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WhatsApp Image 2023 07 12 at 18.19.44 4Foto: Fernando SouzaPor Alexandre Medeiros, Ana Beatriz Magno, Kelvin Melo e Silvana Sá

Dois anos de pandemia, quatro de cortes orçamentários e um governo federal que tinha aversão às universidades públicas e desapreço à Ciência. Foi sob essa conjuntura desfavorável, para dizer o mínimo, que a gestão da reitora Denise Pires de Carvalho — hoje secretária de Educação Superior do MEC — e do vice-reitor Carlos Frederico Leão Rocha conseguiu superar uma das mais duras fases da história centenária da UFRJ. Leão Rocha assumiu a reitoria após a saída de Denise, em fevereiro, e concluiu um trabalho que, diante de tantos percalços, é por ele considerado como vitorioso. “Entregamos uma universidade melhor do que nós pegamos. Melhor equipada, tanto sob o ponto de vista administrativo quanto do acadêmico”, considera o professor, que passou o bastão há duas semanas para seu sucessor, o professor Roberto Medronho.
Nesta entrevista, Leão Rocha fala de erros e acertos de sua gestão, sem medir as palavras. Entre os acertos, o ex-reitor destaca a condução da universidade durante a pandemia e depois. “Acho que a atuação da UFRJ na pandemia foi exemplar. E conseguimos levar essa universidade para o remoto superando grandes dificuldades, sem nenhuma experiência anterior desse tipo”, lembra ele. Um dos erros apontados pelo professor foi o tratamento dado ao pagamento dos adicionais de insalubridade. “Nisso a gente falhou na gestão. E tivemos dificuldades de falar isso adequadamente aos sindicatos. Houve um erro de comunicação sério da nossa gestão”, reconhece o ex-reitor.
Professor do Instituto de Economia, Leão Rocha quer agora “voltar para casa”, dar aulas de Microeconomia e iniciar uma linha de pesquisa em descarbonização. “Tem uma hora que você sente falta daquele cafezinho debaixo da árvore, que você tomava com seus colegas”, diz o professor, que nos concedeu esta entrevista em seu último dia no gabinete de reitor.

Jornal da Adufrj - No dia 26 de junho houve a sua última reunião com a equipe do gabinete da reitoria. Como foi essa reunião?
Carlos Frederico Leão Rocha
- Convoquei a reunião, em primeiro lugar, para agradecer a todos e todas que participaram da gestão pelo apoio durante esse período. E também para fazer um balanço dos desafios que enfrentamos e superamos. Foi uma despedida, um encerramento de ciclo.

E quais foram esses desafios? No último Consuni do qual participou como reitor o senhor falou que sentia orgulho dessa gestão. Por que motivo?
Nossa gestão teve duas características chocantes. A primeira foi a pandemia por dois anos. A segunda foi que pegamos os piores orçamentos da história recente da universidade. E superamos boa parte desses problemas. Acho que a atuação da UFRJ na pandemia foi exemplar. E boa parte desse crédito se deve ao papel que a Denise (a ex-reitora Denise Pires de Carvalho, hoje à frente da SESu do MEC) desempenhou. Ela formou um grupo de trabalho específico para o enfrentamento à pandemia, uma iniciativa fundamental. E conseguimos levar essa universidade para o remoto superando grandes dificuldades, sem nenhuma experiência anterior desse tipo.

E depois trazer de volta a universidade ao modo presencial...
Sim, e tinha muita gente contrária ao retorno. Algumas pessoas da nossa própria equipe se posicionaram assim, e nós bancamos a volta ao presencial.

Não lhe parece que a universidade ainda não voltou ao normal, está bem mais vazia do que estava antes?
Acho que isso não é exclusivo da UFRJ, todas estão assim. Acho que as pessoas descobriram formas alternativas de participação. E principalmente na área de pesquisa houve essa mudança, o local de trabalho de muitos pesquisadores mudou.

Em uma apresentação recente, o professor Marcelo de Pádula (pró-reitor de Graduação) falou sobre o aumento no número dos estudantes de graduação, de 45 mil para 56 mil, por causa dos trancamentos especiais Na pandemia. Onde estão esses alunos?
Há que se observar que estamos pela primeira vez em um semestre em que não há trancamento especial. Isso tem que ser considerado quando analisarmos os números dessa apresentação. Eu queria falar de um aspecto paralelo. Nós pegamos a universidade após três grandes incêndios. E tivemos um quarto durante a nossa gestão. Com um orçamento pequeno, nós estamos entregando as obras do Museu Nacional com tudo encaminhado para a sua conclusão em 2026. Arrecadamos cerca de R$ 250 milhões e há uma promessa do MEC de direcionar mais R$ 180 milhões para a finalização dessas obras.

