instalou o aplicativo “Minha Escola” nos celulares conectados ao seu sistema. O aplicativo é usado para alunos verificarem notas e faltas e pode captar dados pessoais dos usuários, o que contraria a Lei Geral de Proteção de Dados. Foi a terceira medida polêmica, para dizer o mínimo, em pouco menos de 15 dias. É realmente extraordinário.

FEDER: ATUAL SECRETÁRIO, QUASE MINISTRO, SEMPRE EMPRESÁRIO

WhatsApp Image 2023 08 11 at 14.20.53 3O MPSP instaurou em março uma investigação sobre eventual conflito de interesses em contratos da Secretaria de Educação do estado. O procedimento tem como foco o secretário Renato Feder, que é acionista da Dragon Gem LLC, offshore com sede no estado norte-americano de Delaware, conhecido paraíso fiscal. A Dragon detém 28,16% das ações da Multilaser Industrial S.A., empresa que fornece notebooks e tablets para a Secretaria de Educação, comandada por Feder. Firmados em 2022 — portanto antes do início da atual gestão —, os contratos movimentam cifras em torno de R$ 200 milhões.
O empresário que comanda a pasta da Educação do governo paulista já ocupou o mesmo cargo no Paraná, onde se destacou por promover a maior ampliação da rede de escolas cívico-militares do país — um dos “feitos” do governo Bolsonaro na área da Educação: 195 escolas estaduais passaram a adotar o modelo. Além disso, sob a batuta do governador bolsonarista Ratinho Junior, Feder abriu editais para a gestão de escolas públicas por empresas e fundações educacionais. Mais: por meio da faculdade privada Unicesumar, a secretaria passou a oferecer teleaulas para o ensino médio profissionalizante.
Talvez por conta desse seu desapego ao ensino público, Feder quase foi alçado à condição de ministro da Educação no governo Bolsonaro, para suceder Carlos Alberto Decotelli, que durou poucos dias no cargo por fraudar seu currículo.
A sua “nomeação” chegou a ser anunciada pela deputada bolsonarista Bia Kicis em seu perfil no Twitter em 3 de julho de 2020. A tática bolsonarista de vazar o nome para aferir a repercussão foi fatal para Feder. A bancada evangélica e a seita olavista foram contra, e logo se descobriu que o empresário fora um dos mais generosos doadores para a campanha do governador João Dória, em São Paulo, inimigo de Bolsonaro.

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