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WhatsApp Image 2021 01 28 at 23.02.57 2Impeachment não é milagre, nem acontece da noite para o dia. Depende de um complexo jogo de marés onde oscilam política, economia e pressão popular. Nas últimas semanas, os ventos começaram a mudar. Segundo pesquisa realizada pelo Instituto Atlas, 53% dos brasileiros rejeitam o desgoverno Bolsonaro. O percentual era de 43% no começo da pandemia, em abril. O que piorou de lá para cá? Tudo. Sem política sanitária, com um presidente negacionista que despreza a Ciência, flerta com a morte e faz chacota da dor alheia, os brasileiros já enterraram mais de 220 mil compatriotas. O Jornal da AdUFRJ analisa a os novos ventos da cena política, reflete sobre as possibilidades de impeachment e mostra que a esperança de dias melhores não acaba na segunda-feira, com a eleição do novo presidente da Câmara — a quem cabe dar início a um processo de impedimento contra o ocupante do Palácio do Planalto. A esperança em dias melhores depende — e muito — da mobilização popular.

 

O último final de semana foi uma demonstração de que os ventos do impeachment de Bolsonaro começam a mudar. No sábado (23), a esquerda tomou as ruas com milhares de pessoas em carreatas por todo o Brasil. Só no Rio, a fila de carros atingiu quatro quilômetros de extensão (veja AQUI as fotos). Novos atos estão previstos para os próximos dias. No dia 31, às 10h, outra carreata organizada pelo Comitê em Defesa da Vida do Rio de Janeiro vai cruzar a Zona Sul da cidade. A concentração será na Glória. A manifestação vai percorrer a orla de Copacabana e terminar no Aterro do Flamengo. Desta vez, além de defender vacina para todos e exigir o impeachment, a manifestação também engloba pautas como o retorno do auxílio emergencial, a defesa dos empregos e a crítica à privatização da Cedae.WhatsApp Image 2021 01 28 at 23.02.57 1
Já o dia 1º de fevereiro está marcado como Dia Nacional de Lutas, com ato em Brasília e ações nas redes sociais. A data marca as eleições do Senado e da Câmara, que podem aumentar ou diminuir a força de Bolsonaro. “Vamos ter que trabalhar com o cenário que temos. E, até o momento, tudo indica que o Arthur Lira (candidato do governo) vai vencer a eleição na Câmara. O Centrão neste momento está comprometido com Bolsonaro. Então, é fundamental aumentar a adesão social pelo impeachment. A mobilização de toda a sociedade é central”, avalia o professor Josué Medeiros, cientista político e diretor da AdUFRJ.
Pela primeira vez, a direita também se manifestou pelo impeachment de Bolsonaro. Os protestos aconteceram no domingo (24). Os grandes jornais também endurecem seus editoriais contra o governo. “São atores importantes que se somam para o enfraquecimento do governo. Hoje, a esquerda sozinha não tem força para retirar Bolsonaro. É importante que outros setores também comecem a defender esta pauta”, argumenta Josué.
Neste sentido, os gastos exorbitantes com alimentação das pastas vinculadas ao Executivo – principalmente o Ministério da Defesa – podem ajudar no desgaste de Bolsonaro, avalia o professor. “Podem trazer outros setores liberais que não são de esquerda, sobretudo se fizermos algumas comparações. O orçamento do CNPq é de R$ 22 milhões. Só de biscoito foram mais de R$ 50 milhões. Como assim? Os cortes na Educação, na Ciência, em áreas absolutamente estratégicas são cada vez maiores. Não existe um projeto de nação. Tudo neste governo é destruição”, afirma.
O desprezo pela Ciência, a pandemia completamente fora de controle e a crise do oxigênio em Manaus ajudam a compor essa “tábua das máres” do impeachment. Que é reforçada pela irrisória quantidade de vacinas disponíveis para imunizar a população brasileira. Bolsonaro age como amigo do vírus. Promove aglomerações, defende tratamento precoce inexistente, resiste ao uso de máscara, desacredita a Ciência e a vacina, corta recursos de pesquisa. Nesta quinta-feira (28), em visita ao Nordeste, Bolsonaro voltou a incentivar as pessoas a romperem o isolamento social: “O povo brasileiro é forte e não tem medo do perigo”, disse ele, em discurso na cidade sergipana de Propriá, após inaugurar uma ponte.
“Não faltam motivos para o impeachment”, afirma a professora Esther Dweck, do Instituto de Economia. “Toda a condução da crise sanitária é um absurdo. Para piorar, no meio da pandemia, o governo volta com o teto de gastos, corta investimentos em várias áreas estratégicas, corta o auxílio emergencial, nega a vacina”, elenca. Para a docente, o Brasil continuará em recessão justamente por essas escolhas do governo federal. “Há um conjunto muito grande de crimes de responsabilidade e a economia vai continuar patinando porque o governo retira estímulos”, acredita.
Bolsonaro ainda tem um tripé forte a seu favor, segundo avalia a professora. “O setor financeiro não quer tirar Bolsonaro, porque ele não interfere no que o Paulo Guedes (Ministro da Economia) faz. O setor financeiro segue ganhando muito dinheiro na crise. Outro elemento é a base de apoio no Congresso, que Bolsonaro conseguiu reorganizar com trocas e emendas parlamentares. Por fim, os militares correspondem ao terceiro fator contra o impeachment”.
Mas Esther sugere um caminho. “Com o orçamento de 2021 mais apertado, Bolsonaro terá menos capacidade de pagar emendas aos parlamentares. Isso pode acabar reduzindo seu apoio na Câmara”, avalia. Outro ponto importante é a perda de popularidade do presidente. “A piora da economia pode contribuir para isso e, sem dúvida, a mobilização social é central”.
A opinião da professora Mayra Goulart, do Departamento de Ciência Política do IFCS, é um pouco diferente. “O impeachment é um instituto intraelites políticas. A insatisfação social é uma das variáveis. A meu ver, sequer é a mais importante”, afirma. “O processo de eleição da Câmara é muito interessante, vemos que não há discussão que envolva política pública e sociedade em torno dos candidatos. E o impeachment é muito semelhante nesse sentido”, avalia. “Na dinâmica entre as forças políticas, Bolsonaro está nadando de braçada na oposição. Tudo indica que ele sairá fortalecido da eleição na Câmara”.
Outro ponto destacado pela especialista é o que chamou de “fomento de traições”. “Há uma decisão de partido, mas ela é deslegitimada por uma dinâmica de apoios individuais. Comprar deputado por deputado é muito mais caro. Essa dinâmica aumenta muito o custo das negociações individuais daqui para frente”, considera. “Além de drenar a concepção de liderança partidária, ele está construindo uma camisa de força para si mesmo. Se não houver capital suficiente, ele pode perder o apoio conquistado”, finaliza.

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