A gestão de Marilu na AdUFRJ foi a gestão de uma intelectual. Em seus 24 meses de mandato, a professora organizou cursos, debates e escreveu artigos — todos cirurgicamente bem escritos, com um léxico reflexivo, político e gramatical gigantesco. Maria Lucia era cuidadosa com a palavra impressa. Não era uma beletrista, mas conhecia as artimanhas, o poder e o ritmo de um bom texto. A seguir, reproduzimos alguns deles e duas entrevistas que nos concedeu no começo e no fim do mandato.
Boletim nº 100 - 19/10/2017
ENTREVISTA
“Serão tempos bicudos”
ANA BEATRIZ MAGNO E KELVIN MELO
Ela quer terminar o mandato menos magra e mais jovem. Aos 74 anos, Maria Lúcia Teixeira Werneck Vianna não tem medo de desafios. Professora aposentada do Instituto de Economia, decana do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas de 2010 a 2014 e uma das maiores especialistas em previdência social do Brasil, ela acaba de assumir a presidência da Adufrj, em um dos momentos mais ameaçadores para a universidade pública brasileira. “Serão tempos bicudos, mas seremos mais bicudos que o tempo”, promete. O combustível da motivação, explica a professora, é a vontade de continuar fazendo política dentro da universidade. Um traço em comum com o irmão Aloisio Teixeira, falecido em 2012, ex-reitor da UFRJ entre 2003 e 2011. Maria Lúcia lembra que Aloisio lhe contou que queria ser presidente da Adufrj após sair da administração central. “Ele não conseguiu satisfazer esse desejo. Faço por ele”. Nesta entrevista, a professora também critica a postura da atual reitoria da UFRJ e apresenta um pouco dos planos da gestão que se inicia.
Qual será a marca desta diretoria?
Será uma gestão mais inserida na universidade. O que não quer dizer que a gente não vai se abrir para fora. Participaremos mais do Consuni, acompanharemos os colegiados superiores da universidade, a Comissão Permanente de Pessoal Docente e a Comissão Temporária de Alocação de Vagas.
Que leitura pode ser feita da vitória das chapas que não receberam apoio da reitoria, na Adufrj e no Sintufrj?
O recado mais geral à reitoria é que estão fazendo a política errada. A tese do “quanto pior, melhor” é extremamente equivocada. Para avançar na resistência ao obscurantismo, exige-se de nós uma política mais propositiva e menos negativa.
Já existe uma primeira ação da nova diretoria?
Sair da CSP-Conlutas. Porque ninguém é da CSP-Conlutas. É uma central muito isolada, muito esvaziada. O professor da UFRJ não perde nada. Gastamos R$ 180 mil anuais com esse repasse.
O que vai ser feito com esse dinheiro?
Temos um sonho que é ter uma sede própria. Estamos discutindo se é conveniente fazer dentro do campus ou não. Eu, particularmente, gostaria que fosse na Cidade Universitária. O problema são os índices de violência. As pessoas não estão conseguindo ficar à noite no Fundão.
A Adufrj vai se inserir no debate das eleições de 2018?
Estamos planejando formular uma carta da universidade para garantir dos candidatos algum compromisso em termos orçamentários e pôr fim às perseguições que a universidade tem sofrido por irregularidades absolutamente ininteligíveis. Ninguém enriqueceu por aí.
Como atrair mais professores ao sindicato?
Podemos pensar numa redução da contribuição dos mais jovens. Para os mais antigos, vamos nos apresentar. Eles nos conhecem. Com uma sede, poderíamos fazer eventos com os aposentados. Também estamos começando a fazer uma espécie de demografia dos professores da UFRJ. Queremos conhecer mais a fundo este universo que vamos representar. Até para traçar estratégias de filiação.
A extensão universitária precisa ser rediscutida?
Sim. Há muitas mudanças em curso e os professores precisam ser ouvidos. Hoje, fazer trabalho social na Maré é extensão, mas dar uma palestra numa entidade científica, não. O intercâmbio com a sociedade não é só com a Maré. É com as escolas, com as empresas.