Esse prazo será cumprido?
Sim, o cronograma vem sendo cumprido. O bloco principal tem previsão de entrega em abril de 2026.

E os outros incêndios?
Tivemos o incêndio do JMM (Edifício Jorge Machado Moreira) em 2016. Dos quatro andares que foram afetados, nós entregamos três. O terceiro incêndio foi no alojamento dos estudantes, em 2017, que nós acabamos de entregar recuperado. E o incêndio em nossa gestão, o do NPD (Núcleo de Pesquisa e Documentação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, em 2021), estamos entregando toda a estrutura de volta também. Isso é um exemplo. Com poucos recursos disponíveis, nós mantivemos a qualidade.

Desde a gestão do professor Aloísio (Aloísio Teixeira, reitor da UFRJ entre 2003 e 2011), nenhum reitor foi reeleito. Por que, desde lá, nenhum reitor é candidato à reeleição?
Não sei quanto aos outros. No meu caso, eu não fui candidato à reeleição porque as articulações políticas não permitiram. Terminei a última reunião com a equipe dizendo que essa equipe mereceria um segundo mandato. É legítimo o próximo reitor escolher sua equipe, o mandato é dele, jamais cobraria isso do Medronho (Roberto Medronho, reitor eleito e nomeado na semana passada pelo presidente Lula). É uma nova articulação política.

Uma articulação diferente daquela que lhe trouxe até aqui?
Sim. São outros atores. Não é a mesma correlação de forças. Há uma mudança substantiva das pessoas que são chave no núcleo político que pensa a universidade. A decisão de que eu participasse da chapa com a Denise foi tomada em uma reunião na casa do professor Pinguelli (Luiz Pinguelli Rosa, falecido em 2022) e sob uma forte influência da forma como nós organizamos a AdUFRJ em 2015. E dessa vez essa composição foi feita de forma diferente. O professor Medronho partiu de uma articulação muito forte no CCS e partiu para uma discussão com cada um dos centros sobre a sua candidatura. Acho que é um movimento menos de base do que o que nos trouxe até aqui. Nós tínhamos uma discussão mais de base.

O projeto do novo Canecão talvez tenha sido o grande desgaste político da gestão. Mas vocês não perderam nenhuma votação no Consuni. Ou seja, o desgaste não os levou a derrotas, nem nesse ou em qualquer outro projeto mais polêmico, como o da Ebserh. Em contrapartida, todo esse potencial não fez do senhor candidato a reitor. Por quê?
Há atores que preferiram que eu não fosse candidato. Nós tivemos várias reuniões. Eu só poderia ser candidato se fosse candidato da situação. E eu não encontrei apoio na situação. Isso inicialmente me deixou bastante frustrado.

Você se sentiu traído?
Acho que eu não tive o apoio que eu pensava, que eu achava necessário. Eu só poderia ser candidato se fosse candidato de dentro da reitoria, e não encontrei condições para que isso acontecesse.

Há algo que seja a marca de sua gestão, depois da saída da professora Denise?
A minha gestão foi muito curta, são seis meses. Acho que eu e Denise tivemos uma gestão conjunta, e me orgulho da maneira como me inseri como vice-reitor. Não me lembro de outro vice-reitor que tenha sido tão efetivo quanto eu fui. Alguns projetos eu me orgulho de ter estado à frente, como o do Canecão, a mudança do prédio da reitoria para o Parque Tecnológico é outro. O uso dos recursos da CIP (Custos Indiretos dos Projetos) é um projeto meu. É uma norma da ANP (Agência Nacional do Petróleo) que permite o uso de recursos advindos de exploração de campos de alta produtividade para P&D em universidades e centros de pesquisa. A UFRJ é a principal destinatária desses recursos das petroleiras, usados na infraestrutura de laboratórios, em projetos da Coppe, da Escola de Química e de outras unidades. Esses recursos também permitiram a criação de nossas brigadas de incêndio.

