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WhatsApp Image 2022 08 29 at 10.17.33Fotos: Diego MendesNa quinta-feira (25), o taxista Péricles Guedes voltou ao passado quando o passageiro recém-embarcado anunciou o destino: “Museu Nacional, por favor”. “Caramba, agora o senhor me pegou”, disse Péricles, que desandou a compartilhar as histórias de suas visitas ao museu. “Não vou lá desde aquele incêndio, não tive coragem nem de entrar mais na Quinta da Boa Vista. Esse museu faz parte da minha vida. Eu ia lá com meus pais quando era criança e com meus filhos depois que virei pai. Lembra daquele meteorito que tinha na entrada? Quanta lembrança boa tenho de lá”, recordou. Na chegada, o passageiro agradeceu o papo e informou ao taxista que na próxima sexta-feira (2) o Museu Nacional entregará ao público a fachada restaurada, quase todo o telhado reformado e um jardim que até então era fechado à visitação. “Jura? Que notícia boa. Muito obrigado”, disse Péricles, com os olhos marejados.
A emoção que o simpático taxista deixou fluir certamente está se espalhando por muita gente nesses dias que antecedem as primeiras entregas das obras de recuperação do Museu Nacional. Quatro anos após o incêndio que quase o destruiu totalmente, o museu inicia seu processo de reabertura no dia 2 de setembro, em comemoração ao bicentenário da Independência e na mesma data da tragédia de 2018. Haja simbolismo.
“É um momento importante para a sociedade e, principalmente, para a nossa universidade, que está mostrando que é capaz de tocar um projeto da dimensão da recuperação do Museu Nacional. O projeto inclui reforma, restauro e reconstrução. Por dentro, ele precisa ser reconstruído. Por fora, ele precisa ser restaurado. Veja a complexidade desse projeto”, avaliou a professora Denise Pires de Carvalho, reitora da UFRJ.WhatsApp Image 2022 08 29 at 10.17.34
Tomada pela mesma emoção de Péricles, Denise adiantou uma das novidades que serão levadas ao público no próximo dia 2: “Tivemos a oportunidade de refazer todas aquelas esculturas que ficavam na fachada original, algumas já estavam até perdidas, e réplicas estão sendo recolocadas. As originais desceram do alto do palácio e serão expostas. A sociedade agora vai poder ver aquelas esculturas de mármore de Carrara de perto. Toda aquela tragédia trouxe a possibilidade de aproximar ainda mais o museu da sociedade e da história do Brasil”.
Na quinta-feira, as réplicas já estavam emoldurando a fachada restaurada. Todos os andaimes haviam sido retirados e a frente do histórico Palácio de São Cristóvão, que foi moradia da família real, já se mostrava em todo o seu esplendor. Os operários faziam os últimos retoques no Jardim das Princesas — área antes restrita e que será aberta à visitação — e no Jardim Terraço, que fica à frente do prédio. A Prefeitura do Rio também estava concluindo melhorias no entorno do museu, como o recapeamento dos acessos, modernização da iluminação pública e tratamento paisagístico. Até a estátua de Dom Pedro II, que se destaca no alto da Alameda das Sapucaias, bem diante do palácio, passou por reformas e ganhou um novo canteiro de plantas ao seu redor.

CIÊNCIA E HISTÓRIA
WhatsApp Image 2022 08 29 at 10.17.34 1Com seus 204 anos de história, o Museu Nacional olha para o futuro. Fundado em 1818 — é a instituição científica mais antiga do país —, ele inicia no próximo dia 2 uma nova fase, em que tradição e modernidade se juntam. O projeto de reconstrução prevê, entre outros avanços tecnológicos, um sistema de prevenção de incêndios à altura dos utilizados nos mais seguros museus do mundo.
“As obras começaram há cerca de um ano. Todo o período anterior foi dedicado à elaboração dos projetos executivos, de alto nível, aprovados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Vamos entregar, além dos jardins, a fachada do bloco 1 e 70% do telhado e das lajes. Isso mostra a capacidade técnica da universidade e das empresas que estão tocando a obra”, ressaltou a reitora.
Uma das etapas do processo de reconstrução do museu foi o escaneamento a laser do palácio, concluído em novembro de 2020. Essa etapa permitiu a modelagem virtual de todo o prédio e a criação de uma plataforma digital integrada para o desenvolvimento dos projetos de reconstrução.
Para o vice-reitor da UFRJ, professor Carlos Frederico Leão Rocha, todo esse planejamento influiu na entrega das obras. “Conseguimos cumprir o prazo que demos em 2019, o de entregar a fachada restaurada em setembro deste ano, no bicentenário da Independência. Mas temos muitos desafios ainda. O primeiro deles é conseguir junto ao Iphan a aprovação das demais etapas. Depois temos que reunir os recursos financeiros necessários a essa reconstrução. E o maior desafio de todos é montar um modelo de sustentabilidade de longo prazo para o Museu Nacional”, destacou o professor.
A reitora da UFRJ pretende destacar em seu discurso no próximo dia 2 aspectos de desenvolvimento trazidos pela família real e seus ecos no Brasil de hoje. “A família real deixou à sociedade não um simples museu ou um museu imperial, mas sim um museu de História Natural, um museu de Antropologia, uma instituição científica. A família real trouxe ao Brasil as faculdades, a importância da presença de instituições científicas. Tudo isso fez com o que o Brasil, a partir do final do século XIX, começasse um movimento de desenvolvimento, não mais como uma colônia de exploração, mas como um país independente. Estamos no ano do bicentenário da Independência. Infelizmente ainda dependentes, por exemplo, de alta tecnologia. Não porque o Brasil não tenha capacidade para isso. A Ciência brasileira tem o mesmo nível, apesar de ser muito recente, dos países desenvolvidos. O que ela precisa é de mais recursos e financiamento. Este é um momento muito simbólico e vou ressaltar isso na cerimônia de 2 de setembro”, disse a reitora.
O palácio em que nasceu Dom Pedro II e onde ele criou sua família — era no Jardim das Princesas que as suas filhas Isabel e Leopoldina brincavam e tinham aulas de artesanato e jardinagem — ainda terá muitas obras pela frente nos próximos anos. O projeto de reconstrução do prédio foi dividido em quatro blocos e as obras agora entregues em parte se referem ao primeiro deles. A reabertura total está prevista para 2027.
“O projeto executivo para a reconstrução interna do museu está ficando pronto e precisaremos de recursos para as obras, assim como para a recuperação do acervo. O projeto do interior está sendo feito por uma empresa contratada por meio de licitação internacional feita pela Unesco”, revelou a reitora. De acordo com o Relatório do Projeto Museu Nacional Vive 2020-2021, 64% dos recursos necessários à reconstrução já foram captados (R$ 245 milhões), restando captar os restantes 36% (R$ 135 milhões) do total de R$ 380 milhões previstos.