Por que assumir esta função na Adufrj?
Tem a ver com essa vocação de fazer política na universidade. Uma coisa que eu nunca falei é que o Aloisio, quando saiu da reitoria, disse: “Agora eu quero ser o presidente da Adufrj”. Ele queria ficar na universidade, atuando. Ele não conseguiu satisfazer esse desejo. Faço por ele.
Boletim nº 147 - 03/10/2018
A hora do voto é a escolha de um projeto de Brasil. Para muitos analistas, o pleito deste 7 de outubro é o mais complexo desde a redemocratização. Num Brasil polarizado, estarão em jogo as liberdades individuais e as reformas pelas quais o país precisa passar — mas também a autonomia universitária e a própria democracia. Na newsletter desta semana, a socióloga Maria Lúcia Werneck Vianna, presidente da Adufrj, analisa o quadro eleitoral e alerta para a relevância de escolher um Congresso atuante. Por fim, cobra, nos acordos para o segundo turno, o compromisso com a ordem constitucional. Boa leitura e bom voto!
ARTIGO
Eleições 2018: a conjuntura do dia seguinte
“A intriga nasce num café pequeno/Que se toma pra ver quem vai pagar...”
VERSO DO SAMBA ‘POSITIVISMO’, DE ORESTES BARBOSA E NOEL ROSA
Eleição dos rejeitados, reprise de 1989, pleito atípico... Muitos têm sido os epítetos cunhados pela imprensa ou viralizados nas redes sociais para designar aquela que parece ser a mais inusitada escolha de um presidente no Brasil até agora. Pelo menos desde o fim da ditadura militar. Noves fora a fragilidade programática dos partidos, o extenso número de candidatos nanicos e a baixa visibilidade de projetos para o país nas campanhas – aspectos recorrentes em tais ocasiões e com replicação quase caricatural em âmbito estadual, como se vê no Rio de Janeiro –, contingências recentes agudizam a complexidade deste atual momento pré-eleitoral. Diante de um cenário econômico desalentador, os eleitores se deparam com respostas tíbias, e por vezes contraditórias, para suas angústias, por parte dos que pretendem governá-los. Ódios, ressentimentos e outros imponderáveis, fermentados no caldo da intolerância e alimentados por duvidoso moralismo, resultam em desnecessárias interveniências, como prisões e facadas.
O grande desafio das eleições gerais de 2018, contudo, é seu day after. Conhecidos os resultados após o primeiro turno, haverá, muito provavelmente, uma ressaca coletiva de três semanas, ao fim das quais o processo estará concluído. Concluído? Modus in rebus. Quem quer que seja o ungido pelas urnas, no dia 28 de outubro (ou, sabe-se lá, já no dia 7) vai encontrar um palco que nada terá de iluminado para desempenhar seu papel. A rondá-lo, uma cândida pergunta: como governará? Ou seja, com que apoios contará, que alianças precisará construir?
Trata-se, com efeito, do que os analistas políticos gostam de exibir como instrumento precípuo de diagnóstico da conjuntura, a governabilidade. Um conceito com ares e pretensão de moderno, mas que apenas renomeia uma questão já tratada por Maquiavel com desenvoltura e apuro em O Príncipe, de 1513 (ver especialmente o capítulo XVIII, “De que modo devem os príncipes manter a palavra dada”, na tradução publicada pela Cultrix, de São Paulo, em 1995). Maquiavel procura equacionar a questão da estabilidade da ordem sem recurso à violência ilegítima. Nos termos de hoje, a questão da estabilidade da ordem democrática como pressuposto para governar com legitimidade.