O senhor não acha que a reitoria aqui no Parque Tecnológico fica encastelada, longe do cotidiano da universidade?
Eu não tenho medo disso. Eu mandei instalar a placa da reitoria na entrada desse prédio, não acho que temos que esconder que estamos aqui, muito pelo contrário. Essa área do parque é da universidade e temos que habitá-la. Temos aqui um ambiente de trabalho adequado, espaço para as equipes. A área antes ocupada pela reitoria no JMM voltou para a FAU, que sempre teve o desejo de retornar à sua sede, e pode ser utilizada também pela Escola de Belas Artes.

O senhor acha que essa mania dos “puxadinhos” é cultural na UFRJ?
Acho que a UFRJ tem um problema clássico de subinvestimento. É mais ou menos assim: eu recebo um recurso, faço um prédio novo e esse prédio vai se deteriorando sem manutenção ao longo do tempo. Temos uma estimativa de que são precisos R$ 400 milhões para concluir nossas obras inacabadas. Não precisamos derrubar nenhum dos prédios inacabados. Temos estudos técnicos mostrando que todos são plenamente recuperáveis. Para o MEC, nem são obras inacabadas, pois os recursos liberados foram efetivamente gastos em etapas iniciais da construção.

Voltando às votações do Consuni sobre o Canecão...
Sim, logo depois de uma dessas votações, alguém me disse que o Canecão seria um tema da campanha. E eu respondi que se o Canecão fosse um tema da campanha nós ganharíamos a eleição. De fato, o Canecão foi tema da campanha. Você não perde eleição pelo que fez, perde pelo que não fez. E nós fizemos. O Canecão tem contrato assinado. Com a Ebserh, o Consuni aprovou o início das negociações, mas creio que o Roberto Medronho vai tocar isso, não tenho a mínima dúvida. Além do mais ele vindo da Faculdade de Medicina, que está empenhada nesse processo. A pressão que nós recebemos dos médicos para tocar a Ebserh foi muito grande.

No campo do quadro pessoal, sua gestão enfrentou alguns problemas, como os adicionais de insalubridade e as progressões. Houve algum erro de condução da reitoria em relação a esses problemas?
Acho que nós tínhamos que ter nos comunicado de maneira mais clara com os sindicatos, com a AdUFRJ e com o Sintufrj. Acho que temos limitações legais e uma equipe técnica na PR-4 que atende a manuais aos quais não temos acesso. A formação desses quadros é feita de uma maneira centralizada em Brasília e eles seguem orientações que não são dadas por nós. Os técnicos seguem as orientações emitidas pelo Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec), com normativas bastante restritivas, por exemplo, no que se refere aos adicionais. Só eles podem ter acesso ao sistema, com o CPF deles. Isso é um lado. Outro lado é a falta de estrutura, por exemplo, a falta de aparatos de medição. E nisso a gente falhou na gestão. E tivemos dificuldades de falar isso adequadamente aos sindicatos. Houve um erro de comunicação sério da nossa gestão.

E sobre as progressões?
No caso das progressões múltiplas, eu tenho trabalhado para avançarmos. Estive com a ministra da Gestão recentemente para tratar desse assunto. Mas não é simples. A legislação impõe aos professores a avaliação, enquanto isso não é exigido de outras carreiras. Há unidades na UFRJ, por exemplo, que exigem que o docente apresente todas as suas publicações em papel ou em foto na sua avaliação. Não basta ter preenchido o Lattes. Há outras em que o professor tem que comprovar que deu aulas! Isso não é razoável.

O senhor considera que a gestão do professor Medronho é uma continuidade da sua?
Não, acho que a nossa gestão terminou. Entra uma nova gestão, com uma nova correlação de forças, novos atores centrais. Mas o professor Roberto Medronho é do nosso campo político. E se você entender a nossa gestão como um campo político, eu acho que sim, que há uma influência da nossa atuação.

O senhor entrega uma UFRJ melhor da que encontrou no início de sua gestão?
Sim, entregamos uma universidade melhor do que nós pegamos. Melhor equipada, tanto sob o ponto de vista administrativo quanto do acadêmico. Hoje eu tenha a oportunidade de saber onde está cada egresso da UFRJ desde que esteja formalmente empregado. Futuramente vamos conseguir saber quais empresas são de propriedade de egressos da UFRJ. Estamos substancialmente melhores, mas nós não tivemos orçamento. E a UFRJ tem uma estrutura muito lenta de decisão. Os equívocos de uma gestão muitas vezes só são percebidos na gestão seguinte. Eu participei do Plano Diretor 2010-2020, e os equívocos daquele plano eu só vi agora. Tivemos iniciativas muito boas, que vão ficar.

