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A “Nova Administração Pública” proposta pelo governo Bolsonaro retrocede ao que havia de pior na organização do Estado brasileiro. Divulgado em ritmo de campanha sistemática contra o funcionalismo, o projeto desinforma e deforma o papel do servidor. Especialistas alertam que o fim da estabilidade para a maioria das carreiras vai estimular a submissão dos funcionários públicos aos interesses de quem estiver no poder, com aumento dos casos de corrupção. A reforma amplia as distorções, e, assinada pelo ministro Paulo Guedes, lança novas “granadas” nos bolsos dos atuais e futuros servidores, que perdem — ou ficam ameaçados de perder — mais direitos. AdUFRJ cobra reação unitária e nacional contra as medidas

Kelvin Melo e Kim Queiroz

Mal elaborada, baseada em dados falsos e vai piorar o serviço público. É desta forma que professores e pesquisadores avaliam a reforma administrativa proposta pelo governo Bolsonaro e recheada de ataques aos direitos de servidores federais, estaduais e municipais.
 Não para todos, é verdade. De antemão, a reforma administrativa do governo Bolsonaro exclui militares, magistrados, procuradores, promotores e parlamentares. “Existem algumas distorções no serviço público. Mas esta reforma amplia as distorções. Atinge setores que ganham pouco e preserva setores que ganham muito”, afirma o professor e diretor da AdUFRJ Felipe Rosa. “Bolsonaro isentou quem vai aprovar a reforma, que são os parlamentares, e quem vai julgar a reforma, que são os juízes”, completa.
WhatsApp Image 2020 09 26 at 11.52.06Produzido pelo IPEA, o Atlas do Estado Brasileiro mais recente comprova o argumento. No Executivo Federal, a média salarial de 2017 não alcançava R$ 3,9 mil; o que equivale a 65% do ganho médio do Legislativo, de R$ 6 mil; que é metade da média no Judiciário, de R$ 12 mil. E a reforma tira da mesa justamente a elite da elite. Para os demais funcionários públicos, incluídos os do Judiciário e do Legislativo, a dureza da lei: contratações precárias e desconstitucionalização de direitos.
Mas a “nova administração pública” também terá uma camada um pouco mais protegida. A reforma vai considerar como estáveis apenas os servidores dos chamados cargos típicos de Estado. O texto da PEC 32 não diz quais, mas a especulação é que um reduzido grupo, como auditores, policiais federais e funcionários do Banco Central, por exemplo, seja enquadrado nesta categoria.
A mudança representaria um erro grave para a organização do Estado, segundo Ana Luísa Palmisciano, assessora jurídica da AdUFRJ. “A estabilidade é uma forma de proteger o servidor em relação aos interesses das gestões federal, estaduais ou municipais. Que não é benéfica só para ele, mas para toda a coletividade. Ele poderá exercer aquela função com independência”, defende. “Ainda não sabemos quais serão as carreiras típicas de Estado. Não há garantia de que os docentes serão incluídos”.
E, diferentemente do que argumenta o governo para justificar o fim da estabilidade, não é difícil desligar maus servidores do serviço público. As demissões podem ocorrer por sentença judicial transitada em julgado, por processo administrativo disciplinar ou por avaliação de desempenho. “A lei nº 8.112, do Regime Jurídico Único, estabelece as penalidades. Entre elas, a demissão”, diz Ana Luísa.
A proposta cria outros regimes de contratação de servidores. E o “vínculo de experiência” surge como uma etapa do concurso público, que será de dois anos para os cargos típicos de Estado e de um ano para os cargos “por prazo indeterminado” — aqueles que perdem a estabilidade. Se o servidor em “experiência” não atingir “desempenho satisfatório” e classificação final dentro do quantitativo previsto no edital, será desprezado. “Na prática, parece uma forma de a administração pública utilizar estes servidores de uma forma precarizada”, avalia a advogada. WhatsApp Image 2020 09 26 at 11.52.061
A perda de estabilidade conjugada com a disputa pelo cargo, ainda durante o “vínculo de experiência”, pode favorecer uma política de compadrio. “Principalmente nas localidades menores, em que o prefeito tem grande influência. Imagine um professor, num período desses de experiência. Ele terá realmente a liberdade de cátedra para falar sobre a administração do município? No estágio probatório atual, as pessoas já não se sentem confortáveis”, observa a assessora jurídica.
Pior. A reforma pode estimular a corrupção. “Os governos vêm e vão, passam. E o servidor de carreira está ali, garantindo o funcionamento do Estado. Se passar essa Emenda, o governante de plantão é que vai montar a turma dele”, explica Maria Lucia Fattorelli, coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida. “O Regime Jurídico Único está sendo destruído nessa PEC 32. As carreiras estão sendo destruídas. Então, o governante de plantão vai chamar a turma dele, e essa turma vai estar vinculada àquele governante, não ao funcionamento do Estado. Vocês já imaginaram o espaço que isso vai abrir para a corrupção? Para as famosas rachadinhas que estão aí em moda?”, questiona.
A reforma também cria o vínculo por prazo determinado, para necessidades específicas, como ocorre com os atuais professores substitutos. E os novos cargos “de liderança e assessoramento” vão corresponder não apenas aos atuais cargos em comissão e funções de confiança — haverá substituição gradual —, mas também a outras posições “que justifiquem a criação de um posto de trabalho específico com atribuições estratégicas, gerenciais ou técnicas”.
Outro problema da PEC 32 é desconstitucionalizar uma série de direitos, como política remuneratória e de benefícios ou progressões e promoções. “A retirada do direito se torna mais simples”, alerta a advogada.
Os dramas trabalhistas não se encerram por aí. O discurso governamental de que os direitos dos atuais servidores não serão afetados pela reforma administrativa não combina com um dos artigos da PEC que diz “exceto se houver alteração ou revogação da referida lei”, alerta Ana Luísa. A advogada dá como exemplo as férias de 45 dias dos professores, previstas na lei da carreira — a reforma quer impedir qualquer período de descanso superior a 30 dias no serviço público. Se a lei nº 12.772 for alterada neste dispositivo, todos serão prejudicados.