As pesquisas vêm apontando a polarização, na reta final do processo eleitoral, entre Fernando Haddad, do PT, e Jair Bolsonaro, do PSL. A se concretizar esse vaticínio, verossímil, a interrogação da governabilidade nos marcos da institucionalidade democrática estabelecida pela Constituição Federal de 1988 se torna o ponto nevrálgico da agenda. Não só pelo risco de exacerbação violenta da antinomia esquerda versus direita, seja em versão atualizada, seja sob uma retórica ultrapassada, mas igualmente por conta das ameaças representadas pela crescente presença, em cena, de idiossincrasias, abusos e distorções que, tangenciando a ilegalidade, deturpam o quadro político desde a intempestiva expulsão de Dilma Rousseff do Palácio do Planalto.
Por tudo isso e mais um pouco convém lembrar que estas eleições são gerais e não apenas presidenciais. A escolha dos membros do Congresso – deputados federais e senadores – assume especial relevância na medida em que à instituição legislativa caberá fomentar a gravitação em torno do centro político que, por definição, opera na esfera parlamentar. Já se sabe que não ocorrerá renovação de monta nem na Câmara nem no Senado. Como, porém, renovação não significa automaticamente “melhora”, o que se deve esperar (e desejar) é que o Parlamento se comporte como instituição republicana, garantindo o respeito aos desígnios constitucionais.
Também é essencial não esquecer, nessa chave, que a escolha dos governadores e deputados estaduais faz parte do pacote de complicações e desafios imposto às eleições gerais de 2018. Pois governadores são atores de peso nas estratégias de governabilidade. Influenciam bancadas regionais no Congresso, avalizam ou não o pacto federativo, conferem substrato (ou não) à movimentação partidária nas arenas nacional e subnacionais.
A montagem do quebra-cabeças da governabilidade começará, decerto, com a escolha presidencial em 7 de outubro, embora o desfecho possa vir a ser conhecido somente em 28 de outubro. Contudo, dependerá outrossim das demais escolhas – a escolha dos governadores estaduais que acompanha a agonia da escolha presidencial – e a escolha dos representantes legislativos que, esta sim, se encerra em 7 de outubro.
Na ausência, praticamente, de dúvidas quanto a um segundo turno, não custa refletir sobre a importância que ganhará esse breve período, em função das vicissitudes da conjuntura. Mais do que nunca faz sentido o jargão de que o segundo turno configura uma nova eleição. Nas três semanas seguintes ao pleito de 7 de outubro estará sendo preparada a eleição que definirá os rumos do país nos próximos quatro anos, se, nessa preparação, estiver contemplada a questão da governabilidade que efetivamente importa, isto é, como estabilidade da ordem na plena vigência dos preceitos democráticos. Tomara que os indispensáveis acordos e negociações firmados nesse processo sejam norteados por tal prioridade.
Restaria, no entanto, um desafio para que a normalidade fosse (a mudança do tempo verbal é proposital) efetivamente restaurada, satisfazendo expectativas (que vêm sendo frustradas) em relação à república e à democracia no Brasil: a redução do protagonismo do poder judiciário. Evidentemente esse desiderato independe do voto, o que não impede supor (ou torcer para) que uma coalizão de governo ampla, sustentada por bases democráticas e republicanas no Parlamento, possa eventualmente sustar o exagerado – e, por consequência, nefasto – movimento de politização da justiça no Brasil.
A politização da justiça sinaliza perigos não descartáveis. O caráter não eletivo dos cargos da magistratura é (ou deveria ser), formalmente, um óbice à atuação de juízes e procuradores na atividade decisória. Quando se arvoram a dela participar, usurpam funções do Legislativo, insidiando falsa imagem de inépcia do mesmo e contribuindo para que se transforme na Geni da canção de Chico Buarque. Ora, a desmoralização do Legislativo é um atalho para o autoritarismo. Ademais, reforçam o mito de que decisões tomadas por funcionários altamente qualificados, concursados, técnicos, são sempre superiores a decisões políticas. Outro atalho para o autoritarismo.
A epígrafe deste texto foi tirada do samba “Positivismo”, de Orestes Barbosa e Noel Rosa. Só o título já oferece inspiração para interpretar a ansiedade que impregna os primeiros dias desse outubro. Vale conferir.