Uma delas foi a criação da Superintendência de Ações Afirmativas e Diversidade.
Um dos nomes mais citados no último Consuni que tratou desse tema foi o do professor Marcelo Paixão, que conheço desde os 18 anos, foi meu contemporâneo no Instituto de Economia. E ele tem uma tese brilhante sobre a questão negra no Brasil e de como a esquerda vê essa questão. Ele sempre pontuou a necessidade de políticas afirmativas, e ele foi ao Consuni em 2010 colocar esse ponto de vista ao tratar da questão das cotas. E essa questão foi derrotada no Conselho, a UFRJ votou contra aquela proposta de resolução do professor Marcelo Paixão. Tínhamos uma dívida, e ela veio sendo recuperada ao longo dos anos. Houve a criação (em 2021) do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi). E agora veio a criação dessa superintendência, foi uma reparação. Eu acho que a política de cotas chegou ao limite, e a gente tem que buscar outras formas de reparação e ações afirmativas na UFRJ.

E olhando para o futuro da universidade, qual a sua visão?
Eu acho que a gente vai ter um questionamento da universidade, sobre sua função. E principalmente da universidade de Humboldt (A Universidade Humboldt de Berlim, fundada em 1810 pelo linguista e educador liberal prussiano Wilhelm von Humboldt, influenciou com seu modelo outras universidades ocidentais), que é a universidade de pesquisa. Só no Rio de Janeiro, nós formamos dois mil doutores por ano, entre 40% e 50% deles colocados na praça pela UFRJ. E a UFRJ absorve cerca de 10% do que ela forma por ano. Os outros 90% não consegue absorver. Não há expansão possível das universidades para absorver, e nem o mercado está absorvendo. A política de inovação, que nós aprovamos em nossa gestão, pretende conectar o saber acumulado e produzido aqui dentro com a sociedade, tenta fazer essa aproximação. Porque, do contrário, daqui a pouco vão nos questionar qual a nossa função. Estamos fazendo a nossa parte, mas e daí? Se o mercado não absorve, para que serve fazer a nossa parte? Por que criamos um sem número de programas sem rever os existentes? Temos que pensar nisso.

Há algo que o senhor gostaria de ter feito e não fez?
Eu gostaria de ter concluído o projeto patrimonial. As obras paradas, ter a solução para elas. Gostaria de ter entregue um prédio de pesquisas em Macaé, que estava contratado, mas houve um problema e não consegui. Podíamos ter avançado na concepção de graduação. Cheguei a montar um grupo de estudos para rever os princípios da graduação pós-pandemia, mas não conseguimos inserir essa questão de forma mais concreta nos conselhos universitários. Acho que somos muito intensivos em carga horária e pouco intensivos em estudo, damos pouca liberdade para os alunos pensarem. Temos um excessivo direcionamento desses meninos. Qual a necessidade de se ter Economia fechada, Administração fechada? Quando esses alunos chegam aqui, com 16, 17, 18 anos, eles só sabem as notas de corte. Por que damos essa responsabilidade a eles, de escolher logo um caminho fechado tão cedo? Não sei se isso é consenso do ponto de vista acadêmico, creio que há uma resistência dos próprios professores, dos conselhos profissionais, mas sei que gostaria de ter avançado com essa discussão na UFRJ.

E qual será seu rumo a partir de agora?
Eu vou para o Instituto de Economia. Voltar a dar aulas de Microeconomia. Estou iniciando uma linha de pesquisa em descarbonização, e devo me dedicar a isso nos próximos anos. Vou voltar para minha casa, acho que está na hora de voltar para casa. Tem uma hora que você sente falta daquele cafezinho debaixo da árvore, que você tomava com seus colegas. Eu sou um professor, sou um pesquisador. Dei poucas aulas nesse período aqui na reitoria.

Mas isso quer dizer que sua carreira como gestor está encerrada?
Não. Apenas estou voltando para o Instituto de Economia nesse momento. Essa é uma decisão firme. Está na hora de reformatar a vida, voltar às origens.

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