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WhatsApp Image 2024 08 09 at 19.06.51 1Foto: Alexandre MedeirosO movimento em defesa do acesso aberto (open access) ganhou força a partir dos anos 2000 e angariou expressiva adesão entre os cientistas brasileiros. Ele se propõe como alternativa ao modelo tradicional de publicação de artigos científicos restrito a assinaturas ou acessos pagos (paywall). Com isso, o acesso aberto traz mais visibilidade e citações aos artigos publicados, certo? No caso do Brasil, a resposta é não. É o que revela o robusto estudo intitulado “Impacto da Política de Acesso Aberto na Ciência Brasileira e Tendências Globais”, recentemente publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Liderada pelos professores Claudia Figueiredo (UFRJ), Connie McManus (UnB), Brenno da Silveira Neto (UnB) e Abilio Baeta Neves (UFRGS e PUC-RS), a pesquisa rastreou o caminho de artigos científicos publicados pelos 267.823 doutores formados no Brasil entre 2005 e 2021, em todas as áreas do conhecimento. Os resultados mostram que, para autores brasileiros, a escolha do modelo de acesso aberto não melhorou significativamente o número de citações ou a visibilidade de suas pesquisas.
“Os pesquisadores brasileiros publicam mais em acesso aberto do que os autores globais. Essa é uma tendência do Brasil. Mas isso se traduz, por exemplo, em mais citações? Não. O que dá mais citações é a publicação em revistas do Norte Global e em acesso fechado”, registra a professora Claudia Figueiredo, da Faculdade de Farmácia da UFRJ, sobre uma das conclusões do trabalho.

PESQUISA
Para estruturar o estudo, a equipe se valeu de alguns critérios basilares. A partir das bases de dados da Web of Science e do Scopus, de 2013 a 2022, os pesquisadores mapearam a visibilidade internacional das publicações, avaliando a acessibilidade dos periódicos e utilizando indicadores-chave de qualidade científica para comparar tendências globais. Para aferir a qualidade, a equipe usou como parâmetros a porcentagem de documentos citados, o fator de impacto do periódico (JIF) e do CNCI (Category Normalised Citation Index) de cada artigo. O JIF mede a média de citações recebidas por artigos em um jornal específico em um ano, enquanto o CNCI ajusta as métricas de citação pela área de pesquisa, comparando as citações de um artigo com a média de sua categoria.
A pesquisa mostrou que os autores brasileiros publicam mais em acesso aberto, sobretudo em periódicos do Sul Global, mas que esse modelo tem sido ineficaz para melhorar o impacto da ciência brasileira. “Acho que a principal discussão não é sobre o modelo, se aberto ou fechado, mas sim que a gente tem que melhorar o impacto das pesquisas e a qualidade das publicações. Não basta apenas ser acesso aberto para melhorar o impacto, é necessário que seja uma revista de prestígio e, preferencialmente, aquelas publicadas no Norte Global”, avalia o professor Brenno da Silveira Neto (UnB), um dos líderes do estudo.
Segundo ele, aspectos financeiros relevantes devem ser considerados. “A principal via de acesso a publicações no Brasil é o financiamento institucional e público, mas muitas vezes não há previsão orçamentária para isso. Publicar em revistas de grande relevância e tradição, como a Nature ou a Science, traz bons resultados. A questão é que o custo é muito alto, há certo exagero nos valores, criando um modelo de negócios bastante lucrativo”, diz Silveira Neto.
Periódicos como Nature e Science adotam políticas de acesso aberto obrigatórias, mas a custos elevados — em torno de U$ 5 mil a U$ 10 mil por artigo. Revistas consideradas “predatórias” cobram por volta de U$ 1 mil por publicação em acesso aberto. “Essa realidade é um desafio para pesquisadores de países como o Brasil, onde os recursos para pesquisa são escassos. O estudo faz um diagnóstico que pode ajudar a direcionar recursos de publicação de forma estratégica, com foco em periódicos de relevância, e não dispersos em publicações de pouca visibilidade”, aponta Claudia Figueiredo.
Para o professor Rodrigo Fonseca (Nupem-UFRJ), diretor da AdUFRJ, a pesquisa faz alertas importantes. “Ela analisa algo que é considerado um dogma, que pesquisas publicadas como acesso aberto ganham mais citações, o que parece não ser uma verdade plena. É importante relembrar que temos poucos recursos para financiar as próprias pesquisas e aí precisamos muito refletir sobre como gastá-los”, diz Rodrigo.

