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Na mesma semana em que os vigilantes da UFRJ ocuparam o Conselho Universitário por temerem passar o Natal sem salários, o Observatório do Conhecimento organizou um debate em Brasília para denunciar a crise de financiamento das universidades. A rede – formada por associações docentes de várias regiões do país –busca sensibilizar os parlamentares e a sociedade civil sobre a grave crise enfrentada pelas instituições federais de ensino superior.
Um dos debatedores do encontro, que aconteceu no dia 10, foi o professor Carlos Frederico Leão Rocha, diretor do Instituto de Economia e ex-reitor da UFRJ. O docente fez um histórico da crise orçamentária e afirmou que o atual governo não tem projeto para as universidades federais. Além do orçamento de custeio insuficiente, falta investimento.
“As universidades estão à deriva e o governo não tem indicado que este cenário será alterado”, lamentou. “Não há orçamento para o projeto de expansão”.
Ele explicou: “Ao longo do tempo, o orçamento passou por novas regras fiscais que dificultaram a expansão dos gastos”, disse. “Isso gerou uma série de consequências que se refletem também nas universidades”, analisou. “Ao mesmo tempo, há um problema de projeto de universidade. A gente passou de uma universidade de elite para uma universidade que assume um papel de ator social, a partir de 2003”, lembrou.

E AGORA, JOSÉ?
Nas universidades, além do orçamento já insuficiente, há uma grande transferência de recursos do orçamento discricionário para o pagamento de salários. “Ao longo do tempo, postos de trabalho foram sendo extintos e as universidades precisaram usar o seu orçamento de custeio para pagar esses postos”, explicou. É o caso, por exemplo, dos serviços terceirizados de limpeza e vigilância.
O docente também explicitou que internamente as universidades têm problemas. “Há muitos dissensos sobre formas alternativas de financiamento, o grau de relacionamento das universidades com o setor produtivo. Ou seja, as instituições também não têm projeto”, garantiu.
A proposta de autonomia universitária do professor passa por vincular a receita e desvincular a finalidade das universidades. “Por outro lado, flexibilizar o manuseio dos mecanismos de arrecadação de recursos próprios”. Hoje, a UFRJ, por exemplo, tem grande capacidade de obtenção de recursos próprios, mas não pode expandir essa captação por conta do teto de gastos. “Isso é um ponto muito importante. As universidades que têm grande capacidade de captação de recursos não vão aumentar sua receita enquanto isso não for equacionado”.

SOCIEDADE CIVIL
Ao longo do seminário foram ouvidos outros representantes da sociedade civil. Ado Jório Vasconcelos, representando a Academia Brasileira de Ciências (ABC), apresentou o documento “Um olhar sobre o ensino superior no Brasil”, produzido pela ABC. A obra (veja AQUI), que virou livro de mesmo nome, aborda os desafios e apresenta sugestões para a modernização do sistema de educação superior. “De 100 jovens brasileiros que a gente deveria formar, a gente está formando 22. Desses 22, só 4 são formados por universidade pública”, apontou. “Isso enfraquece inclusive a percepção da sociedade sobre o papel da universidade pública”, alertou o pesquisador. O documento está disponível no site da ABC.
Rodrigo Nunes da Fonseca, diretor da AdUFRJ, citou os desafios da expansão realizada durante o Reuni. “Há campi com grande sucesso institucional e outros que precisam muito fortemente de apoio para manter suas atividades”, disse. “Falta realmente a gente ter um projeto sobre que tipo de universidade a gente quer no nosso país”.
A professora Soraya Smaili, do Centro de Estudos sobre Sociedade, Universidade e Ciência (SoU_Cência), citou a impossibilidade de plajenamento financeiro das IFES. “Nós não temos uma previsão orçamentária, como é o caso das estaduais de São Paulo”.
Ela foi reitora da Unifesp por dois mandatos consecutivos e viveu na pele a diária ‘escolha de Sofia’ das federais. “Mas mesmo com toda essa redução, conseguimos dar conta de enormes desafios, sobretudo durante a pandemia. Isso precisa ser reafirmado”.
Vinicius Soares, da ANPG, citou o impacto concreto do desfinanciamento das universidades no futuro do país. “Hoje, a evasão na graduação já chega a 50%. Também já existe uma evavasão crescente na pós-graduação. O financiamento precisa ser colocado como projeto político”.
Representando o Proifes, o economista Wellington Duarte lembrou que os grandes problemas no debate do orçamento são a disputa pelo acúmulo de recursos para a dívida e o tripé macroeconômico brasileiro. “Essa estrutura não muda com governos desde os anos 2000”.
A mediação do debate foi do professor Daniel Perez, representando o Observatório. Também participaram Diego Lopes (UNE) e a pesquisadora Maria Virgínia (UnB). O Andes foi convidado, mas não compareceu ao evento.

