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Cansaço é sensação comum aos docentes

WhatsApp Image 2020 11 14 at 00.58.021Se a avaliação do Período Letivo Excepcional pudesse ser resumida em uma palavra, pela perspectiva dos professores, ela seria ‘cansaço’. Essa é a sensação que atravessa boa parte dos depoimentos de docentes que falam sobre as atividades no período, sobretudo em decorrência da necessidade de adaptar o conteúdo das aulas presenciais ao ensino remoto. Mas se o cansaço é um ponto em comum, as avaliações do PLE  podem ser bem diferentes, considerando caso a caso. Há perspectivas otimistas: muitos acreditam que as aulas remotas vão acrescentar conteúdo à vivência das aulas presenciais, quando elas retornarem. E há também duras críticas ao modelo adotado durante o isolamento social.
No começo do período excepcional, o professor Nelson Braga, do Instituto de Física, estava empolgado e ansioso com o trabalho que teria com a elaboração do conteúdo para as aulas. Quase três meses depois, as suas expectativas, boas e ruins, se concretizaram. “O PLE foi uma experiência muito interessante, mas deu muito trabalho. O trabalho neste semestre foi umas quatro ou cinco vezes maior”, disse o professor. O saldo, na avaliação de Nelson, foi positivo, sobretudo pela boa participação dos alunos nas atividades. Para o professor, o material criado para as aulas remotas poderá ser usado quando as aulas voltarem a ser presenciais, como conteúdo complementar ao da sala de aula. “Estou convicto de que os alunos aprenderam bastante coisa da disciplina. Se comparar ter feito isso com não ter feito nada, o lucro foi gigantesco”, celebrou.
“Eu tive que mudar completamente a minha forma de lecionar”, contou a professora Walcy Santos, do Instituto de Matemática. Terminado o período, sua avaliação é positiva. A mudança foi uma exigência da própria disciplina, Geometria I, uma cadeira do primeiro semestre. O resultado da dedicação foi um engajamento maior da turma, que chegou ao fim do PLE com quase 30 alunos. “Eles começaram tímidos, falavam só pelo chat. Mas ao longo do curso se abriram mais, o que melhorou muito as aulas síncronas”, disse a professora, que foi construindo uma relação com a turma ao longo do curso. “Foi um relacionamento muito bom durante todo o processo”. Walcy também precisou adaptar o material para as aulas, mas agora o conteúdo deve ser utilizado novamente, já que ela vai oferecer a disciplina no próximo período.
A professora Hilda Petrs, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, não contou com o mesmo engajamento, e admitiu ter ficado decepcionada com a pouca presença dos alunos, especialmente nas aulas síncronas. “Uma das turmas tinha 52 alunos, a média de presença era entre 16 e 20, e foi diminuindo”, contou a professora. Na opinião de Hilda, os alunos foram se ajustando ao curso, já que faziam as atividades assíncronas propostas. “Acho que cada um foi se adaptando. E como as turmas eram grandes, eu tentei deixá-los livres, para ver como funcionaria. Mas eu senti falta de feedback”, confessou a professora, que achou a experiência “um pouco fria”.
A busca por uma participação maior dos alunos, mesmo que mediada pela tecnologia, foi um fator de desgaste para o professor Pedro Lima, da Ciência Política. Especialmente nas aulas síncronas, que trazem uma novidade que não tem paralelo na sala de aula: o chat. “Quando aparecia um comentário no chat sobre a aula, eu via como um certo imperativo responder. É mais atenção que você precisa ter, então é uma coisa que acumula para te exaurir”, explicou. Pedro acha que as aulas remotas funcionaram, mas que não há comparação com a sala de aula. “Você perde muito quando não está trocando, mesmo que sejam olhares, com os alunos. É uma aula que perde essa interação em termos de participação dos alunos”.
Mas o PLE também foi alvo de críticas de professores. Na Faculdade de Letras, os docentes publicaram esta semana uma carta de avaliação do período excepcional. O documento repudia a substituição das férias por um recesso, e sua curta duração, previsto para as duas semanas que separam o fim do PLE e o começo do período 2020.1. O texto denuncia o adoecimento de docentes expostos a uma sobrecarga de trabalho e aponta a precarização da situação dos professores substitutos. “Todos os sacrifícios a que nos expusemos até aqui tiveram como objetivo diminuir ao máximo o impacto da pandemia sobre o ensino que oferecemos aos nossos alunos. O que não podemos, enquanto comunidade acadêmica, é aceitar que um momento de exceção se torne regra”, diz a carta.
Para o professor Felipe Rosa, do Instituto de Física e vice-presidente da AdUFRJ, a UFRJ, idealmente, poderia haver um calendário com um espaço maior entre o PLE e 2020.1. Mas ele aponta que outros vínculos foram levados em consideração, como o interesse da reitoria e de outros setores de que a universidade não perdesse o próximo SiSU, na montagem do calendário. “A pergunta-chave é se vai valer a pena fazer esses períodos corridos para pegar os alunos do SiSU. Acho que isso a gente vai debater depois”, analisou Felipe. Para ele, a dinâmica das discussões políticas sobre o PLE criou uma solução que acabou sendo ruim. “Teria sido melhor que o PLE não estivesse existindo como um período extra. A maneira como essas discussões ocorreram no colegiado de graduação não foram as mais saudáveis, havia um grupo de conselheiros e conselheiras pouco preocupado com o funcionamento da universidade, infelizmente”, observou. (Lucas Abreu)

