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Por Igor Vieira

Em meio à euforia com as primeiras medidas do novo governo Lula, com ações em várias áreas — inimagináveis no período de trevas de Jair Bolsonaro —, não é incomum perder de vista que a reforma do Ensino Médio está em vigor. Ela foi instituída no governo Michel Temer, por meio da Medida Provisória 746), e o primeiro ciclo de implantação gradual começou no ano passado e vai até 2024. Mas cresce um movimento pela revogação da medida.

Para o professor Roberto Leher, ex-reitor da UFRJ e especialista em Educação, a reforma teve um erro de origem. “Ela foi instaurada após o golpe de 2016 (quer levou ao impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff) por meio de uma medida provisória. O que é uma impropriedade. Um tema como a reforma do Ensino Médio não pode ser objeto de medida provisória”, diz Leher.

Segundo o professor, a reforma carece de conteúdo. “O conceito geral dos empresários é de que o país vai precisar apenas de trabalho simples, de técnicos, com uma formação mais utilitarista e pouca fundamentação científica e tecnológica. A reforma trabalha com conceitos gelatinosos e sem uma formação humana, que prepare os jovens para o século XXI”, argumenta.

O ex-reitor sustenta que faltou diálogo para a elaboração da proposta e defende a revogação da MP. “A reforma do Ensino Médio caminha junto com a nova Base Nacional Comum Curricular, também apresentada no governo Temer. Ela inclui técnicas de como fazer brigadeiros, e não um processo formativo de maior complexidade. É um ataque à cidadania. Não há uma proposta verdadeira de diálogo com universidades, empresariado, movimentos sociais e estudantis”.

Leher considera a educação fundamental para o jovem: “Temos que abrir os horizontes dos estudantes para que, ao terminarem o EM, façam escolhas consolidadas. Por exemplo, defendo que o jovem tenha uma educação artística geral, mas não significa que todos serão artistas. Também devem saber sobre as questões ambientais atuais, a matriz energética, a economia em crise. O Novo Ensino Médio não coloca os jovens no século XXI”.

A reforma é um debate complexo, que tem diversos pontos de vista. Professora da Faculdade de Educação e diretora da AdUFRJ, Ana Lúcia Fernandes considera que as críticas são válidas, mas faz algumas ponderações: “Há estados que estão na metade da implementação do ciclo 2022-2024. Revogar significa interromper esse processo em curso e entrar em um vazio legal, ou voltar para o que era antes, que também não era bom”, pontua.
“É verdade que a carga horária foi aumentada em escolas que têm pouca infraestrutura, e existem muitos exemplos de oferta de matérias esdrúxulas e fora do contexto escolar. Porém, tais circunstâncias não devem servir para condenar uma tentativa de mudança em curso, mas sim para fomentar um aprofundamento da reflexão sobre a grade curricular”, complementa a professora.

Ana Lúcia vê um aspecto positivo na reforma: “A possibilidade de os estudantes estabelecerem seus projetos de vida, pensando nas suas trajetórias de forma autônoma e diversificada, é algo inédito no país. Em termos de extensão territorial e diversidade cultural, será mesmo que tudo tem que ser igual?”, observa.

PROTESTOS
O Novo Ensino Médio vem sendo alvo de manifestações em todo país. Na quarta-feira (22), professores, alunos e movimentos sociais se reuniram em frente ao MASP, na capital paulista, para exigir a revogação da reforma. Os manifestantes chegaram a bloquear a Avenida Paulista. As primeiras manifestações ocorreram em 15 de março, convocadas por entidades estudantis como a União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES).

No Rio, a Cinelândia foi o palco de uma grande manifestação no dia 15. Ao lado de professores e de entidades sindicais, estudantes de escolas públicas como o Colégio Pedro II e a Faetec protestaram diante da Secretaria de Educação do estado e ocuparam as escadarias da Assembleia Legislativa (Alerj).

O professor Jaber Câmara, que ensina Filosofia na rede pública estadual, constatou a piora do ensino com o Novo Ensino Médio. “Na rede privada, as aulas eletivas estão acontecendo no contraturno. Já na rede pública, muitos estudantes têm que trabalhar à tarde porque não podem permanecer apenas na escola”.

O docente observou que as escolas não têm infraestrutura adequada para suportar as mudanças. “Ocorre uma perpetuação da desigualdade, porque o aluno não vai ingressar no Ensino Superior e mudar seu cenário de vida. As escolas públicas ainda contam com falta de pessoal e de infraestrutura. Não adianta reformar o modelo se a estrutura continua sucateada”, disse Jaber.

REVOGAÇÃO
A estudante Vivian Werneck, representante do grêmio da Faetec, deu seu relato: “Temos matérias com nomes vagos, como ‘Projeto de Vida’, em que conversamos sobre questões pessoais que não são pauta para sala de aula. Os professores que dão a matéria não estão preparados, pois antes ensinavam outros assuntos, bem mais importantes”. Ela pede a revogação do que vê como “uma elitização do ensino”.

Ex-presidente do grêmio do Colégio Pedro II de Realengo, Jamily Roberta, que acabou de se formar, foi apoiar os colegas: “O Pedro II é conhecido por ter uma educação de excelência e libertadora. A reforma ainda não nos afetou, mas caso continue, vai substituir a educação de qualidade por uma educação de lógica neoliberal”, destacou.

Lucas Peruzzi, coordenador do DCE Mário Prata da UFRJ, seguiu a mesma linha de Jamily: “Muitos dos universitários, futuramente, estarão licenciados para dar aula nessas escolas que estão cada vez mais sucateadas. A reforma foi pensada para atender grandes empresários e bancos, e não uma educação gratuita e de qualidade”.

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