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WEBAUTOGRAFOFotos: Fernando SouzaA partida de Wanderley Guilherme dos Santos causa em nós da AdUFRJ uma dupla comoção. Perdemos um intelectual crítico daqueles imprescindíveis para quem se dedica a fazer do Brasil um país mais justo e solidário. Wanderley pensava a democracia no Brasil com esse fim: um modo, o principal modo, talvez o único disponível, para que as brasileiras e brasileiros conquistassem dignidade no seu modo de viver, não apenas material, mas também político e cultural. Escreveu 32 livros e uma centena de artigos que nos ajudam a compreender porque falhamos, até aqui, nesse objetivo.
E perdemos também um colaborador incansável. Wanderley sempre se colocou próximo dos movimentos sociais, não importasse o tamanho ou a abrangência. Fosse uma central nacional ou um coletivo local, se a agenda permitisse, ele estava lá para falar sobre conjuntura. Quando um intelectual com a capacidade crítica que ele tinha falava sobre conjuntura, sempre vinha algo novo. Wanderley não se escondia na teoria nem dos títulos, se lançava ao revolto mar dos eventos cotidianos, nos quais o erro em política é irmão gêmeo da reflexão crítica. Só não se equivoca quem não pensa, mas quem pensa como ele pensava sempre acerta bastante. Em 1962 escreve um livro sobre o golpe que viria, o clássico “Quem dará o golpe no Brasil?” Ele erra ao minimizar o papel dos militares nesse processo, mas acerta na mosca quanto à centralidade da classe média naquela quadra. Já o seu último livro, lançado em 2017, “A Democracia Impedida” sobre o golpe que já foi, o de 2016, até aqui, infelizmente, Wanderley acertou em tudo.
Há, ainda, uma terceira comoção, esta mais de cunho pessoal: fiz mestrado e doutorado em Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ, instituição que sucedeu o antigo IUPERJ, a principal casa de Wanderley depois da UFRJ, onde ele se formou em Filosofia pela UFRJ e foi Professor Titular do Departamento de Ciência Política. No IESP, a gente respira Wanderley o tempo todo. Somos, todas e todos os iuperjianos e iespianas, privilegiados: é impossível fazer qualquer trajetória acadêmica naquela casa sem se sentir parte das suas reflexões. A proximidade, mesmo que em muitos momentos não seja física, é inevitável e a gente aproveita o máximo que dá desse ambiente. Tudo isso se completa com a presença do querido amigo Fabiano Santos, destacado e reconhecido cientista político, dirigente institucional cuidadoso e responsável, excelente professor e orientador. Para ele deixo um fraternal abraço em nome da AdUFRJ e reitero nossa disposição de divulgar e ampliar o legado de Wanderley Guilherme dos Santos, sempre presente!

Josué Medeiros
Professor do IFCS e diretor da AdUFRJ

Artigo publicado no Boletim da Adufrj de 31/08/2018:

WEBWANDERLEYEm novembro de 2018 serão publicadas inúmeras análises revelando a linha de causalidade que, a partir de junho de 2013, desaguou necessariamente nos resultados eleitorais de outubro. Chama-se retrodição. Historiadores semiamadores costumam divertir-se competindo pela retrodição mais aceitável pelo público. Historiadores maduros são mais sóbrios e cautelosos. E por uma arquipoderosa razão: ontem, ou anteontem, poderiam ter sido completamente diferentes do que foram em linha reta do mesmo mês de junho de 2013. Ou melhor, e aí é que está o problema: não em linha reta, mas a retidão da história retrodita ignora os vários tropeços, recuos e hesitações da contemporaneidade dos acontecimentos, selecionando, a posteriori, os tropeços que, agora, aparecem como passos firmes.

Na atual contemporaneidade, o que a distingue das anteriores não são acidentes e contingências que, mesmo ignorados pelas retrodições, não comprometem a plausibilidade das diversas narrativas em linha reta. Eram variações em um mesmo clima competitivo, não obstante as diferentes ênfases e eventuais exclusões de personagens. Da atual contemporaneidade acredito que brotem narrativas em armaduras, como se atribuíssem reta racionalidade a mundos completamente opostos. Ou seja, as eleições de outubro próximo não terminarão depois de computados os votos.
Elas continuarão nos conflitos de visões exacerbadas que, elaborando eu próprio uma retrodição, vieram a público em junho de 2013 e se transformaram, ao longo de cinco anos, em cosmologias, diriam os antropólogos, irreconciliáveis. Não me arrisco a especular sobre o futuro dessa impossibilidade de reconciliação. Quase todos os futuros são, em princípio, possíveis, mas poucos são prováveis. Mesmo estes, se existem agora, estão disfarçados.
Nunca houve uma eleição em que há uma candidatura cujo enigma consiste em decifrar se será capaz de transformar-se em outra. Quer dizer, capaz, será, mas com que eficácia? Episódios como o do desastre que atingiu o candidato do PSB, em 2014, e elevou Marina Silva ao protagonismo principal, não provocou incertezas: ambos eram nacionalmente conhecidos como pessoas com preferências políticas nítidas e atitudes marcantes. Embora ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, a verdade é que, em eleitorado de milhões de pessoas, Fernando Haddad é praticamente desconhecido. A aposta no sucesso do transformismo eleitoral de última hora, ainda que anunciado, supõe uma capitania de votos lulistas, mais do que petistas, não muito comum em lideranças democráticas.
Mas consiste precisamente nessa incerteza o indeterminismo generalizado das trajetórias dos demais candidatos. Se a estratégia obtiver êxito, o que acontecerá com os demais postulantes? As pesquisas nunca foram tão parcas de indicações, pois, a rigor, entre os mais competitivos, é difícil estimar qual chegará, não em primeiro, mas em último lugar. Finalmente, está claro que o empresariado ainda não escolheu seu candidato. E mesmo sem o financiamento legal às campanhas ninguém acredita que os comandantes da economia não se farão sentir no desdobramento delas.
Também isto é inédito. Por isto, o que me ocorre como interpretação é a de que as eleições continuarão por outros meios depois de outubro de 2018.  

WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS (13/10/35 - 26/10/2019)
Cientista político, professor aposentado de Teoria Política da UFRJ, autor de “Cidadania
e Justiça” e “Horizonte do Desejo - Instabilidade, Fracasso Coletivo e Inércia Social”

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