DEPUTADOS CRITICAM PESO EXCESSIVO DAS EMENDAS PARLAMENTARES NO ORÇAMENTO

Apesar dos avanços nos últimos dois anos, ainda é grande a insatisfação com o financiamento das universidades mesmo entre parlamentares do próprio partido do presidente Lula. No primeiro painel do seminário do Observatório, quatro deputados federais do PT cobraram mais recursos para a educação pública superior federal e criticaram o excessivo valor das emendas parlamentares nos dias atuais.
Coordenador da Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Públicas, Tadeu Veneri (PT-PR) apresentou números orçamentários desanimadores. Em 2015, as universidades receberam R$ 9,154 bilhões para o custeio de suas atividades; em 2021, 5,826 bilhões. Para investimentos, as federais receberam R$ 997 milhões em 2015; em 2021, R$ 132 milhões. “Como é que se mantém hospital? Como paga luz? Como abre novos cursos com uma redução desse tamanho? Não há margem”, criticou Tadeu.
Também na coordenação da Frente Parlamentar em Defesa das Universidades Públicas, a deputada Ana Pimentel (PT-MG) criticou o enorme destaque que as emendas parlamentares ganharam nos últimos anos. “O Estado Brasileiro mudou com essa história das emendas. A dinâmica da relação dos Poderes mudou”, afirmou. “O papel dos reitores é pensar estrategicamente a instituição que dirigem, mas eles, de pires na mão, ficam pedindo emenda, paparicando deputado. Isso é um absurdo”.
A parlamentar cobrou mais engajamento de toda a esquerda nas disputas políticas do país. “O que a sociedade espera de nós é mais direitos, mais universidade, mais saúde pública. Não adianta ficar fazendo gesto ao mercado”, completou.
Alexandre Lindenmeyer (PT-RS) reforçou o coro contra o atual peso das emendas parlamentares. “O governo anterior pactuou com a Casa Legislativa um aumento extraordinário dos recursos para emendas parlamentares”, disse. E fez uma comparação: “O Programa de Aceleração do Crescimento — que tem investimentos nos Restaurantes Universitários, nas casas de estudantes, na ampliação de campi, na construção de hospitais —, representa R$ 54 bilhões para quatro anos. Aqui no Congresso, temos o valor de um PAC anual. Estamos falando de mais de R$ 200 bilhões ao longo de quatro anos”.
Para o parlamentar, isso tira a força do governo. “Esse dinheiro teria que estar dentro do Executivo para fazer planejamento de política pública. Isso é uma grave distorção para a democracia”, afirmou.
FINANCIAR O FUTURO
Já a deputada Carol Dartora (PT-PR) alertou que o debate de ampliação do financiamento das universidades tem como desdobramento o desenvolvimento do país. “Temos desafios enormes com relação às emergências climáticas. As soluções saem de onde? Da universidade. Como a gente pensa o nosso futuro?”, questionou. “Sem financiamento, sem estrutura, não tem Brasil do futuro”. (Kelvin Melo)

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