DEPOIMENTO I Júlia Ávila Franzoni, professora da Faculdade Nacional de Direito

“Os alunos tinham dificuldade em se engajar nas aulas”

“O centro da discussão sobre aulas remotas deveria estar no cuidado com os professores e, sobretudo, com os alunos, diante do cenário de pandemia que enfrentamos. Um problema de saúde pública não pode reverberar para dentro da universidade soluções com uma métrica de eficiência que não leva em conta a centralidade da questão da saúde. Dei duas disciplinas obrigatórias de primeiro período para mais de 120 alunos. Eles estavam sobrecarregados com a diversidade de plataformas, os chips oferecidos pela universidade não foram suficientes para atender à demanda. Os alunos tinham dificuldade em se engajar nas aulas e estudantes com deficiência não conseguiram acompanhar o curso. Tudo isso gerou uma sobrecarga para outros professores. Tem um problema grave no PLE, que é a ausência de uma política de cuidado e de uma estratégia mais efetiva de construir uma metodologia de ensino. A aprovação do calendário de 2020.1 e 2020.2 sem uma avaliação do que foi o período excepcional é um absurdo, especialmente diante da mudança que permitiu a equivalência entre o PLE e 2020.1. O PLE foi criado como facultativo para estudantes e professores, e a mudança cria problemas em unidades que, como a Faculdade Nacional de Direito, fizeram uma oferta massiva de disciplinas, porque com a equivalência os professores estariam liberados de oferecer cadeiras no período 2020.1. Isso prejudica os alunos que optaram por não ingressar no PLE, ou não conseguiram acompanhar as aulas remotas por qualquer razão que seja. Os estudantes estão muito indignados com os professores. E o professor vira seu principal inimigo quando você não consegue perceber que nós estamos com um problema muito mais grave. A discussão deveria ser sobre a precariedade material que se vive na universidade”.

Suporte da UFRJ foi fundamental para alunos

WhatsApp Image 2020 11 14 at 00.58.261ÍCARO E LUCIANA dividem mesmo ambiente de trabalho e estudoMais uma etapa de desafios foi vencida. O Período Letivo Excepcional (PLE) da UFRJ começou carregado de dúvidas, mas com o objetivo comum de retomada das atividades de ensino da universidade. No começo desse processo, o Jornal da AdUFRJ fez uma matéria para descrever a adaptação de cinco estudantes de cursos diferentes ao ensino remoto. Com a conclusão do período, a avaliação destes mesmos alunos é de um cansaço inevitável, mas uma experiência bem-sucedida.
“Do meu ponto de vista, como aluna, eu não mudaria nada no PLE”, comenta Victoria Cristina, de 21 anos, estudante de Enfermagem. Victoria elogia o desempenho dos docentes no desenvolvimento das atividades e atendimento das turmas. “Em uma disciplina tive avaliações semanais, e em outra montei um artigo científico ao longo de 12 semanas. Foram avaliações bem estruturadas e condizentes com as matérias, e com os professores sempre dando atenção a todos”.
Ela conseguiu concluir as três disciplinas em que se inscreveu, e afirma não ter tido dificuldade em acompanhar as aulas. “Tenho um bom acesso à internet, tanto em casa quanto no Fundão, através da minha iniciação científica, e um ambiente favorável para estudar. Não tive dificuldades”, conta.
A acessibilidade foi uma das principais preocupações da reitoria antes de dar início ao ensino remoto. Denildo Vidal, de 27 anos, atualmente em Vale Verde, distrito de Porto Seguro (BA), demorou mais de um mês para receber o chip oferecido pela universidade, devido à greve dos Correios. “A internet aqui era horrível, mas o chip e o modem que a universidade me ofertou foram uma ajuda enorme”, relata.
Próximo de concluir o curso de Design, Denildo realizou apenas uma disciplina, e não precisou recorrer à internet na casa da irmã, 60 quilômetros distante, para assistir às aulas, como temia no início do período. “Minha dúvida era sobre o limite de dados do chip, mas mesmo após estourar a franquia de 50 GB eu consegui continuar acessando, apenas de forma mais lenta. O meu uso principal era para pesquisa, então funcionou e eu fiquei bem satisfeito”.
O chip também atendeu às necessidades de Eduarda Vasconcelos, de 21 anos, estudante de Nutrição do campus Macaé. “Como não recebi o modem, eu roteava a internet do celular para o computador. Talvez por isso a internet às vezes ficava mais lenta, mas consegui fazer tudo com exatidão”.
Segundo ela, a oferta de disciplinas do PLE deixou a desejar. “Eu estou no 5º período e não pude fazer nenhuma matéria obrigatória. E só consegui vaga em uma eletiva do meu curso, pois eram poucas disciplinas e poucas vagas”, critica. Contudo, ela elogia a interação entre alunos e professores de unidades distintas trazida pelo ensino remoto. “A gente tá podendo se misturar virtualmente, enquanto presencialmente não teríamos essa mesma oportunidade”.
As atividades extracurriculares colocaram a estudante de Geologia Diana Tabach, de 21 anos, em uma rotina de conciliação de tarefas. A dificuldade de concentração aumentou, mas ela conseguiu concluir as três disciplinas em que se inscreveu, e atender às demandas do estágio. “No PLE, todas essas atividades se resumiram a ficar sentada na frente do computador”, pontua. Diana considera que a UFRJ  deveria ter optado por uma plataforma única a ser usada por todos os docentes. “Acho que teria sido bom unificar, e não deixar que os professores usassem a plataforma que quisessem para as aulas e atividades”.
O ambiente caseiro não diminuiu o cansaço da rotina universitária. “Mesmo quando fiz mais disciplinas na forma presencial, eu achava menos cansativo, pela separação maior entre o ambiente de trabalho e o ambiente de lazer”, aponta Ícaro Sol, de 21 anos, estudante de Engenharia Elétrica. Filho da professora Luciana Salgado, do Instituto de Matemática, Ícaro presenciou também os bastidores e os novos desafios da vida docente. “Para gravar aulas, por exemplo, vi a dificuldade dela em aguardar o silêncio da rua. Esse aspecto do barulho também foi ruim em momentos em que eu estava fazendo algumas provas”, diz.
Apesar do estranhamento de todos com o novo contexto, os alunos concordam que a experiência do PLE foi satisfatória. “Não sei como poderia ser diferente disso, pois nessa situação atípica as mídias digitais foram a forma de mantermos o contato com os professores, colegas e continuar estudando, mesmo sem acesso direto à biblioteca”, avalia Ícaro. Para ele, o debate acerca do calendário foi o que conturbou mais a situação dos estudantes. “Com essas mudanças todas ficamos sem saber exatamente o que iria acontecer. Acho que poderiam ter cumprido com o que foi acordado antes, ao invés de mudar a regra no meio do jogo”. (Kim Queiroz)