REAÇÃO DEVE SER UNITÁRIA
WhatsApp Image 2020 09 26 at 11.55.35Neuza Luzia, do SintufrjCoordenadora geral do Sintufrj, Neuza Luzia é enfática: “Essa reforma não está reformando. Está destruindo o Estado brasileiro. E o que é mais cruel: a propaganda que sustenta essa reforma diz que é para moralizar e modernizar o serviço público”, afirma.
Neuza chama atenção para o significado da convivência entre servidores de diferentes regimes, caso a reforma seja aprovada. “Não teremos mais um regime só. Isso é uma pulverização do Estado. Que, no limite, deixaria o servidor atual no limbo”, pondera. “O nosso desafio é fazer uma imensa campanha em defesa do Estado brasileiro”.
“Este governo dirigir uma reforma administrativa é muito preocupante. Pois Jair Bolsonaro, Paulo Guedes e companhia limitada não estão nem aí WhatsApp Image 2020 09 26 at 11.55.34Professor Felipe Rosapara o serviço público”, diz Felipe Rosa. O momento pede união e o diretor da AdUFRJ entende que a articulação junto aos parlamentares via Observatório do Conhecimento — rede de associações docentes formada para defender a universidade pública — pode ajudar na disputa contra o governo. “O principal agora é se articular nacionalmente”, afirma.

PROPOSTA NÃO MELHORA QUALIDADE DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

A reforma administrativa apresenta erros básicos de formulação, informa o presidente da Associação Nacional dos Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental, Pedro Pontual.
A apresentação PowerPoint do ministério da Economia, no dia 3, diz que o objetivo da proposta é entregar serviços de qualidade para os cidadãos. Mas o diagnóstico é todo focado na parte fiscal. E, mesmo assim, sem nenhuma segurança. “Na exposição de motivos da PEC 32, o ministro Paulo Guedes escreveu e assinou que a PEC não possui impacto fiscal e orçamentário imediato. Diz que poderá, no futuro, reduzir os gastos”, observa Pedro. “Não existe nenhuma meta de melhoria da qualidade do serviço público”.
“Temos uma proposta que é uma ode à falta de planejamento. Que abre milhões de possibilidades para contratações temporárias. O que é contraditório com o argumento de que há um valor muito grande comprometido com folha de pagamento”, afirma.
WhatsApp Image 2020 09 26 at 12.00.08MINISTRO-CHEFE DA SECRETARIA-GERAL DA PRESIDÊNCIA, Jorge Oliveira entregou no dia 3 a proposta de PEC da reforma administrativa ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia - Foto: NAJARA ARAUJO/CÂMARA DOS DEPUTADOSPedro enxerga um propósito bem distante de melhorar o serviço público na PEC. “O que se procura fazer com essa reforma é permitir que o servidor público seja demitido sem justa causa. Porque nunca houve vedação constitucional ou legal para demissão de servidor com justa causa”.
Por outro lado, os atuais servidores ficam à deriva, em carreiras que serão extintas com o passar dos anos. “O artigo 2º nos coloca no quartinho do entulho e ficamos lá até o último de nós morrer. Não estão claras as garantias que ficam para este grupo”.
O especialista em gestão também criticou o trecho da PEC que permite ao chefe do Executivo “moldar” o Estado, por decreto, extinguindo cargos ou criando, fundindo e também eliminando ministérios e órgãos ligados à presidência.
“É bastante patrimonialista a compreensão de que as instituições da administração pública federal pertencem a um presidente e a ele devem se conformar. Não é assim que funciona”. Ele completa: “Nos EUA, em 2018, o Trump montou um grupo para estudar a fusão de dois ministérios, e esse grupo ainda está trabalhando nisso. Aqui é na canetada”, critica.
Coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli acrescenta que dados são manipulados para justificar a proposta. Na apresentação da Economia, dia 3, foi mencionado um suposto crescimento de 145% no gasto com pessoal ao longo dos últimos doze anos. “Isso é uma informação falsa. O governo coloca como se a inflação tivesse sido zero durante esse período”, aponta. Com a atualização dos dados, o resultado é completamente diferente. “Há 12 anos, o gasto com pessoal representava 4,54% do PIB. Em 2019, foi 4,34% do PIB, ou seja, caiu”, afirma Maria Lucia.

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