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WhatsApp Image 2024 08 27 at 20.24.14Renan Fernandes

Quem somos? Como somos? Somos aceitos? Em busca de respostas para estas e outras questões, a UFRJ lançou a primeira Pesquisa da Diversidade. O objetivo é produzir dados que vão guiar o desenvolvimento de ações de combate às desigualdades. A iniciativa, da Comissão de Diversidade do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, em parceria com a Superintendência-Geral de Ações Afirmativas, Diversidade e Acessibilidade (Sgaada), conta com o apoio da AdUFRJ.

Denise Góes, superintendente-geral da Sgaada, definiu a pesquisa como uma radiografia da universidade. “Conhecemos a existência desses grupos minoritários dentro da universidade, mas ao mesmo tempo desconhecemos. Queremos que esses grupos apareçam”, afirmou.
“Quantas pessoas cis, trans ou intersexo existem na UFRJ? E onde estão essas pessoas? Precisamos saber se estão no Fundão, na Praia Vermelha, nas unidades do Centro, em Duque de Caxias ou em Macaé. Que políticas de diversidade e acessibilidade são necessárias? Onde devem ser aplicadas? São questões que queremos responder”, disse a a superintendente.
A pesquisa pretende ser ampla. “Uma pessoa com deficiência não é apenas uma pessoa com deficiência. Pode também ser negra ou indígena, homossexual, de gênero não binário, de classe D ou E. Investigar esses atravessamentos é fundamental”, apontou Denise.
A expectativa é que o levantamento ofereça subsídios para a criação de políticas afirmativas tanto da universidade quanto dos poderes públicos. “Não há política pública sem dados. A Sgaada tem a atribuição não apenas de dar visibilidade a grupos marginalizados, mas também de sugerir políticas que deem condições a esses grupos de terem uma experiência melhor e mais produtiva”, disse Pedro Gonzaga, chefe de gabinete da superintendência.
“Se a UFRJ quer ocupar um espaço de vanguarda, ela precisa se abrir para a diversidade. Como uma instituição vai pensar sobre a sociedade que é diversa, sobre a cidade e o país, se não tem conhecimento dos grupos marginalizados dentro do próprio corpo social?”, completou.

DIVERSIDADE
O Dicionário da Língua Portuguesa do professor Evanildo Bechara define diversidade como “a condição do que ou de quem é diferente, diverso, variado”. A objetividade comum aos dicionários não é capaz, no entanto, de explicar a complexidade do conceito quando aplicado à sociedade.
O professor Alfred Sholl, do Instituto de Biofísica e coordenador da Comissão de Diversidade, ampliou a definição na cerimônia de lançamento da pesquisa, no Auditório Hertha Meyer do Centro de Ciências da Saúde. “A diversidade pode se manifestar em diversas dimensões. Por exemplo: idade, identidade étnico-racial, gênero, orientação sexual, contexto socioeconômico e cultural, neurodiversidade, diversidade funcional, entre outros”, disse. “Embora seja um fenômeno que se expressa em um grupo, ele se relaciona com o direito de liberdade do indivíduo para exercer sua autodeterminação”.
Sholl apontou o reconhecimento de opressões sofridas por grupos minoritários e a criação de mecanismos para combatê-las como um dever social. “Reconhecer e divulgar que o preconceito e a ameaça de estereótipos estão presentes também na academia é um passo importante para desconstruir o desequilíbrio de oportunidades e promover a equidade para muitos grupos sub-representados”, concluiu.

A PESQUISA
A participação na Pesquisa da Diversidade é voluntária. Alunos, professores, técnicos-administrativos e trabalhadores terceirizados são o público-alvo. Os organizadores esperam conseguir a adesão da comunidade acadêmica de todos os centros da UFRJ para identificar as particularidades de cada local.
Para atingir o objetivo de mapear a diversidade na UFRJ, o formulário foi desenvolvido em conjunto pela Comissão de Diversidade do IBCCF e a equipe da Sgaada. São 61 questões, a maior parte de múltipla escolha, e o tempo estimado para o preenchimento varia entre 10 e 15 minutos.
As perguntas foram divididas em blocos temáticos que buscam traçar o perfil do participante, medir o nível de satisfação com o apoio à diversidade no ambiente acadêmico, avaliar o papel de grupos minoritários na academia e a satisfação com o ambiente de estudo ou trabalho.
O questionário aborda também questões de saúde mental e o impacto de problemas de saúde física na rotina de estudo e trabalho.
Os dados obtidos na pesquisa têm o direito de privacidade garantido pela Lei Geral de Proteção de Dados. Os resultados serão utilizados apenas para os fins propostos no estudo e tratados de forma anônima. Como forma de aumentar a segurança e evitar o vazamento de dados, o formulário está hospedado nos servidores da UFRJ.
As pró-reitorias ficaram responsáveis pela divulgação do link do formulário por e-mail para cada um dos segmentos da universidade. O questionário on-line está disponível em https://formularios.tic.ufrj.br/index.php/294728.

