Renan Fernandes
Desde julho deste ano, 2.151 alunos da Uerj perderam a Bolsa de Apoio à Vulnerabilidade Social de R$ 706. O número, obtido pelo Jornal da AdUFRJ a partir de planilhas oficiais da universidade, mostra o tamanho do estrago do Ato Executivo de Direção Executiva (AEDA) 38, que mudou os critérios de concessão do benefício. A medida mudou o “teto” da vulnerabilidade social de 1,5 para 0,5 salário mínimo de renda familiar per capita.
A Uerj justificou os cortes em resposta enviada pela assessoria de comunicação. “As alterações definidas em julho garantiram que os estudantes da faixa mais vulnerável pudessem continuar recebendo o auxílio emergencial que havia sido implementado durante o contexto de pandemia. Como essas bolsas foram implementadas sem previsão orçamentária, não havia mais como manter financeiramente a continuidade para os alunos em vulnerabilidade, com renda entre 0,5 a 1,5 salários mínimos familiar per capita”.
Ainda pelo AEDA 38, todos os alunos cotistas do campus Maracanã perderam o auxílio-alimentação de R$ 300. A justificativa é que o local possui bandejão com tarifa zero para o segmento.
A alteração nos critérios de distribuição das bolsas foram o estopim das manifestações e da ocupação da reitoria pelos alunos. Após negociação com representações estudantis, novos Atos Executivos estabeleceram um regime de transição para os alunos impactados pelos cortes. Foi criada uma bolsa de transição de R$ 500 que será paga até dezembro. Para projetar 2025, a reitoria espera a aprovação da proposta orçamentária na Alerj.
HISTÓRIA
A inclusão de estudantes negros e de baixa renda é parte da identidade construída pela Uerj nas últimas duas décadas. A primeira Lei de Cotas implementada no Brasil foi no Rio de Janeiro. A Assembleia Legislativa do estado aprovou em 2001 a lei que reservava 40% da vagas de graduação na universidade estadual para estudantes autodeclarados negros e pardos.
A medida transformou o perfil discente da universidade. Para garantir a inclusão e a permanência desses novos estudantes, foram criadas políticas de assistência que distribuem bolsas e auxílios aos estudantes cotistas ou em vulnerabilidade social. Segundo o DataUERJ, em 2023, 9.774 dos 24.345 - 40,3% - estudantes da graduação recebem algum tipo de bolsa.
COMPARAÇÃO COM UFRJ
Na UFRJ, a distribuição de bolsas de assistência estudantil é mais tímida. Dados da pró-reitoria de Políticas Estudantis (PR-7) mostram que, dos 47.169 estudantes de graduação, 5.988 (ou 12,7%) recebem auxílio da universidade. Esse número de auxílios atinge somente 52,2% dos alunos que ingressaram por meio de cotas de renda.
O pró-reitor Eduardo Mach garante que a universidade não vai passar pelo mesmo problema da Uerj, mas alertou para um desequilíbrio que pode afetar as contas a partir de 2025. As alterações nas regras de ingresso do SiSU determinaram que os candidatos cotistas concorram primeiro na ampla concorrência. Assim, a entrada de estudantes em situação de vulnerabilidade social não fica restrita aos 25% de vagas reservadas.
“No primeiro semestre de 2023, 375 alunos tiveram direito ao auxílio permanência de R$ 700. Com a mudança da lei do ingresso a partir de 2024, esse número aumentou para 657 alunos. Tudo está garantido para esse ano e estamos tentando equacionar para o ano que vem”, disse o pró-reitor.
DEPOIMENTOS
Temendo represálias, estudantes que perderam auxílios só aceitaram dar os depoimentos em anonimato
G., 9º período, Direito
“Perdi o auxílio alimentação de R$ 300 com a alegação de que o campus tem restaurante universitário (RU). Mas o RU não suporta todos os estudantes nos horários de pico. Quem tem hora para chegar ao estágio não consegue comer aqui. É comum esperar uns 45 minutos na fila só para entrar. Por isso, muitas vezes a gente come na rua, compra alguma coisa para ir comendo no trajeto. Então, pode parecer pouco para muita gente, mas R$ 300 faz uma diferença enorme para muitos. Olha a minha situação: moro em São Gonçalo, perco mais de três horas no trânsito entre ida e volta e ainda gasto quase R$ 20 reais por dia nos ônibus. Sou cotista, recebo a bolsa permanência de R$ 700 e o auxílio transporte de R$ 300, que não dá conta de tudo que gasto com passagem. Esse mês já não recebi. Tranquei algumas matérias para ter mais tempo livre e voltei a trabalhar como tatuador e artista plástico para complementar a renda e conseguir pagar as contas no fim do mês. É triste porque isso vai atrasar a minha formatura, mas é isso ou abandonar”.
M., 6º período, Artes Visuais
“Os cotistas do campus Maracanã estão sofrendo com esse corte. Hoje (24) é o primeiro dia da volta às aulas e tenho colegas que não apareceram e nem sei se vão aparecer. A bolsa auxílio é parte da nossa renda, a gente se planeja com esse dinheiro para sobreviver e continuar na universidade. A tarifa zero no RU não supre a função do auxílio alimentação que perdemos. Trabalho durante o dia em uma escola e quando chego à noite para estudar, não tenho intervalo entre as aulas para ir comer. Tenho que fazer uma escolha entre jantar ou assistir à aula. Geralmente, acabo comendo um salgado. Ou seja, gasto dinheiro e me alimento mal. Qual vai ser o próximo passo? Cortar o auxílio transporte? Moro no São Carlos, lá no Estácio. Vou ter que caminhar durante uma hora depois das 22h para voltar para casa? Hoje tenho medo de não conseguir me formar, de ter que trancar o curso. Ou vou terminar em uma jornada tripla fazendo docinho em casa para vender aqui nos corredores e ganhar uns trocados. De qualquer forma, é lamentável esse corte repentino no meio do ano”.