Jornal nº 1.081 - 26/04/2019 - Edição comemorativa dos 40 anos da AdUFRJ
ARTIGO
Por que comemorar?
Aparentemente, nada a comemorar. Tempos sombrios em que liberdades são ameaçadas, direitos são suprimidos, truculência e intolerância são enaltecidas, mediocridade e ignorância são exaltadas... Nada a festejar, pois.
Mas comemorar não significa apenas festejar no sentido lúdico do termo. Significa também, segundo o velho Aurélio, trazer à memória (lembrar, recordar). Valorizar a memória é, naturalmente, atividade primordial na vida privada, como registra o cancioneiro popular. Recordar é viver, assegura um sambinha carnavalesco dos anos 1950.
É, porém, na esfera pública, na dimensão da vida na qual o coletivo se impõe, que a valorização da memória se torna um ícone, como o próprio presidente brasileiro pôde constatar ao visitar o Museu do Holocausto em Israel. A memória é um símbolo disputado e por isso mesmo, por vezes falsificada. O episódio ocorrido com o presidente, aliás, tem a serventia de justificar um necessário esclarecimento. A formulação original da ideia de que o esquecimento do passado compromete o entendimento do presente e a expectativa do futuro se deve a um filósofo de verdade e não a um astrólogo: Heródoto, que viveu na Grécia no século V a.C., e é considerado o “pai” da História.
A nossa História começa há 40 anos. 1979 não configura um passado remoto. No entanto, como mudaram os tempos de lá para cá! No Brasil, fechamos o ciclo da ditadura militar, criamos uma Constituição Cidadã, passamos por oito eleições gerais, quatro presidentes, dois vices e dois impeachments. A AdUFRJ surgiu em meio a um boom de associativismo. O regime militar pouco a pouco se desidratava. Associações docentes nas universidades ainda cerceadas, associações de bairros nas grandes cidades, associações profissionais representativas das mudanças ocorridas no mercado de trabalho... Enfim, no rastro da movimentação sindical no ABC paulista, na época alcunhada de “novo sindicalismo”, a movimentação de setores das classes médias ganhou corpo.
Naquele momento, o regime militar estava em descenso. A bandeira fundamental era a conquista e o exercício da democracia. Hoje essa questão está de novo posta. Contra possíveis recuos. É de novo uma bandeira forte dos movimentos sociais. Neste sentido, reavivar a memória é importante na nossa atividade como entidade representativa dos professores. A História nos ensina. A vitória da democracia no Brasil se deveu a um processo de alianças bastante amplo. A luta democrática exige alianças. É incompatível com atitudes isolacionistas e sectárias. Não se faz movimento social em guetos.
Na tarde de 26 de abril de 2019, no Salão Pedro Calmon, vamos entregar uma placa comemorativa a todos os presidente que a Adufrj teve desde 1979. Isso é importante, pois essas pessoas estiveram à frente deste processo, de várias lutas, algumas mais exitosas que outras, naturalmente. A gente festeja e rememora.
Muitas questões permaneceram na pauta ao longo desses 40 anos, mudando um pouco de feição, como a defesa da liberdade de cátedra, das condições de trabalho, de salários, da carreira docente, dos recursos para a pesquisa. Isso sempre esteve e está presente.
Mas temos alguns desafios que são mais contextualizados e que têm a ver com o Brasil e o mundo de hoje. Um diz respeito à questão do conhecimento - afinal, a universidade é o locus de produção e transmissão do conhecimento. Atualmente, o rigor do informação está ameaçado por narrativas falaciosas, denominadas de fake news. Cabe a nós, como professores e ativistas sociais, resgatar a importância da precisão histórica e da natureza do saber formal. O tema do resgate da informação precisa é essencial quando estão na pauta questões que dependem do esclarecimento, como o enxugamento do Censo Demográfico e a ausência de um diagnóstico que embase a Reforma da Previdência com racionalidade - do contrário, entramos numa lógica messiânica, religiosa, em que se acredita e ponto final.