ACERVO, ENSINO E PESQUISA
Diretor do Museu Nacional de 1998 a 2001, o antropólogo Luiz Fernando Dias Duarte tem sua vida acadêmica ligada à instituição, onde é professor titular, e foi um dos primeiros a arregaçar as mangas para começar a reconstrução após o incêndio de 2018. “Nesses quatro anos, lutamos todos pela reconstrução do palácio e pela reconstituição do museu. Não se trata apenas de reconstruir o patrimônio físico que foi destruído, mas sim de reconstituir as condições de trabalho, de pesquisa, de pós-graduação que caracterizam a instituição há 204 anos. O que se perdeu foi um tesouro incalculável, sob todos os pontos de vista, para o país e para a Humanidade. A nossa responsabilidade, como servidores públicos, é fazer com que ao menos parte desse tesouro seja reconstituída”, disse ele.
Presidente da Associação Amigos do Museu Nacional até o início deste ano, Dias Duarte lembrou que o processo de reconstrução “é lento e complexo” e se dá em várias frentes. “O processo está avançando de uma maneira até mais positiva do que eu vislumbrava no momento imediatamente posterior ao incêndio. Uma das frentes é a melhoria das condições de trabalho nos prédios que o museu tem no Horto Botânico, também na Quinta da Boa Vista, e que não foram afetados pelo incêndio. Lá temos a Biblioteca Central, que está em fase final de reforma, o Departamento de Botânica com seu herbário, o Departamento de Zoologia de Vertebrados com suas coleções e uma série de laboratórios”, enumerou.
O professor pontuou a importância de outra frente de trabalho: o novo campus de ensino e pesquisa do Museu Nacional, em um terreno de 44 mil metros quadrados na Quinta da Boa Vista. Ele vai permitir que o Palácio de São Cristóvão seja inteiramente dedicado a exposições e ações educativas. “Lá já temos construídos dois prédios, um administrativo e um pavilhão de ensino e exposições, além de outros projetos em andamento para a construção de laboratórios. Somos cerca de 100 docentes pesquisadores que estamos abrigados provisoriamente em instalações do Horto ou trabalhando de casa”, explicou Dias Duarte.
O professor, que hoje assessora o comitê de planejamento das futuras instalações do museu, é otimista em relação ao futuro da instituição: “É um projeto grandioso, à altura das responsabilidades, da tradição e das competências do Museu Nacional. A expectativa é que nós venhamos a suplantar as características das coleções perdidas, não substituindo itens que se foram, porque isso é impossível, mas criando outros acervos igualmente importantes para o conhecimento da nossa sociedade”.
Alguns itens, de fato, são irrecuperáveis. Como a múmia da princesa egípcia Kherima, que tinha cerca de dois mil anos. Mas outros resistiram, como o meteorito Bendegó, aquele mesmo que povoa as lembranças do taxista Péricles. Com suas cinco toneladas de ferro e níquel — é o maior do Brasil e um dos maiores do mundo —, ele sobreviveu às chamas e certamente retomará seu lugar ao pé da grande escadaria do salão de entrada do museu. O mesmo encantamento que Péricles sentiu quando ali pisou pela primeira vez poderá se perpetuar por novas gerações. O simpático taxista — ganhou cinco estrelas e avaliação de “gente boa” no aplicativo de transporte — contou o que pretende fazer assim que o museu for totalmente reaberto ao público: “Quero levar lá meu neto, hoje com seis anos, e tirar uma foto com ele ao lado daquele meteorito”.
Caramba, Péricles, que notícia boa.

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