Paulo Baía
Sociólogo, cientista político, ensaísta e professor
da UFRJ
Sou professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 1977. Vi o país sair de um tempo sombrio para se reinventar nas lutas democráticas. Fui da primeira turma de professores que se filiou à AdUFRJ, quando ela nasceu em 26 de abril de 1979, ainda sob os ecos da repressão e o perfume da esperança. Aquele tempo, que hoje parece distante, foi o de uma geração que acreditava que a universidade pública era mais do que um espaço de ensino, era o coração de um país que desejava ser livre. E foi com esse sentimento de pertença e gratidão que assisti, com emoção sincera, à posse da nova diretoria da AdUFRJ, realizada na noite de 15 de outubro de 2025, no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ.
A data não poderia ser mais simbólica. Era o Dia dos Professores. E a festa, com roda de samba, coquetel e abraços de reencontro, era uma celebração da docência e da resistência. A construção de uma nova sede para o sindicato foi o ponto alto da cerimônia. A assinatura do termo de intenção para a instalação da sede, em local já definido na Cidade Universitária, foi um gesto histórico e de futuro. O documento foi assinado pela nova presidenta, professora Ligia Bahia, pelo reitor Roberto Medronho e pelo pró-reitor Fernando Peregrino. Foi um ato simbólico, mas também profundamente político: o de renovar o espaço físico e o espírito de uma entidade que há quase meio século abriga o pensamento crítico e a defesa intransigente da universidade pública.
Em seu discurso, Ligia Bahia falou com a lucidez que a caracteriza. Disse que a nova sede se enquadra na concepção de um sindicato como lugar de encontro e reflexão. E então pronunciou uma metáfora luminosa: “A AdUFRJ será como uma caixa de descompressão entre dois mundos. De um lado, a nossa produção acadêmica, nosso trabalho cotidiano na universidade. De outro, um mundo de desigualdades que temos que enfrentar.” Naquelas palavras havia não apenas a visão de uma líder sindical, mas de uma intelectual que pensa o país com ternura e radicalidade, que reconhece as contradições entre o saber e a vida, entre o conhecimento e a fome, entre o ensino e a exclusão.
A professora Mayra Goulart, ao passar o bastão após dois mandatos, foi recebida com carinho e respeito por todos. Sua fala foi emocionada e serena. Lembrou dos desafios de manter a autonomia da AdUFRJ em momentos delicados, como a greve docente de 2024, quando a universidade ficou aberta e os alunos permaneceram ao lado dos professores. A lembrança de Mayra foi um tributo à coragem política e à serenidade intelectual que sempre marcaram sua gestão. Senti orgulho e ternura ao vê-la se despedir, ela que representa a nova geração de docentes da UFRJ, mulheres fortes e jovens que fazem da universidade um espaço de afeto, ciência e luta.
E foi impossível conter a emoção ao ouvir as palavras firmes e generosas de Ligia Bahia. Conheço Ligia desde 1976, quando participamos de uma campanha eleitoral para vereador do professor Antônio Carlos de Carvalho. Dois anos depois, estivemos juntos na campanha de Raimundo de Oliveira, professor da UFRJ que, em 1978, se elegeu deputado estadual. Ligia já era então uma militante lúcida, inquieta e criativa. Ao longo dessas décadas, sua trajetória se confundiu com a história da redemocratização brasileira. Participou das mobilizações pela anistia, esteve presente nas manifestações pelas Diretas Já, foi ativa durante a Assembleia Nacional Constituinte, sempre com a clareza de que a saúde pública, a ciência e a universidade são pilares de uma nação livre.
Ligia Bahia é uma militante raiz, uma mulher de coragem e ousadias cívicas. Escreve sobre saúde pública na imprensa brasileira com a mesma energia com que participa da vida sindical e universitária. É uma figura que atravessa as fronteiras da academia e chega ao campo político, não para ocupar cargos, mas para defender ideias, princípios, valores. Ao vê-la assumir a presidência da AdUFRJ, percebi a continuidade de uma história que começou lá atrás, em 1979, quando um punhado de professores acreditou que um sindicato de docentes poderia ser uma força civilizatória dentro e fora da universidade.
A cerimônia foi uma celebração das gerações que constroem a UFRJ. Estavam presentes o reitor Roberto Medronho, os ex-reitores Carlos Frederico Leão Rocha, Denise Pires, Carlos Levi da Conceição e o sempre lúcido e cordial Nelson Maculan, o decano dos ex-reitores. A presença de Maculan foi particularmente simbólica. Ele representa uma era de compromisso institucional e sensibilidade humanista, e sua serenidade deu à noite um tom de sabedoria e memória. Vi nos rostos dos colegas a emoção de quem reconhece na história da UFRJ uma linha contínua de luta, pesquisa e amor pela universidade pública.
Havia ali professores e professoras de todas as gerações. Desde os que começaram sua docência nos anos 1970, como eu, até os jovens docentes que ingressaram entre 2020 e 2025, cheios de entusiasmo e ideias novas. Era uma festa intergeracional, uma passagem simbólica de bastões invisíveis. Uma aliança entre quem pavimentou o caminho e quem o percorrerá com novas forças. Todos unidos pela convicção de que a universidade é um bem comum, um patrimônio social, uma trincheira da democracia e do conhecimento.
O ambiente era de alegria e de reencontros. A roda de samba dava o tom carioca da celebração. O coquetel unia conversas sobre pesquisa e afetos. Mas, acima de tudo, havia um sentimento coletivo de pertencimento e de propósito. Estávamos ali como docentes, como pessoas que acreditam na universidade pública, gratuita, de qualidade, inclusiva, cidadã. Acreditamos que a docência é um ato político e amoroso, e que ser professor é resistir, é ensinar e aprender ao mesmo tempo, é defender o conhecimento como instrumento de libertação.
Enquanto ouvia os discursos, pensei em todos os que não estavam fisicamente presentes, mas que, de alguma maneira, estavam ali conosco. Os que fundaram a AdUFRJ em 1979, enfrentando o autoritarismo. Os que lideraram greves, redigiram manifestos, participaram de assembleias intermináveis. Os que defenderam a universidade quando a política a ameaçava, os que ensinaram em condições precárias, os que morreram acreditando que o Brasil merecia ser melhor. Eles também estavam naquela noite, na energia dos abraços, no brilho dos olhos, na firmeza das palavras.
A posse da nova diretoria da AdUFRJ foi mais do que um ato formal. Foi um rito de continuidade. Um pacto geracional entre o passado de lutas, o presente de desafios e o futuro de esperança. Foi a reafirmação de que a universidade pública é o maior projeto civilizatório do Brasil.
Saí do Fórum de Ciência e Cultura com o coração cheio. Pensei em Ligia, em Mayra, nos colegas de todas as idades, nos reitores e ex-reitores, nos estudantes, nos técnicos, em todos que fazem da UFRJ uma instituição viva, crítica e solidária. A roda de samba ecoava no pátio, as conversas continuavam nos corredores, e eu me senti de novo jovem, como em 1979, quando assinamos a ficha de filiação à AdUFRJ acreditando que a história podia ser transformada pela palavra, pela ciência e pela coragem.
Naquela noite luminosa de 15 de outubro de 2025, compreendi que a AdUFRJ continua sendo o coração pulsante da UFRJ. E que, sob a presidência de Ligia Bahia, ela seguirá sendo uma caixa de descompressão entre o conhecimento e a vida, entre a universidade e o povo, entre o sonho e a realidade. Um espaço de encontro e de esperança, onde a luta pela educação se confunde com a própria luta pela democracia.