O segundo desafio é o da ação coletiva. Há uma desmobilização grande no Brasil, não só na universidade. Um crescimento da postura individualista, o que dificulta a ação de sindicatos e associações. Paradoxalmente, o momento exige ações organizadas que se pautem por uma lógica republicana. Daí a importância de comemorarmos para remorarmos essas quatro décadas de um sindicalismo com a nossa cara. Somos professores e pesquisadores. Nosso campo de luta é a disputa de ideias. Nas ruas e nas salas de aula. Que esse aniversário nos fortaleça em nossa unidade e em nossa diversidade.
Jornal nº 1.091 - 12/07/2019
DISCURSO
Discurso da presidente da Adufrj na cerimônia de posse da nova reitora
Nesses dois anos em que estive à frente da AdUFRJ, nosso sindicato, vivi com orgulho e prazer duas situações privilegiadas. A primeira foi quando, ao assumir a presidência da associação, troquei de chapéu com o professor Roberto Leher. Durante anos, ele foi, reconhecidamente, uma liderança sindical e eu desempenhei em algumas ocasiões funções de autoridade administrativa, como diretora, como decana. E então eis que havíamos trocado. Eu me tornaria sindicalista e ele cumpria - e cumpriu -, com coragem e responsabilidade, o papel de dirigente máximo da universidade.
A segunda situação privilegiada estou vivendo hoje, ao saudar, em nome da Associação de Docentes, a primeira reitora da UFRJ. O fato é, em si, substantiva e simbolicamente, de extrema importância. Pela gramatical flexão de gênero, por óbvio, e por tudo que isso representa para todas (e todos) nós, em termos de legitimação da diversidade. Também pelos indícios que expressa, de respeito à autonomia universitária. E, ainda, pela conotação implícita de que a instituição universidade bem como sua razão de existir - o conhecimento - importam.
Mas, se o fato é relevante em si, quando inserido no contexto político atual, clama por especial atenção. Pois que, adepto de atitudes erráticas e, em certos casos, imprevistas e até contraditórias, o governo federal não transmite segurança nas decisões que toma. Nem todos os reitores escolhidos pelas respectivas comunidades acadêmicas foram empossados. Ademais, tem o mau hábito de inverter ditos populares. Primeiro assopra, depois morde, por exemplo.
Especial atenção, no contexto atual, pois, afirmações identitárias não se encontram em curva ascendente de aceitação nas pautas decisórias. Autonomias também não são bem vistas, em particular pelo Presidente da República, que, se já não aprecia a autonomia de agências reguladoras, o que dirá da autonomia das universidades públicas. E o conhecimento, venha ele através das ciências, das artes ou das letras. O conhecimento - ou a preocupação seja com o desenvolvimento nacional seja com a inclusão social pela via do conhecimento - não frequenta sequer a agenda do Ministério da Educação.
Sem dúvida, o caminho que Denise, Fred e seus colaboradores vão trilhar será árduo e atribulado. A escassez de recursos não será compensada por chocolates. Profissionais formados em Veterinária não substituirão professores de Filosofia. Os detratores de sempre e os que agora saíram do armário não vão silenciar. A surucucu, a serpente genuinamente brasileira, está à procura de um buraco quente para colocar seu ovo.
Tempos bicudos no horizonte. O projeto de destruição a que o presidente Bolsonaro se referiu logo no início de seu governo, não passa apenas pela Previdência Social. Passa também, e com força, pela universidade pública.
No entanto, o fato relevante se impõe. Se há prenúncio de tempestade, a capitã Denise, a Reitora, está aí, para ser a nossa Carola Rackete. Audácia não lhe falta. E a prudência, que também a cerca, sussurrará em seu ouvido, se necessário, o conselho de Paulinho da Viola. “Faça como um velho marinheiro, que durante o nevoeiro, leva o barco devagar”. Boa sorte, Magnífica Reitora Denise.
