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ENTREVISTA I NILO POMPÍLIO, PROFESSOR TITULAR DA FACULDADE DE DIREITO

“A maior ferramenta de libertação é o conhecimento”

Aos 64 anos, o professor de Direito Processual Penal da UFRJ, Nilo César Martins Pompílio da Hora, é o mais novo titular da Faculdade Nacional de Direito. A conquista é um marco não só pessoal, mas na história da FND: ele é o primeiro docente negro a alcançar o topo da carreira em mais de 130 anos de existência da unidade. “Essa titularidade não é minha. É dos meus pais. É de quem veio antes de mim e teve menos oportunidades do que eu tive porque sofreu muito mais preconceito do que eu sofri”, desabafa o professor em entrevista ao Jornal da AdUFRJ. O gosto pela sala de aula vem de berço. Seu pai era José Pompílio da Hora, o primeiro professor negro da FND. Sua mãe, Níria Martins Pompílio da Hora, professora de Língua Portuguesa do Colégio Pedro II. “Eu olhava para eles e sonhava em ser igual. Eles são os donos desse título. Essa homenagem é para eles”. Despido da vaidade tão corriqueira no meio acadêmico, o docente afirma estar vivendo um dos momentos mais felizes de sua vida. “Não sou ícone. Quero apenas que essa conquista seja inspiração para quem vem depois. Essa titularidade tem que ser instrumento de inclusão”.

Jornal da AdUFRJ – Seu memorial foi defendido em setembro e o senhor aprovado por unanimidade pela banca. Como é esse sentimento?
Nilo Pompílio
– Estou feliz à beça. Meu pai foi o primeiro professor preto da FND. Dava aula de Direito Romano. Então, eu quis dedicar essa titulação a ele, à minha mãe, aos meus alunos. Estou num momento muito feliz da minha vida. Sou professor há 40 anos. Produzindo e compartilhando conhecimento. A maior ferramenta de libertação é o conhecimento. Foi isso que meu pai me ensinou.

Ser professor sempre foi seu sonho ou sua família o incentivou?
Ser professor é motivo para mim de grande alegria. Eu acordo às 5h com prazer todas às terças e quintas para dar aula. Eu tive grandes espelhos em casa. Meus pais sempre foram professores. Eu ficava maravilhado com alguém formando pessoas. Então, eu sou ferramenta. Meu pai e minha mãe viveram adversidades enormes e me permitiram estar aqui. Eu olhava para eles e sonhava em ser igual. Essa homenagem é para eles.Essa titularidade não é minha. É dos meus pais. É de quem veio antes de mim e teve menos oportunidades do que eu tive porque sofreu muito mais preconceito do que eu sofri.WhatsApp Image 2023 11 22 at 20.26.21 2Foto: Acervo Pessoal

Como é para o senhor ser o primeiro docente negro do Direito a chegar a titular e se tornar um ícone?
Não sou ícone. Quero apenas que essa conquista seja inspiração para quem vem depois. Essa titularidade tem que ser instrumento de inclusão.

E como vê o fato de ser o único docente até agora, em mais de 130 anos de história da FND, a alcançar o último nível da carreira?
É lamentável que só em 2023 um professor negro chegue à classe de titular na Faculdade Nacional de Direito. Meu pai sofria muito preconceito, foi notadamente marginalizado. É uma tristeza. Essa instituição foi honrada por raríssimos negros que foram invisibilizados em suas trajetórias. Hoje ainda somos pouquíssimos. Por isso, assumo o compromisso com as políticas de acesso. Só se acaba com a invisibilidade quando você dá oportunidades.

Mas a academia mudou muito ao longo dos anos, não?
A universidade é muito mais preta do que na minha época, mas pode ser mais. Somos um país fortemente marcado pelo preconceito contra o negro, contra a mulher. Recebi muitas felicitações, mas sempre há segmentos que se incomodam por eu ter chegado a titular, pelo fato de eu ser negro. No entanto, eu tenho responsabilidade com meus alunos. Sou muito feliz ao estar na frente de jovens negros e negras em sala de aula. Mas quero ver mais pretos e pretas nas aulas, na carreira docente, em projetos de pesquisa, em postos de comando, tomando decisões. A academia é notadamente muito carente de pretos e pretas no corpo docente.

O senhor acredita que as cotas nos concursos de professores podem ajudar nesse processo?
Ajudam, sim. Contribuem fortemente para a diversidade na academia. Mas é preciso ter mais espaço nos programas de pós-graduação. Ainda há pouco espaço. A cota precisa ser monitorada para ser melhor cumprida. No momento em que você der espaço para o povo preto dentro dos programas de pós-graduação, você consegue de fato espelhar a diversidade. E esse conhecimento vai interferir na sociedade. É preciso ter pessoas pretas na formação da opinião pública, para que nossa sociedade mude, deixe de ser racista. Causa espanto não ver tantas pessoas pretas competentes nessas posições. Elas existem, são muito mais qualificadas do que eu, inclusive, mas ainda falta espaço. A invisibilidade das pessoas pretas ainda é imposta e está sendo lentamente combatida com a inclusão.

Em seu artigo “Processo Penal Brasileiro para Negros”, o senhor diz que “desde a abolição da escravatura, a normatividade penal funciona como ferramenta de controle social e segregação racial”. Isso permanece?
Permanece firme e forte. Eu já fui parado inúmeras vezes, inclusive por pessoas (policiais) da minha cor. Elas não se enxergam como pretas. Eu já passei por abordagens desse tipo “n” vezes. A atitude é de pura discriminação. E a gente segue observando as invasões nas favelas com essa segregação sendo perpetuada, com abuso de autoridade. É muito sério tudo isso. A gente está em 2023, não pode mais haver lugar para esse tipo de coisa. Mas há um viés ideológico que olha o povo preto como inimigo.

Essa constatação o levou a desenvolver o projeto de pesquisa Processo Penal Brasileiro para Negros?
Sim, nossa sociedade tem ferramentas de exclusão pautadas no racismo. O Estado Novo decretou em 1941 a vadiagem como crime, embora o Estado não fornecesse moradia, trabalho, alimentação. Essa lei ainda existe. Ainda está em vigor. Então, há práticas e ferramentas que carecem de revisão. Reconhecimento de pessoas e coisas por foto, por exemplo, flagrantes questionáveis, falhas de investigação. São instrumentos usados contra o povo preto. A população carcerária é majoritariamente preta. Então, nosso trabalho é analisar esses instrumentos para propor mudanças.

O senhor acha que essas mudanças vão acontecer?
Estão acontecendo, lentamente, mas acontecem. Algumas coisas já estão em processo de revisão, como o reconhecimento por foto. E eu quero ter oportunidade de produzir mais para impactar mais a sociedade. Não paguei para estudar, para fazer graduação, mestrado, doutorado. Preciso retribuir tudo isso que eu recebi. Quero ver pessoas pretas em cargos de decisão. O discurso antirracista não basta. É preciso vontade política e prática.

WhatsApp Image 2023 11 22 at 20.32.39Arte da capa inspirada em foto de Nelson Mandela, feita em 2011 por Adrian Steirn

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