DEPOIMENTO I Kim Queiroz, estudante da ECO e estagiário da AdUFRJ

“Também sofremos com os obstáculos das relações virtuais”

WhatsApp Image 2020 11 14 at 00.58.26A vida universitária me traz surpresas a cada período. Mesmo diante das experiências mais diversas que vivi na Escola de Comunicação, desde 2017, nunca imaginei que o ensino remoto faria parte da minha graduação. Agora, com o final deste Período Letivo Excepcional, não restam dúvidas da minha preferência pelo presencial.
Neste momento em que a alfabetização virtual se faz necessária para todos, frases como “professor, seu microfone tá desligado” passaram a ser recorrentes. Logo, as travadas de conexão foram naturalizadas como parte da nossa escuta. A aceitação de só mais uma das tantas travas impostas pela pandemia. E mesmo nós estudantes, já nascidos em um mundo digital, também sofremos com os obstáculos das relações virtuais.
Incontáveis horas gastas frente à tela, entre aulas, textos e avaliações. Muitas vezes, com uma postura corporal quase estática ao longo do dia. Um semestre vivido sem nenhuma gargalhada nos corredores do Palácio Universitário. No máximo, algumas risadas tímidas com o microfone desligado. Os olhos cansados quando chega a noite. A concentração interrompida pelos afazeres domésticos. A família. O namoro. A exaustão emocional. O sono.
Consciente desses desafios, puxei três disciplinas no PLE, e tranquei uma delas logo no início. Se não fossem as aulas assíncronas, talvez não tivesse conseguido concluir nenhuma. Estagiar na Equipe de Comunicação da AdUFRJ é uma oportunidade singular que tem preenchido boa parte dos meus dias. Para fazer jus ao Jornalismo, missão inédita para mim, são horas de dedicação diária, repleta de um aprendizado prático muito valioso.
Apesar das adversidades, admiro o empenho da UFRJ em retomar as atividades do ensino da maneira mais democrática possível. Vi o esforço de grande parte dos professores em se reinventar nessa experiência, o que motivou muitos de nós a não abandoná-la. Nesta quarentena, nos vemos cercados por refeições a serem feitas e referências a serem lidas. Uma rotina de incontáveis demandas pessoais e tarefas a serem cumpridas.
Não posso negar, sinto saudade do espaço físico da universidade. Principalmente das histórias que nascem lá, no calor dos encontros vividos dentro e fora da sala de aula. Hoje, o tempo gasto no computador é uma travessia diária, que por vezes cansa mais do que os deslocamentos pela cidade.
Mas esse experimento do ensino remoto exige de nós resiliência. E é por isso que ele reforça, para mim, a importância dos laços. Pois tanto os conflitos e afetos do convívio familiar, quanto a perseverança da Ciência em manter a sua chama acesa, servem para provar que as dificuldades também podem nos unir.

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