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IMG 8226Foto: Alessandro Costa/Arquivo AdUFRJ

O governo Bolsonaro desrespeita a lei para atacar a Ciência. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), mesmo blindado por legislação aprovada no Congresso ano passado, sofreu um corte de R$ 2,5 bilhões, ou 56% do total. Entidades do setor criticam a medida que ameaça a continuidade de projetos estratégicos das mais diferentes áreas do conhecimento.
“O bloqueio é uma nova estratégia que o governo está utilizando. Antes, havia o contingenciamento e a reserva de contingência que a gente conseguiu derrubar com a lei complementar 177/21”, afirma o professor Ildeu Moreira, presidente de honra da SBPC. “Estão fazendo uma reserva de contingência a fórceps, com outro nome”.
Em tempos tão duros para a Ciência, o FNDCT integral em 2022 era esperado como uma tábua de salvação para os pesquisadores. “Obviamente, estes recursos não resolvem uma série de problemas do ministério. Não podem ser usados para tudo, mas são utilizado para projetos muito estratégicos, como os do edital universal do CNPq, parques tecnológicos e ‘n’ programas que podem ser abertos”, afirma Ildeu. “São recursos fundamentais para a área de Saúde, ainda mais num momento de pandemia. Para as Engenharias, que estão arrebentadas no Brasil. Para a pesquisa básica e para os laboratórios, que estão parando. O FNDCT é um programa geral de apoio à infraestrutura das universidades, que está decadente”, completa.
Com todas as dificuldades, o fundo criado em 1969 tem contribuído para a sobrevivência da rede de universidades e institutos de pesquisa do país. “Se olhar em todas as universidades e instituto de pesquisa, dificilmente há laboratório, com mais de dez anos, que não tenha algum equipamento com recursos do FNDCT, via Finep”, explica o presidente de honra da SBPC.
Ildeu, que é professor do Instituto de Física da UFRJ, enfatiza que o bloqueio não se justifica por falta de dinheiro. “Estamos falando aqui de R$ 4 bilhões, aproximadamente. O PIB brasileiro é de R$ 8,7 trilhões. O orçamento da União é de R$ 4,7 trilhões. Estamos falando de metade de um milésimo do PIB”, diz. “Tanto não falta que colocaram R$ 16 bilhões no orçamento secreto para atender interesses paroquiais. É questão política de definir para onde o dinheiro vai”.WhatsApp Image 2022 07 01 at 18.38.58

MAIS DE 52 PROGRAMAS
AFETADOS
Um levantamento do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) aponta que pelo menos 52 programas serão afetados pelo cortes. “E cada programa tem vários projetos”, afirma o presidente do Confies, Fernando Peregrino.
“Esse dinheiro não poderia ser, de forma alguma, contingenciado ou bloqueado. O fato é que você proibiu, limitou, constrangeu e desorganizou algo que o Congresso Nacional blindou e o presidente sancionou”, reforça Peregrino.
Além do bloqueio no FNDCT e na Educação, o dirigente chama atenção para a ameaça contida em uma medida provisória (nº 1.112), que redireciona recursos das atividades de pesquisa do setor de óleo e gás para um programa de renovação da frota de veículos pesados do país. “Vejo isso tudo de forma orquestrada. É um absurdo transformar o estratégico em imediato. Tirar caminhão danificado da estrada é importante. Mas tirar dinheiro do futuro é um absurdo”, diz. Peregrino também critica a preservação do chamado orçamento secreto, em detrimento da Ciência. “Pulverizaram (o orçamento) aos interesses pequenos, paroquiais de grande parte da Câmara e do Senado. Cada um cuida de si. Fazem uma estradinha aqui, outra acolá e amanhã não tem mais nada”.

VERBA PODERIA
SER MAIOR
O vice-presidente da Academia Brasileira de Ciências, professor Jailson de Andrade, destaca um dos editais financiados pelo FNDCT, para mostrar sua importância e diversidade de utilização: “Os editais do CT Infra são extremamente robustos. Você consegue adquirir equipamentos que não consegue através de outros editais menores. Permite a compra um piano para uma faculdade de música ou de um equipamento de ressonância magnética nuclear, de última geração”, diz.
Além de desbloquear as receitas do FNDCT, as entidades científicas têm outra frente de disputa com o governo Bolsonaro: ampliar a parte do fundo destinada às universidades e institutos de pesquisa. Hoje, 50% do FNDCT são reservados para empréstimos ao setor privado, para incentivar a pesquisa nas empresas. São os chamados recursos reembolsáveis. Por várias razões, os empresários não pegam o dinheiro, que volta para o caixa do governo, no fim de cada exercício fiscal.
A ABC lançou um documento aos presidenciáveis reivindicando que o bolo reservado para as universidades seja aumentado para 85%. A Academia também cobra a liberação dos recursos em duodécimos. “Por exemplo, a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo) recebe por duodécimos. Ela pode se planejar para o ano”, explica. O dispositivo também impede que o governo use do artifício de só liberar os recursos nos últimos dias do ano para dificultar os gastos, já que os valores não empenhados retornam para o Tesouro nacional.
Ildeu Moreira reforça o pleito e vai além. O professor cobra a aplicação dos 85% na discussão do orçamento do ano que vem pelo atual Congresso. “Para entrar já no orçamento de 2023 e não apenas para os anos seguintes. São R$ 3 bilhões de diferença para 2023”, explica.

RESPOSTA DO GOVERNO
O governo argumenta que não existe corte. Em audiência pública realizada na Comissão de Desenvolvimento Econômico, no início do mês, o secretário-executivo do MCTI, Sergio Freitas de Almeida, disse que “todos os ministérios foram impactados com este bloqueio (de R$ 8,2 bilhões), que ainda não foi oficializado, mas já informado”. Só não mencionou que as pastas de Ciência, Saúde e Educação sofreram as maiores “tesouradas” (R$ 5,2 bilhões).
“Nem contingenciamento, nem cancelamento. No caso do FNDCT, é vedado o contingenciamento de recursos por força da lei complementar 177. Este bloqueio que está sendo discutido hoje é o mero impedimento da emissão de notas de empenho”, tentou explicar. O secretário disse que os recursos serão recompostos ao longo do exercício.

NO CONGRESSO, TENTATIVA DE DESBLOQUEAR RECURSOS

A SBPC articulou no Congresso Nacional uma tentativa de liberar os recursos bloqueados na Educação (R$ 1,6 bilhão) e na Ciência (R$ 2,5 bilhões). O objetivo seria incluir os valores na Proposta de Emenda à Constituição nº 16/2022. A PEC retirava R$ 29 bilhões do teto de gastos para pagamento de estados que baixassem a zero o ICMS sobre óleo diesel e gás de cozinha. Porém, durante a discussão em plenário, no dia 30, seu conteúdo acabou diluído em outra PEC, agora conhecida como “PEC das bondades”, sem desbloquear os recursos da Educação e da Ciência. O texto seguiu para votação na Câmara.
Além da disputa no parlamento, as entidades científicas não descartam uma ação judicial para preservar os valores do FNDCT. “Eu acho que as entidades deveriam ingressar com uma ação judicial o mais rapidamente possível. Até para colocar uma pressão no governo”, afirma o professor Ildeu Moreira.

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