“É importante saber se comportar diante dos alunos. O professor precisa acompanhar essa lógica não binária no seu cotidiano de sala de aula”

Os dados obtidos por meio do censo podem impulsionar o desenvolvimento das atividades acadêmicas. “É importante saber como você vai se comportar diante dos alunos. O professor precisa acompanhar essa lógica não binária no seu cotidiano de sala de aula”, defende a professora Cecília Izidoro, da Escola de Enfermagem Anna Nery.
A professora Veronica Damasceno, da Escola de Belas Artes, representou a AdUFRJ no evento de lançamento da Pesquisa e lembrou de um caso em que a falta de acessibilidade impactou seu trabalho. “Tive uma aluna com deficiência auditiva durante a pandemia e ela não teve acesso a um intérprete”, contou. “É importante ter apoio institucional e políticas para preparar a universidade para todos”.
Os temas foram desenvolvidos para averiguar o grau de acolhimento e integração na UFRJ. “Uma das questões que pode afetar a evasão é o não acolhimento, a falta de receptividade. A indiferença para as diferenças que se apresentam na sala de aula. E o mesmo ocorre com o corpo docente e o corpo técnico”, aponta o professor Alfred Sholl.
Marli Rodrigues, coordenadora do Sintufrj, exaltou a pesquisa como uma oportunidade de conhecer profundamente quem estuda e trabalha na universidade. “Com o tamanho que a UFRJ tem, muitas vezes as pessoas não sabem umas das outras. É fundamental conhecer, saber onde estão essas pessoas que necessitam de uma atenção especial, entender em que condições elas estão estudando ou trabalhando aqui”, disse.
A técnica-administrativa em Educação falou sobre as denúncias de assédio moral e preconceito que o sindicato recebe. “A demanda é muito grande. São questões de gênero, raça, idade”. Marli citou como exemplo os trabalhadores PCDs. “Muitas vezes precisam se sacrificar para exercer sua função, porque não temos um projeto de acessibilidade que atenda às necessidades das pessoas nessa situação. Elas ficam desmotivadas e, por vezes, até pedem exoneração”, concluiu.
A estudante Bruna Reis, do 10º período do curso de Relações Internacionais, já respondeu à pesquisa após receber o e-mail pelo SIGA. Mulher negra, periférica, lésbica e praticante de religião de matriz africana, Bruna faz parte do Coletivo Negro Tereza de Benguela. A representante discente revelou casos de preconceito que já presenciou e de que foi vítima dentro da universidade. “Éramos apenas sete alunos negros em uma turma de 60 quando entrei no curso. Enfrentamos muitos casos de racismo, preconceito de classe e até cyberbullying. Denunciamos formalmente, procuramos a orientação acadêmica do instituto, procuramos o CEG, fizemos até boletim de ocorrência, mas nunca tivemos um retorno”, lamentou.
Bruna tem esperança de que a Pesquisa da Diversidade possa ajudar a mudar mais a cara da UFRJ. “Não tive um professor negro no meu curso. A universidade ainda é muito elitizada, branca e masculina. Espero que os resultados sirvam para transformar a UFRJ e deixar ela com mais cara de povo”.
A auxiliar de limpeza Waldinéa Nascimento da Hora trabalha na universidade desde 2015 e é presidenta da Associação dos Trabalhadores Terceirizados da UFRJ. Ela enxerga a pesquisa como uma boa alternativa para melhorar as condições de trabalho dos terceirizados. “É fundamental não discriminar a profissão dos auxiliares de limpeza e tratá-los com o respeito e dignidade que merecem”, apontou.
Waldinéa destacou duas sugestões para promover um ambiente mais acolhedor para os trabalhadores. “Ouvir as demandas é muito importante. Criar espaços de descanso e de alimentação daria mais dignidade para as pessoas”.

IDEIA SURGIU
NA BIOFÍSICA

A ideia da pesquisa nasceu no Instituto de Biofísica. Durante a pandemia da covid-19, um comitê organizado para cuidar da saúde mental de alunos, professores e técnicos apresentou questões relativas à diversidade. Em seguida, o comitê deu origem à Comissão de Diversidade do instituto.
Mas o grupo encontrava muitas perguntas sem respostas quando procurou informações sobre o corpo social. “Existem alguns dados esparsos, outros inconclusivos. Por exemplo: gênero é binário: feminino ou masculino. Muitas pessoas não se entendem nessas categorias”, disse a professora Ana Cristina Bahia, coordenadora da comissão. “Precisamos olhar como a nossa universidade se enxerga e não como a gente acha que ela deve ser enxergada”, concluiu.

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