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WhatsApp Image 2021 01 15 at 10.53.57 1Josué Medeiros
Diretor da AdUFRJ, cientista político e coordenador do Núcleo de Estudos sobre a Democracia Brasileira

Em 20 de janeiro, o democrata Joe Biden toma posse como presidente dos Estados Unidos. A Era Trump chega formalmente ao fim. Mas os perigos fascistas e autoritários que ele representa e impulsiona terão cessado com essa saída do poder? 

Obviamente, a resposta é não. Trump teve 75 milhões de votos, dez milhões a mais do que em 2016. Algumas das vitórias democratas mais importantes para retirar Trump da presidência se deram por margem estreita de votos. Na Geórgia, por exemplo, foi por 11 mil votos.
WhatsApp Image 2021 01 15 at 10.53.57Os ataques que marcaram a invasão do Capitólio em 6 de janeiro são mais um sintoma da força do trumpismo nos EUA. No dia que deveria ser a consagração da sua derrota, Trump rouba a cena, desafia as instituições e mostra que seu ciclo político não acabou. Os apoios que recebeu no Partido Republicano são outra demonstração de força. Seu recuo posterior não muda isso, pois é o padrão típico das lideranças autoritárias. Recuam para disfarçar e, depois, voltam ao ataque.
Por tudo isso, o desafio de Biden é gigante e complexo. Se ele repetir o padrão dos últimos governos democratas, jogará água no moinho da descrença na democracia e fortalecerá as energias do trumpismo. Se não cumprir suas promessas, Biden alimentará toda a narrativa de Trump e, ao mesmo tempo, desmobilizará a parcela mais ativa da sociedade civil dos EUA que se engajou por ele. Trump conta com isso e vai manter seu movimento vivo atacando cada erro ou inação do governo.
Trump só foi derrotado porque, além de um processo de enfrentamento institucional organizado e coerente (impeachment tramitando no Congresso, Justiça barrando ações radicais do presidente, empresas bloqueando a circulação de informações e recursos para as milícias digitais e de rua do trumpismo), ocorreu nos EUA um grande processo de mobilização social que não só sustentou os movimentos institucionais, mas avançou na cobrança por mais direitos e por uma democracia mais substantiva.
Os movimentos antirracistas reunidos sob a insígnia “Black Lives Matter” e a ação da ativista Stacey Abrams na Geórgia, que coordenou um processo de registro eleitoral de negros e migrantes, são a melhor expressão da força dessas lutas, cujas demandas deveriam ser prioritárias para o novo governo, se quiser, de fato, acabar com o trumpismo.

E o Brasil nisso tudo?
Subestimar a força de Trump – ou de Bolsonaro – é um erro que não podemos mais cometer.
No Brasil, também temos a energia cívica do movimento negro, como nos EUA, e ainda do feminismo, que na Argentina conquistou a legalização do aborto, mas ainda não conseguimos consolidar um amplo movimento de cidadania para enfrentar o avanço do projeto autoritário de Bolsonaro. Na Educação, depois da grande mobilização de 15 de Maio de 2019, que deu um freio no então ministro Weintraub, conquistamos recentemente a histórica vitória de renovação do Fundeb. Trata-se do primeiro direito que conquistamos desde 2015, quando os direitos trabalhistas para empregadas domésticas foram incluídos na Constituição.
Todavia, seguimos na defensiva, sem entender a lógica de Bolsonaro e sem conseguir transformar nossa comoção com os mais de 200 mil mortos e com o fim do auxílio emergencial em resistência organizada.
O perigo autoritário segue mais vivo do que nunca, embora ele agora não conte com o apoio do presidente dos EUA, o que é bastante importante. Os ataques contra a sociedade civil, a destruição da natureza, o processo de desmonte do Estado, a asfixia das universidades, tudo segue seu curso sem maiores obstáculos.
O fato é que Bolsonaro mantém um nível de popularidade suficiente para garantir uma vaga no segundo turno; aumentou seu controle sobre instituições-chave tal qual a PF; indicou um ministro do STF, indicará outro em 2021, além de estar bem colocado no STJ e em outras instâncias; tem procurado organizar uma rede de policiais, bombeiros e militares de baixa patente; tem ao seu lado grande parte do empresariado brasileiro; e, por fim, pode sacramentar sua força emplacando um aliado na presidência da Câmara.
A vitória de Arthur Lira para o comando dos deputados terá duas consequências para a consolidação do projeto bolsonarista: primeiro, a hipótese do impeachment estará sepultada em definitivo. O afastamento de Bolsonaro é uma construção difícil para 2021, por conta de todos os elementos da conjuntura que já falamos. Mas com Lira na presidência da Câmara, mesmo que algumas daquelas condições mudem – por exemplo, mobilizações sociais contra o governo impulsionadas pela insatisfação popular diante da piora de vida – não terão como ser canalizadas no parlamento.
A segunda consequência é a possibilidade que Bolsonaro terá para fazer avançar sua agenda autoritária em projetos de armamento da população, aumento do poder das forças repressoras (excludente de ilicitude) contra a população negra e contra os movimentos sociais e ataque aos direitos das mulheres e LGBTs.
Bolsonaro sequer precisa ter maioria para aprovar essa agenda. Para ele, basta que ela tramite e vá para votação em plenário. Em caso de rejeição, o bolsonarismo usará o resultado negativo para insuflar suas milícias contra as instituições e reforçar o sentimento antissistema.
Outro agenda que pode avançar é o questionamento à lisura do processo eleitoral brasileiro. Com isso, Bolsonaro vai preparando o terreno para consolidar uma institucionalidade autoritária em um futuro segundo mandato.
Em resumo, os perigos para a democracia seguem vivos nos EUA e no Brasil. Aqui, o momento institucional chave para isso será a eleição da presidência da Câmara. É fundamental uma frente ampla que impeça Bolsonaro de controlar o Legislativo.
Esse momento institucional precisa ser sustentado e impulsionado por mobilizações sociais de vulto que organizem as energias democráticas da sociedade brasileira. As instituições não conseguirão resistir por muito tempo sem que as ruas apareçam para (re)fazer a história da democracia brasileira.

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