A notícia não é boa para a pesquisa nacional. Entre 2019 e 2023, a produção de artigos científicos do país experimentou uma montanha-russa com queda brusca. No primeiro ano, foram aproximadamente 90 mil publicações; em 2021, houve o pico de 100 mil e, ano passado, o patamar baixou para 80 mil.
Somando a produção dos cinco anos do intervalo estudado (458.370 publicações), o Brasil manteve a mesma 13ª posição do ranking mundial da área, de 2019. Os EUA, com mais de 4 milhões de publicações, lideram a lista; seguido pela China (3,6 milhões) e pelo Reino Unido (1,2 milhão).
Os números constam do mais recente relatório sobre a Ciência brasileira elaborado pela editora norte-americana Clarivate e divulgado no último dia 15. A iniciativa é fruto de uma parceria com a Capes.
A pandemia é apontada como uma das principais responsáveis pelo declínio. De modo geral, a produção acadêmica mundial caiu. Mas o Brasil sofreu com uma variável extra, nos últimos anos: o subfinanciamento durante o governo Bolsonaro. “Tivemos um baixo financiamento para ciência, tecnologia e inovação de 2016 a 2022. As verbas do MCTI foram retiradas. O FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) foi contingenciado”, avalia a presidenta da Capes e ex-reitora da UFRJ, professora Denise Pires de Carvalho.
“Estamos em um processo de reconstrução do país. O reajuste das bolsas de mestrado e doutorado ano passado foi fundamental para atrair mais alunos”, continua Denise. “Agora vamos aumentar o número das bolsas de pós-doutorado. Provavelmente, no próximo mês”. As bolsas para os pós-doutorandos caíram de 7.468 em 2015 para menos de 2 mil em 2024.
O pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa da UFRJ, professor João Torres, concorda que a ampliação dos investimentos em pesquisa é vital para a Ciência brasileira voltar a crescer. “A pandemia teve um papel importante. Várias pesquisas foram interrompidas. Mas o mais fundamental é a política de financiamento dos últimos seis anos. O FNDCT caiu a um quinto. O número de bolsas do CNPq diminuiu e vem diminuindo”, diz.
Em especial, o docente torce pela retomada das bolsas de pós-doc. “Os pós-doutorandos, no mundo todo, são um dos fatores mais importantes para a produção científica. Normalmente, são pessoas que trabalham em horário integral. São bem formados e precisam menos de orientação. Além disso, não têm obrigações gerenciais ou didáticas. Nós vemos com muita preocupação essa queda no número de bolsas de pós-doutorado”.
POUCO IMPACTO
O relatório da editora Clarivate trouxe outra notícia ruim para o Brasil: os artigos científicos publicados por pesquisadores brasileiros alcançam apenas 80% da média de citações recebidas mundialmente em suas respectivas áreas. “Esse impacto de citação é menor do que o de outros países líderes da América Latina e do G7, e maior apenas do que o da Rússia entre os países do BRICS (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)”, aponta um trecho do documento.
O documento utiliza como indicador o CNCI (Category Normalised Citation Index, da sigla em inglês). “O CNCI é um índice excelente para medir qualidade dos artigos produzidos, porque normaliza sua citação pela média da área”, afirma Claudia Pinto Figueiredo, neurocientista e professora da Faculdade de Farmácia da UFRJ. “Ter CNCI menor que outros líderes da América Latina e do BRICS mostra exatamente o problema mais importante que a ciência brasileira precisa trabalhar: aumentar a qualidade das suas produções”, completa.
Algo que, segundo Claudia, não será conseguido com a política de ampliação de publicações em acesso aberto. A Capes já anunciou que deve aumentar o número de acordos transformativos de “Read and Publish” — isto é, aqueles em que pesquisadores brasileiros poderão publicar artigos em determinados periódicos, no formato aberto e sem qualquer custo, após a devida aprovação do processo de revisão por pares.
Nos últimos cinco anos, o relatório da Clarivate mostra que a proporção da produção brasileira total de artigos disponíveis abertamente permaneceu consistente: entre 53% e 56%. “O Brasil publica muito mais em acesso aberto quando comparado com o restante do mundo e isso não tem contribuído para melhora do CNCI. Publicar em acesso aberto não garante visibilidade”, defende Claudia, que recentemente participou de estudo sobre acesso aberto publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências.
“Veja que os campeões de publicações em acesso aberto pelos brasileiros são revistas que não estão em Q1 (melhor qualidade). A única que aparece na lista como Q1 é a International Journal os Molecular Science, que possui política editorial duvidosa, índice de impacto inflado por práticas predatórias e que cobra taxas altíssimas de publicação”.
INTERNACIONALIZAÇÃO
A presidente da Capes observa que a citação de um artigo depende de várias questões, mas considera a internacionalização como peça-chave. “A gente precisa aumentar a internacionalização da ciência brasileira, com a vinda de mais estrangeiros, principalmente. Temos enviado muitos brasileiros para o exterior para formação de pós-doutorado, doutorado-sanduíche. Mas a vinda de estrangeiros é importante para que eles conheçam a capacidade científica nacional”, argumenta Denise.
Nos últimos dez anos, ainda de acordo com o relatório da Clarivate, a porcentagem de artigos brasileiros envolvendo coautores internacionais aumentou de 28% em 2014 para 38% em 2023 O colaborador internacional mais frequente do Brasil em artigos de pesquisa são os Estados Unidos. Da produção brasileira, 12,8% é feita em coautoria com pesquisadores dos EUA, o que é mais que o dobro dos 5,7% com seu próximo parceiro mais comum, o Reino Unido.
UFRJ PODE MELHORAR
Ao longo das 44 páginas do relatório da Clarivate para a Capes, a UFRJ é citada duas vezes. Em nenhuma, de forma positiva. Na primeira delas, a universidade aparece em uma posição apenas intermediária (11ª) em uma listagem das 20 principais instituições brasileiras envolvidas em publicações de pesquisas sobre Inteligência Artificial, entre 2019 e 2023. USP e Unicamp lideram o ranking, nesta ordem.
Pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa, o professor João Torres concorda que o tema precisa ser mais trabalhado na maior federal do país. “O professor Edmundo Souza e Silva, do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da Coppe, vai assessorar a reitoria neste assunto”, anunciou. E já nesta semana, o Festival do Conhecimento da UFRJ terá a IA como mote. “Toda discussão é bem-vinda”, completou.
Na parte final do documento, a UFRJ aparece como a instituição que “tem a maior porcentagem de artigos não citados (23,1%) e seu perfil é notavelmente deslocado para as faixas de menor impacto de citação do que as outras instituições analisadas”.
Coordenadora geral do Escritório de Gestão de Indicadores de Desempenho da universidade, a professora Jacqueline Leta afirma que vários fatores podem ter contribuído para esta situação: “Normalmente, existe uma relação entre produção e impacto. Quanto maior a produção, maior o impacto. Uma coisa chama a outra. Quanto maior a produção científica em colaboração internacional, você tem impacto maior. Há áreas que colaboram mais; outras, menos. Algumas revistas podem ter saído de circulação. Não dá para olhar o número sem uma análise mais detalhada”. O escritório prepara um estudo sobre o tema, que deve ficar pronto no próximo mês.