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WhatsApp Image 2020 10 24 at 00.57.18Josué Medeiros
Professor de Ciência Política do IFCS e diretor da AdUFRJ

O título desse artigo poderia ser usado em 1978, quando, do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, Lula – então presidente da entidade – recebeu um telefonema informando a eclosão de uma greve na Scania e correu para apoiar e dar suporte. Iniciava-se o movimento grevista que se tornou nacional e ajudou a pôr fim à ditadura militar instalada em 1964. Mudou tudo na política brasileira.  

Poderia também ser usado em 1980, quando o mesmo Lula resolveu sair dos limites sindicais e fundar um partido político dos trabalhadores. O PT se tornou o primeiro e único partido de massas nacional do nosso sistema político. Organizou as energias de uma diversidade de movimentos sociais diferentes. Conquistou prefeituras, governos estaduais, presidência. Criou e implementou políticas públicas inovadoras. Mudou tudo na política brasileira.

O título serviria ainda para o fatídico dia 7 de abril de 2018, quando o criminoso juiz Sérgio Moro expediu o mandado para prender Lula no bojo da farsa jurídica da Lava Jato. O ex-presidente foi para a sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo não para se esconder, mas para fazer um grande ato político de defesa da democracia. Apesar dos pedidos de correligionários para resistir, Lula se entregou e, desde então, lutou para provar sua inocência. Bolsonaro só foi eleito pela ausência de Lula. Mais uma vez, mudou tudo na política brasileira.

Apesar das muitas possibilidades históricas de uso desse título, nossa escolha foi usá-lo para a nova conjuntura de Lula Livre e com os direitos políticos plenamente restituídos. O motivo é simples: é um erro achar que isso ocorreu de dentro dos gabinetes do STF, graças a uma “decisão” do ministro Edson Fachin no dia 8 de março de 2021.

Isso foi resultado de uma luta molecular que foi travada sem parar desde 2016, pelo menos. A começar pelo próprio Lula, que se recusou a desistir. Com o tempo, essa luta conseguiu ir além da esquerda, o que é fundamental para qualquer pauta ser vitoriosa. Setores das classes médias, da mídia, das elites políticas, jurídicas e intelectuais perceberam que a operação Lava Jato mostrou a antessala do autoritarismo no Brasil. Não por acaso, um dos seus principais resultados foi a eleição de Jair Bolsonaro.

Assim, o ato decisivo da nova conjuntura não foi a decisão de Fachin, mas sim o modo como Lula deu consequência a ela. De novo, da sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, no dia 10 de março. Em um discurso histórico, o maior líder político do país mostrou o tamanho da sua força. E ao fazer isso, refletiu o tamanho da pequenez do atual presidente. Uma vez mais, tudo mudou na política brasileira.

Uma nova chance para a democracia
O quadro político até fevereiro era extremamente favorável a Bolsonaro. Sua vitória nas eleições para a mesa diretora da Câmara garantiu estabilidade e proteção institucional, complementando um escudo que ele já tinha no Judiciário (vide decisão do STJ que anulou as investigações contra seu filho, o senador Flávio Bolsonaro). Tudo isso foi operado com a ajuda dos militares, o que reforça sua posição institucional.

Na sociedade, apesar da tragédia econômica e da pandemia, o quadro se mostrava previsível. Sem ruas para questioná-lo, Bolsonaro controlava a agenda. A vacinação mais cedo ou mais tarde deslancharia e sobre esse tema ele repetia o padrão de outras polêmicas: ora diz que é contra, ora diz que é favor, e com isso mantém o controle da situação. Na economia, apesar da inflação dos alimentos, aluguel e combustíveis, um novo auxílio emergencial garantia um alívio para os mais pobres e, de tabela, na sua popularidade. Por fim, na pauta dos direitos, Bolsonaro preparava um novo avanço do armamento e da defesa de uma concepção de família que ataca a diversidade.

Ele não enfrentava resistência das ruas. Não enfrentava resistência do sistema político. À direita, DEM e PSDB em crise. À esquerda, as disputas entre Ciro e PT falavam mais alto do que a unidade para lutar contra o governo. Novas lideranças com disposição de mudar isso (Boulos, Manuela, Dino) não têm forças para fazer isso sem os dois principais atores.

E as águas de março trouxeram dois grandes eventos que alteraram a luta política e acabaram com a posição confortável de Bolsonaro. O primeiro foi o tsunami da pandemia. Conforme alertaram cientistas do Brasil inteiro, de todas as universidades e institutos de pesquisa, nossa tragédia sanitária se consolidou. Estamos há 50 dias com média móvel acima de mil óbitos. Somos hoje o país em que mais se morre por covid-19. Os sistemas de saúde estaduais colapsaram de norte a sul. Por dois dias seguidos tivemos mais de dois mil mortos pelo coronavírus.

O segundo foi Lula Livre para disputar as eleições. Seu tamanho e sua capacidade política projetam uma esquerda unificada desde já em torno dele. E, conforme ele mesmo indicou, rodando o Brasil saindo da paralisia. Seu histórico pronunciamento no Sindicato dos Metalúrgicos indica ainda uma disposição para ampliar as conversas com setores da direita democrática. Sem isso, será impossível tirar Bolsonaro e refazer nossos pactos democráticos.

Se vai dar certo, não sabemos. As elites ainda se mostram tolerantes demais com a tragédia Bolsonaro. Sua demofobia estrutural insiste em manter Lula e os setores populares fora da mesa. Mas, até fevereiro de 2021, o jogo estava encerrado. Março reabriu a luta política. É um caminho árduo, mas agora temos a oportunidade de caminhar.

E nós nisso tudo?
De nossa parte, como um sindicato de base e como cidadãs e cidadãos, o que podemos fazer para ajudar é aprofundar nossa capacidade de dialogar e mobilizar. Precisamos fazer mais conversas com os amplos setores da sociedade que não aguentam mais Bolsonaro. Tal como fizemos na AdUFRJ e no Observatório do Conhecimento – especialmente a APUB, da UFBA, que protagonizou o ciclo de debates Pensando a Universidade. Especialmente a mesa “Economistas Pensam a Universidade”, com a presença da economista e nossa colega da UFRJ Esther Dweck, em companhia de Laura Carvalho, Monica de Bolle, André Lara Resende e Armínio Fraga. Com esse debate, conseguimos furar a bolha e consolidar ainda mais a ideia de que a universidade e a pesquisa precisam de mais verbas. Dinheiro para Educação e Ciência não é gasto, é investimento!

Além do diálogo, a mobilização. Participamos ativamente das carreatas contra Bolsonaro organizadas pela Frente Povo Sem Medo e Frente Brasil Popular. Apesar dos limites desse tipo de ato, a receptividade das pessoas tem sido animadora e indica um ambiente propício para mobilizações de rua assim que a pandemia permitir. E temos também a campanha Educação tem Valor, do Observatório do Conhecimento, pela qual podemos pressionar virtualmente os parlamentares pela recomposição do nosso orçamento. Não deixe de acessar a plataforma http://pressione.observatoriodoconhecimento.org.br/ . A mobilização virtual tem dado resultados em várias frentes e com mobilização vamos reverter os cortes no orçamento das universidades!

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