Jornal nº 1.104 - 17/10/2019
ENTREVISTA
“SOZINHOS, NÃO GANHAMOS ESSA GUERRA”
por ANA PAULA GRABOIS
A professora e cientista política Maria Lúcia Werneck se despede do mandato à frente da AdUFRJ com o desejo de que, em meio ao cenário adverso para a educação e a democracia, a seção sindical “não deixe a peteca cair”, mantendo a representatividade alcançada nas últimas três eleições. Ela defende que a associação continue a mobilizar os professores em defesa da universidade pública e de chamar a sociedade para se engajar no tema, seja através de atividades na rua, debates ou da articulação com o Congresso a partir do Observatório do Conhecimento. “Temos que buscar apoios os mais diversos possíveis. Sozinhos, não ganhamos essa guerra”.
O que destaca na sua gestão?
Quando chegamos, o Brasil já estava complicado. Havia o desafio de enfrentar tempos muito bicudos: aprovação do teto dos gastos, Reforma Trabalhista do Temer, tentativa de Reforma da Previdência. Depois, o contexto piorou com a eleição do Bolsonaro. Além de problemas políticos, autoritarismo e contenção de gastos, houve o ataque ideológico, essa coisa folclórica que o ministro da Educação representa. Levamos o desafio adiante nas manifestações e eventos realizados internamente. O número de associados aumentou de 2017 para 2019. Fomos eleitos com um grau de aprovação bastante significativo em 2017, o que foi mantido em 2019. O que fizemos foi acompanhar e informar os associados. Nisso, o jornal teve um papel importantíssimo, se tornou leitura obrigatória. Durante o processo eleitoral de 2018, participamos ativamente com artigos de professores da UFRJ que normalmente não estavam no debate. Essa é a lógica de atuação dos professores, de defender a universidade, a democracia, o conhecimento e através de instrumentos próprios de professores – escrever, pensar, refletir, debater.
O que poderia ter feito mais?
Tivemos êxito nas atividades de rua, mas deveríamos ter feito de forma mais frequente, como aulas públicas, para que a sociedade entenda que a universidade é fundamental. Nem sempre a sociedade tem conhecimento de que os saberes estão em políticas públicas. O Observatório do Conhecimento pode ser aprofundado. É uma ideia muito boa pelo tipo de informação que pode trazer e porque significou a relação próxima com outras associações docentes ligadas ou não ao Andes. O observatório permite o contato com parlamentares, é uma plataforma com profissionais para fazer essa relação institucional, como a que temos com a deputada Margarida Salomão, das comissões de Educação e de Ciência. Trouxemos a ideia de construir a sede própria, muito bem aceita. O contexto tornou-se cada vez mais duro com os cortes. Pensamos que não poderíamos gastar o recurso porque poderia haver necessidade de um fundo de greve. Não está fora da agenda, as diretorias que vierem podem retomar a ideia. Uma associação como essa tem que ter movimentos não só políticos, mas de sociabilidade.
Continuamos em uma conjuntura adversa. O que fazer?
Temos que buscar apoios os mais diversos possíveis. Sozinhos, não ganhamos essa guerra, que faz parte de uma guerra maior, de privatização total do Estado e desmonte do pouco que há de bem-estar social, Previdência, saúde. É um projeto neoliberal autoritário que coloca pautas diferentes. Nem todos da universidade são contra a Reforma da Previdência. A Educação é uma pauta que unifica mais. O trabalho é mobilizar os professores, a rua e ganhar apoios entre deputados e senadores dos mais diversos partidos.
Qual mensagem deixa à nova diretoria?
A diretoria que vai entrar demonstrou ter afinidade grande com os temas que enfrentamos. Espero que tenham criatividade para inovar onde não conseguimos, mas que também segurem a peteca. Essa peteca é a metáfora que usei para o legado que recebemos da direção anterior: mais que dobramos o número de votantes na eleição de 2015, algo importante porque antes eram 400 professores. Segurar a peteca é manter a representatividade. Tenho certeza de que farão, mas é bom lembrar que tem uma peteca que a gente não pode deixar cair.