Mesmo com orçamento minguado, a UFRJ resiste com garra e excelência. Na semana em que teve a luz e a água cortadas por falta de pagamento, a universidade demonstrou toda sua potência na produção do conhecimento: cresceu em ranking de instituições da América Latina, teve dois artigos publicados em prestigiadas revistas estrangeiras e um de seus docentes eméritos foi escolhido para receber a maior honraria concedida pela Academia Mundial de Ciências.
“Recebi as quatro notícias com muita alegria. Precisamos de pautas positivas. A UFRJ é um patrimônio da sociedade brasileira”, afirmou o pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa, professor João Torres. “As notícias negativas existem e precisam ser veiculadas, mas existe muita coisa positiva que devemos divulgar para a sociedade. Só imaginem se a UFRJ tivesse um orçamento decente!”.
Se o financiamento continuar aquém do esperado, porém, o dirigente teme que as notícias positivas fiquem cada vez mais raras. “Grupos muito bem formados estão conseguindo sobreviver, a duras penas. Mas claro que isso não vai durar para sempre assim”.
Pelo menos por enquanto, ainda há o que comemorar. O professor Ismar de Souza Carvalho, do Instituto de Geociências, participou de um estudo que estampou a capa da Nature, em 13 de novembro. Ao lado de colegas de outras instituições, ele ajudou a classificar um fóssil de ave descoberto no interior de São Paulo que faz a conexão entre espécies mais antigas e as contemporâneas.
“É quase que o elo perdido entre o que estava na origem de todas as aves há 150 milhões de anos com as do tempo presente”, disse. O Navaornis hestiae, que ganhou esse nome como homenagem ao seu descobridor, o professor William Nava do Museu de Paleontologia de Marília (SP), é um grande achado. “Eu diria que é uma chance em um milhão de encontrar um material como esse. O fóssil é uma das claras comprovações de que a evolução existe. E que, ao longo do tempo, algumas formas de vida persistem e outras desaparecem”.
A pesquisa demorou dois anos para ser concluída e inovou com a tecnologia de análise. “Só foi possível se chegar a essas conclusões porque não foram utilizados os métodos clássicos do estudo paleontológico. Foi feita uma tomografia de todo o objeto. Não houve preparação mecânica, pois os ossos são muito frágeis. O método de estudo foi fundamental para o sucesso dos resultados obtidos”, afirmou.
Sucesso que o professor Ismar espera repetir em futuros projetos, se as políticas governamentais permitirem. “Em função das limitações estabelecidas pelo teto de gastos, isso faz com que nos vejamos em enormes armadilhas. Ficamos sem condições de produzir mais conhecimento ou o conhecimento é produzido com enorme dificuldade”, lamenta.
Já a professora Christine Ruta, do Instituto de Biologia e coordenadora do Fórum de Ciência e Cultura, publicou um artigo na revista Nature Communications em 18 de novembro. Resultado de seis anos de pesquisa, o trabalho contou com a colaboração de pesquisadores de diversos países. “O estudo revela como minhocas marinhas regeneram tecidos danificados e abre caminhos para novas descobertas na biologia”, afirma. “A capacidade de regenerar tecidos perdidos é um fenômeno fascinante observado em muitos organismos, mas os motivos pelos quais algumas espécies conseguem realizar esse processo com tanta eficiência ainda são pouco compreendidos”, explica.
No caso das minhocas marinhas (anelídeos poliquetas), o segredo está em um processo chamado “desdiferenciação celular”, no qual células maduras retornam a um estado semelhante ao de células-tronco, permitindo a formação de uma nova zona de crescimento em poucas horas. “Essas descobertas não apenas ampliam o conhecimento sobre a biologia da regeneração, mas também abrem novas possibilidades para pesquisas em medicina regenerativa e biotecnologia”, diz.
Embora não tenha enfrentado dificuldades orçamentárias para a conclusão do trabalho — que contou com colaborações internacionais — a pesquisadora não tem dúvidas de que poderia fazer mais se a UFRJ e a Ciência nacional apresentassem financiamento adequado. “A escassez de recursos nos obriga a limitar nossas pesquisas, deixando iniciativas valiosas apenas no papel. A pesquisa que realizo exige fomento contínuo, envolvendo equipamentos de alta resolução, técnicos especializados, reagentes específicos e infraestrutura, como um biotério, indispensável para o trabalho com organismos vivos”, exemplifica.
AVANÇO EM RANKING
Os artigos dos professores Ismar e Christine certamente irão contribuir para futuras avaliações da universidade em rankings nacionais e internacionais nos quais a UFRJ já se destaca. Na manhã de 12 de novembro, pouco antes dos primeiros cortes de energia, a instituição celebrava um avanço significativo na classificação realizada pela revista inglesa Times Higher Education para a América Latina: a maior federal do país saiu de uma modesta 11ª posição no ano passado para o terceiro lugar — atrás apenas da USP e Unicamp.
Coordenadora geral do Escritório de Gestão de Indicadores de Desempenho (GID) da universidade, a professora Jacqueline Leta atribui parte do sucesso à profissionalização do próprio GID, criado na gestão da ex-reitora Denise Pires de Carvalho. “Existe essa equipe voltada para a coleta, organização e envio dos dados aos organizadores dos rankings”, explica. “Temos que gerar muitos desses indicadores. É todo um processo de garimpagem e tratamento das informações”.
Por outro lado, o THE é um ranking de indicadores complexos, com muitas variáveis. Uma melhor compreensão sobre o salto da UFRJ precisa considerar o desempenho em seus principais eixos, como o de citações das pesquisas. “Olhando os números, no eixo de citações, houve uma melhora muito forte (de 45,2 para 70,7). E esta parte pesa 10% da nota”, afirma Jacqueline. Além disso, a docente destaca que é preciso observar a situação das demais universidades. “É possível que algumas instituições que estavam à frente tenham piorado em algum ou vários desses indicadores”, diz.
Questionada se os orçamentos seguidamente rebaixados poderiam se refletir em retrocessos nos próximos rankings, a docente arriscaria dizer que sim, mas com ressalvas: “Se a gente imagina que uma parte do ranking tem a ver com produção científica que demanda recursos, é possível, sim. Mas é preciso esperar para ver”. Jacqueline lembra que o ranking recém-divulgado trabalha com dados referentes a 2022. “Há dois anos, também estávamos com dificuldades orçamentárias”.
PROFESSOR PREMIADO
Outra conquista para a universidade na semana que passou foi o anúncio da premiação do professor emérito Luiz Davidovich. O docente do Instituto de Física receberá, no próximo ano, a medalha TWAS, honraria concedida pela Academia Mundial de Ciências (TWAS, na sigla em inglês) aos pesquisadores que impulsionam a ciência e a tecnologia globalmente.
“Fiquei muito contente com a premiação, em particular, pela origem dela. A Academia Mundial de Ciências é uma instituição que contribui para reduzir a distância entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. É a Ciência vencendo as barreiras do preconceito e do medo”, disse Davidovich.
Ciência que, no Brasil, preocupa. “Tivemos com Lula um progresso em relação ao governo anterior, com a liberação dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e um reajuste das bolsas de mestrado e doutorado”, explica o ex-presidente da Academia Brasileira de Ciências. “Por outro lado, os recursos para as universidades federais estão muito reduzidos. É inacreditável que a eletricidade da UFRJ seja cortada por falta de pagamento”, completa Davidovich.