CONTRIBUIÇÕES
A professora Claudia Figueiredo alerta para a proliferação de periódicos predatórios. “O mercado de publicações científicas cresceu muito, há hoje um grande número de revistas especializadas nesse segmento. Antes, no modelo tradicional de paywall, quem queria ler tinha que pagar pelo acesso. Com o modelo de acesso aberto, quem paga é o autor. As revistas repassaram o custo de sua manutenção a quem publica. No caso do Brasil, alguns pesquisadores pagam do próprio bolso se não têm ajuda institucional. A questão é que há periódicos de grandes editoras, com bons índices de impacto, cobrando para publicar R$ 3 mil ou R$ 4 mil. Mas usando estratégias questionáveis”, adverte ela.
Entre essas estratégias estão a de publicar muitos artigos de revisões, gerar citações de uma revista para outra da mesma editora, usar o envio massivo de convites para submissão de artigos, e a criação em série de edições especiais. “Essas publicações têm um índice de impacto inflado artificialmente”, diz Claudia. “O dinheiro que o brasileiro está pagando para publicar em acesso aberto em revistas de impacto baixo no Sul Global, e pagando alto, não está gerando retorno em termos de citação ou de visibilidade. E, na maior parte das vezes, estamos falando de dinheiro público”.
A professora enaltece o papel da Capes nesse processo. “A Capes tem o Portal de Periódicos, que é fundamental para nós. Mas estamos em transição. Não precisamos mais pagar tanto para ler, mas precisamos pagar para publicar. Essa pesquisa pode contribuir para a formulação de políticas públicas, como a da Capes. O certo é que o que estamos pagando não está se refletindo na visibilidade da Ciência brasileira”, avalia Claudia Figueiredo.

SUPORTE
A Capes tem feito movimentos importantes de apoio aos pesquisadores brasileiros no campo das publicações. Em sua posse no comando da agência, em 27 de fevereiro deste ano, a professora Denise Pires de Carvalho, ex-reitora da UFRJ, anunciou uma mudança significativa no contrato com a American Chemical Society (ACS): uma conversão de 68 periódicos do modelo read only (somente leitura) para read and publish (ler e publicar), por um período de cinco anos.
A mudança no contrato passou a permitir que pesquisadores brasileiros publiquem seus artigos nos periódicos da ACS, em acesso aberto e sem custos, após a devida revisão por pares. Ao longo dos últimos meses, a Capes tem ampliado o processo de negociação de novos acordos nos mesmos moldes como o assinado com a ACS.
“Estamos em negociação com a Wiley, a Springer e a IEEE, além da American Chemical Society. Essas parcerias visam ampliar os contratos de leitura e publicação, permitindo que artigos com coautoria de autores de instituições brasileiras participantes de nosso Portal de Periódicos sejam publicados em acesso aberto. Além disso, a Capes apoia o SciELO (sigla em inglês para Biblioteca Eletrônica Científica Online) e está empenhada em promover o fortalecimento das revistas científicas do Brasil, buscando consolidar a produção acadêmica nacional e aumentar seu impacto internacional”, informa a professora Denise Pires de Carvalho.
Em 2023, a Capes teve recursos de R$ 546 milhões para seu Portal de Periódicos. Para este ano, a dotação orçamentária é de R$ 478 milhões.

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