Na quarta-feira passada (21), o professor Michel Gherman, um dos maiores especialistas em Estudos Judaicos no Brasil, sofreu mais um ataque da extrema direita. Militantes do Movimento Brasil Livre (MBL), liderados por um candidato a vereador do Partido Novo, invadiram o Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) e tentaram expor e atacar o professor com provocações e filmagens não autorizadas. Na ocasião, acontecia um evento internacional organizado pelo docente que discutia os usos políticos do Holocausto, do antissemitismo e do genocídio. O feitiço, no entanto, virou-se contra o feiticeiro, já que os agressores saíram ridicularizados do prédio e foram hostilizados até do lado de fora do edifício. A diretoria da AdUFRJ emitiu uma nota de desagravo e está prestando apoio jurídico ao professor. Perguntado pela reportagem como se sente diante de mais esse ataque – ele foi vítima de outro na PUC-Rio, em outubro passado –, e se não passa por sua cabeça desistir dos Estudos Judaicos, ele deu este contundente depoimento.
‘Eu me sinto no lugar certo. Eu me assumo como judeu e incomoda muito a setores do judaísmo a ideia de colonização do judaísmo e de seu uso político. A identidade judaica é muito importante para mim e, mais que isso, é minha formação. Graduação, mestrado, doutorado, tudo passou pelos Estudos Judaicos. Desistir de tudo isso é dar vitória para a extrema direita.
Alguns elementos nos ajudam a compreender esse processo. No Rio de Janeiro, a maioria da comunidade judaica pode até não ser progressista, mas não é de extrema direita. Então, houve um foco grande de ação da extrema direita aqui e a institucionalidade judaica, essa sim, foi tomada pela direita e pela extrema direita. Esse processo divisionista aconteceu em vários outros grupos, como os evangélicos, por exemplo, e até com organizações não religiosas, como os escoteiros.
Outro ponto é que a gente tem, na UFRJ, talvez o maior núcleo judaico do Brasil, quiçá o maior da América Latina atuando em Estudos Judaicos. Portanto, não é por acaso que esses ataques tenham ocorrido no IFCS. E também não é algo pessoal. Hoje, eu sou uma das referências nessa área, é até esperado, portanto, que tentem me atacar.
O grave, nesse episódio, é que o MBL está entrando na UFRJ e está usando a academia para se fortalecer nessas eleições municipais. É um momento em que a extrema direita está dividida, fragilizada, e tenta, com seu anti-intelectualismo, usar a universidade para fortalecer seu discurso. Isso vai acontecer mais vezes. Estamos vendo uma forma de a extrema direita fazer política nas nossas costas. Quando eu vi, estava sendo filmado por uma pessoa fazendo perguntas absolutamente sem contexto.
A gente não pode ter a nossa atuação acadêmica afetada pela extrema direita tentando fazer campanha eleitoral. Trata-se disso: estão querendo usar o nosso trabalho para fazer a campanha deles. Não se trata de um ato isolado, não é contra um professor, simplesmente. É a instrumentalização do nosso trabalho para a campanha municipal.
Precisamos estar preparados politicamente para esses ataques. Talvez, no IFCS, sejamos mais expostos, mas esse é um tema para a universidade pensar. É preciso que a UFRJ se coloque de maneira institucional para preservar seus professores e a si própria.
Nós somos vítimas pelo trabalho que realizamos, o que dá até um certo orgulho. Eu vou me preocupar, aí sim, quando a extrema direita passar a nos apoiar.”
O que é o MBL
O Movimento Brasil Livre foi oficialmente fundado em 1º de novembro de 2014, como estrutura organizada de apoio à Operação Lava Jato. Com viés antipetista, suas atuações voltavam-se contra o governo de Dilma Rousseff e contra pautas progressistas discutidas no Congresso Nacional e no Supremo Tribunal Federal. Em 2016, liderou manifestações a favor do impeachment da presidenta Dilma e passou a atuar mais fortemente junto às bancadas conservadoras do Congresso para apoiar a redução da maioridade penal, a reforma trabalhista, o projeto Escola Sem Partido e o arrocho fiscal. Em 2018, o MBL declarou seu apoio formal ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Durante o mandato, o grupo se afastou do bolsonarismo e passou a integrar a oposição ao governo. O movimento tem dois núcleos mais fortes de atuação, em São Paulo e em Florianópolis. Em 2022, elegeu um deputado federal (Kim Kataguiri, do União-SP) e um estadual por São Paulo (Guto Zacarias, também do União-SP). Outros três candidatos a deputado estadual de São Paulo não foram eleitos, mas conseguiram vagas de suplentes. Além das vagas eletivas, diversos outros integrantes do movimento ocupam cargos públicos em estados e municípios, sobretudo do Sul e Sudeste do país.